sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

ESTADISTA GLOBAL

O pensador econômico Karl Marx foi um reformulador das teorias do valor-trabalho de Ricardo e Smith, conceituando o valor de uso de acordo com sua utilidade. Dessa forma, podemos dizer que uma mercadoria tem “valor de uso” se for consumida. Nisso encontra-se o enigma de qualquer modelo econômico. Os economistas neoliberais sempre estiveram preocupados em esconder tal condicionante, que está centrado na seguinte premissa: Toda atividade econômica de uma sociedade deve estar direcionada para atender as necessidades sociais. Por que tal propensão ao obscurantismo ideológico destas últimas décadas?
Porque o ciclo neoliberal está associado às relações econômicas, sociais e ideológicas na qual o mercado tomou conta do planeta como unidade de fato, onde sobrevivem os mais aptos, levando-os a extremos no qual muito poucos prosperam. E isso não é feito mediante a produção ou o comércio, que são os únicos meios de criar riquezas, senão mediante a pura especulação. Através dessa configuração, o modelo vampiriza cadeias alheias de valor agregado, fazendo com que as novas classes ricas tendam a transformar-se numa oligarquia parasitária, que pensa nos agentes econômicos com servos, e não como consumidores. Tal modelo econômico teve na prática uma vida curta, entrando na sua etapa senil no final de 2009. Em todos esses anos não houve riqueza produzida em quantidade suficiente para atender o crescimento mundial. O que houve foi uma monumental armadilha financeira que enriqueceu de forma brutal uma pequena elite de especuladores globais. A tristeza desse final de espetáculo foi observar a ação dos governos salvando a pele dos criminosos e, o que é pior, socializando as perdas entre os verdadeiros criadores da riqueza, que são os trabalhadores. O presidente Lula, por seu passado operário, por sua trajetória de mobilidade social admirável, e por sua inesgotável capacidade política, já previra o desenlace. Por isso colocou toda sua integridade em risco ao dizer, em plena crise global: “Não devemos ter medo da crise. Se os trabalhadores são estimulados a consumir, os investimentos privados crescem, o consumo aumenta e a atividade econômica da sociedade continua”. Palavras de um iluminado? Não, apenas o bom senso de um presidente. O olhar cético para um mandatário sem diploma se transformou numa homenagem que nunca existiu até agora. O Fórum Mundial em Davos, fazendo humildemente seu “mea culpa”, presenteou o presidente do Brasil Luiz Inácio da Silva, com a honra máxima de “Estadista Global” por sua contribuição a economia mundial. O discurso do presidente, transmitido pelo ministro Celso Amorin, condensou o pensamento vigente no fórum – mudança profunda na ordem econômica, de forma a privilegiar a produção e não a especulação – e arremata: "É hora de reinventar o mundo e suas instituições."
Victor Alberto Danich
Sociólogo

OPERAÇÃO BROTHER SAM

São poucas as pessoas que se interessam em reviver momentos dramáticos da história do Brasil. Isso ocorre porque a falta de conscientização política dos nossos povos é resultado de anos de amnésia intelectual, arma poderosíssima nas mãos das antigas ditaduras militares latino-americanas. Vou relatar um acontecimento pouco conhecido que ocorreu durante o golpe de Estado de 1964. Como muitos sabem, João Goulart tornou-se presidente do Brasil em 7 de setembro de 1961, depois da intempestiva renúncia de Jânio Quadros em agosto do mesmo ano. Goulart tornou-se popular porque sua agenda política contemplava temas como a reforma agrária, habitação popular, analfabetismo e educação universitária. No contexto da guerra fria, tais iniciativas pareciam verter-se na direção de ideais socialistas que, para os setores mais conservadores, resultavam intoleráveis. Dessa forma, a campanha externa de desestabilização do governo foi tão intensa, que se configurou como uma descarada conspiração internacional. O Plano de Contingência 2-61, de codinome “Operação Brother Sam”, compreendia o apoio logístico por parte dos Estados Unidos aos golpistas, ou, se for necessário, o uso da força se houvesse intervenção soviética ou cubana apoiando o governo de Goulart. As acusações exageradas feitas pelo embaixador Lincoln Gordon de que o presidente brasileiro estava sendo apoiado pela esquerda revolucionária radical, precipitou a operação citada, envolvendo o deslocamento de uma força tarefa naval, composta de um porta-aviões, um porta-helicóptero, um posto de comando aerotransportado, seis contratorpedeiros com mísseis teleguiados, além de toneladas de armas, entre elas, um tipo de gás lacrimogêneo para controle de multidões. A histeria era tanta, que também seriam deslocados navios-petroleiros para abastecer o comboio, no caso de algum imprevisto provocado pelas forças legalistas. Resulta inacreditável que nosso país estivesse à beira de tamanha humilhação. Ainda bem que o futuro presidente Castelo Branco, sempre em contato direto com o embaixador Gordon, diz que não precisaria do apoio logístico dos “guerreiros das estrelas”. Desse modo, a “Operação Brother Sam” começou a ser desativada. O fato mais curioso de toda essa história ridícula, foi o telegrama enviado pelo secretário de Estado norteamericano Dean Rusk ao embaixador Gordon no Brasil, que perguntava se os petroleiros, que ainda estavam à disposição dos golpistas, deveriam retornar aos Estados Unidos. Isso se devia, segundo ele, ao fato de que haveria um gasto de U$S 2,3 milhões, caso eles continuassem viajando para o Brasil. Como a operação tinha sido desmontada, tais despesas não poderiam ser assumidas pelo Departamento de Defesa dos Estados Unidos, sugerindo que o reembolso fosse feito pelo governo brasileiro. O humor que nos caracteriza foi condensado na frase do historiador Carlos Fico: “O Brasil, aparentemente, escapou de pagar para quase ser invadido”.
Victor Alberto Danich - Sociólogo