quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

AS VEIAS ABERTAS DO IMPÉRIO

Enquanto o mundo desborda numa abundância de informações em tempo real, resultado da abertura de um mercado exuberante de vigilância e controle, com recopilação de dados através de softwares de identificação e procura, ninguém poderia imaginar que o feitiço voltou-se contra o feiticeiro. Durante a década de noventa, as empresas de tecnologia disseminaram as maravilhas de um planeta sem fronteiras, lugar propício para que o poder da tecnologia da informação pudesse derrocar regimes autoritários, inimigos ideológicos, ou aqueles que não combinassem com os interesses globais dos Estados Unidos. Atualmente, e parafraseando Eduardo Galeano, autor do livro “As veias abertas da América Latina”, poder-se-ia dizer que chegou a vez do império sangrar, de forma pública, suas atividades ilegais. Com a revelação de mais de 250 mil novos documentos que envolvem atividades de espionagem dos Estados Unidos no mundo, o site WikiLeaks desmascara a atuação da diplomacia estadunidense, que usou essas novas tecnologias da informação para bisbilhotar dezenas de países, além de planejar deliberadamente derrocadas de governos e ataques a nações soberanas. Os documentos também revelam a atuação de diplomatas norte-americanos na ocupação de Afeganistão e do Iraque, com também, se for o caso, do Irã e o Paquistão.
É importante que, do ponto de vista mediático, tal informação se difunda de forma maciça, de modo a reforçar uma visão mais clara de como funcionam os mecanismos de tortura nos bastidores da luta contra o “islamismo radical” de alguns países do Oriente Médio e Ásia. Essa guerra “contra o terror” envolve uma perspectiva econômica que sugere uma nova arquitetura financeira, na qual participam grandes corporações privadas ligadas intimamente ao Departamento de Segurança Nacional e ao Pentágono. O governo estadunidense canaliza bilhões de dólares para as empreiteiras que faturam alto com as privatizações dos bens públicos dos países conquistados. Entre elas, encontra-se o conglomerado Halliburton, que recebe os presos de Guantánamo para encarcerá-los numa prisão de segurança máxima construída por ela. Quando os prisioneiros chegam a seu destino, são confrontados com seus interrogadores vindos da iniciativa privada (contatados pela CIA ou o exército). Os contratos mais lucrativos são obtidos através de métodos de tortura confiável, denominada tecnicamente com o sugestivo nome de “inteligência atuante”. O Big-Mercado da guerra tem outras variantes copiadas do velho oeste. Na invasão de Afeganistão, os agentes de inteligência da CIA publicaram um cartaz que dizia “Você pode obter riqueza além de seus sonhos”, oferecendo entre 3.000 e 25.000 dólares aqueles que entregassem milicianos de Al Qaeda ou Talibãs. Num curto espaço de tempo, as prisões de Bagram e Guantánamo estavam abarrotadas de pastores, cozinheiros, taxistas, tendeiros e religiosos incrédulos, trocados por uma recompensa. O próprio Pentágono terminou divulgando que 86% dos prisioneiros de Guantánamo foram denunciados por agentes afegãos ou paquistaneses depois do anúncio das gratificações. A imprensa internacional descobriu que dos 360 prisioneiros liberados de Guantánamo, 205 foram detidos sem qualquer tipo de cargo. Parece que o livre mercado da inteligência contra-insurgente também fracassa nessa iniciativa. Em relação ao Brasil, muito pouco pode aparecer no site WikiLeaks sobre o governo, que tem na sua diplomacia atual o melhor exemplo de independência e coragem. Pode até ser que existam críticas com referência a posicionamentos ideológicos, como é o caso do atual ministro-chefe da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (SAE), Samuel Pinheiro Guimarães, contrário a criar relações carnais com os Estados Unidos. Mais essa crítica é preferível a suportar a humilhação de ver o então ministro de Relações Exteriores, Celso Lafer, tirar seus sapatos no aeroporto de Miami, em dezembro de 2002, para ser revistado pelos seguranças daquele país. Com nosso Brasil, esse tipo de coisas, nunca mais.
Victor Alberto Danich
Sociólogo