Perante certas manifestações com
relação às medidas adotadas pelo governo para estimular a economia, de modo a
salvaguardar o país da crise global, principalmente aquelas que tratam tais
iniciativas como inescrupulosas, argumentando que o incentivo ao crédito pode
ser caracterizado como um “banditismo contra os que não pensam”, parece-me uma
crítica carregada de preconceitos na direção dos setores mais pobres da
sociedade. Omite-se, nesse caso, que desde 2007, por causa do crescimento da economia
nos moldes citados, a multiplicação dos milionários no Brasil se expande à
razão de 19 por dia. Tal fato é resultado do crescimento do Produto Bruto
Interno (PIB) e das taxas de consumo, que se estende a toda população. A
pergunta seria: Por que os ricos podem ter acesso ao consumo e os pobres não? É
errado diminuir os impostos para desonerar os produtos? Não era isso que a
população reivindicava? Vou esgrimir uma resposta: a economia política não é
uma ciência neutra, seus postulados teóricos, prognósticos e receitas são
fortemente influenciados pelos interesses de classe. O que orienta certos
comentários não é a ciência econômica, e sim juízos de valor que criminalizam
ações distributivas. Esses dias, um grande amigo meu, mas dialeticamente
opositor, me perguntou em tom de gozação por que colei o emblema do Che Guevara
na caçamba da minha camionete. Na verdade, o que deveria questionar seria minha
origem burguesa igualzinha ao Che. Nesse caso, farei a justificativa sem conotação
acadêmica. Será feita através de uma pequena história, sem recorrer aos
“clichês” de autoajuda, bem longe da minha praia, e que todo bom entendedor poderá
interpretar.
Uma senhora de classe média alta,
professora universitária com pós-doutorado em História, estava aguardando o
próximo vôo para Curitiba no aeroporto de São Paulo. Nesse intervalo comprou um
pacote de bolachas para saborear na espera. Próximo dela sentou-se um rapaz de
mochila e bem vestido, com uma camiseta que tinha o emblema do Che Guevara. Num
momento determinado, o garoto abriu o pacote e pegou uma bolacha para comer. A
professora indignada observou-o atônita – Olha que desfaçatez – pensou – como é
possível uma coisa dessas. Como pessoa acostumada à discrição condizente à sua
classe social, usou a alternativa de também pegar do pacote uma bolacha para comer,
sem questionar a atitude de seu ocasional acompanhante. Uma situação engraçada,
por sinal. Sentados lado a lado, sem olhar-se e compartilhando as guloseimas. É
claro que o desconforto maior era da professora. Mas, nessa altura, fazer o
que? E assim foi até o final.
Pela regra matemática a última
bolacha corresponderia ao rapaz descontraído. Foi assim que ele pegou a bolacha,
a dividiu ao meio, deixou exatamente a metade no pacote e foi embora
alegremente. Claro que a professora ignorou a gentileza. Mas teria uma história
bastante extravagante para contar a seus colegas da universidade. Quando chegou
a hora de embarcar, a professora encarou a fila rumo ao avião. Caminhou pelo
corredor até localizar seu assento. Abriu o bagageiro e, quando tentou colocar
a bolsa no mesmo, caíram seus pertences, entre eles o pacote de bolacha intacto
que tinha comprado no Café do aeroporto.
Victor Alberto Danich
Sociólogo