Recentemente fui criticado por um artigo publicado neste jornal intitulado “A triste história da Venezuela” (05/12/2007). O mal-estar do leitor circunstancial referia-se a minha suposta simpatia pelo Presidente Hugo Cháves que, em sua opinião, seria um despropósito, já que estaria elogiando um ditador que tenta perpetuar-se no poder indefinidamente. Na verdade, o texto faz menção do presidente venezuelano só no final, no qual se faz um comentário sobre o resultado do plebiscito para alterar a constituição do país. O curioso de tudo isto é que não têm nenhuma importância, para o leitor, os pormenores do relato histórico e trágico daquele país. Parece ser irrelevante preocupar-se pelo abismo que se abre entre o bem-estar de poucos e a desgraça de muitos. O foco do problema está na descoberta de que esses muitos podem chegar a incomodar algum dia. Não importa que milhões de latino-americanos vivam à margem do consumo social, como também não importa que na Venezuela ainda exista uma classe multimilionária e esbanjadora, que até recentemente se apropriava dos recursos do Estado em função da economia do desperdício e da opulência. O que espanta a meu caro leitor é que exista um intento de distribuição da receita em benefício da maioria. Usar pejorativamente o termo “populismo” para justificar a mesquinhez, é uma deturpação que pode agradar aqueles que vivem sonhando com aspirações de grandeza, que centram sua vida no fetichismo das mercadorias como símbolo de poder, e que, na sua insensibilidade estrutural, nunca compreenderão que na história dos homens, toda utopia, por mais insana que pareça no momento, um dia a mais ou um dia a menos, pode-se transformar na luta pela dignidade humana, num novo ato de criação.