quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

SOBRE O CHE DAS FINANÇAS

Prezado Senhor Diretor de Redação da Revista Veja,
Estou escrevendo novamente para o senhores de forma direta porque não confio nos textos encaminhados via e-mail, já que suponho que os mesmos são depurados pela tropa de choque que preserva os interesses ideológicos da revista. Não sei se o senhor leu minha tréplica a sua resposta anterior enviada via e-mail, na qual são esclarecidos mais profundamente alguns posicionamentos ideológicos. Entretanto, gostaria de citar um novo artigo publicado nesta última edição chamado “O Che das finanças”, escrito na seção de economia (p.53) pela Sra. Julia Duailibi.
Gostaria de fazer algumas considerações com referência a tal artigo. Primeiramente, do ponto de vista metodológico, tal texto é de uma elaboração sumamente confusa e desarticulada, já que o relato fragmentado dos fatos torna-o uma “fofoca de pasquim”, ao invés de um tema centrado numa seqüência lógica que explique os aspectos econômicos de tal ocorrência. Qualquer pessoa criteriosa que tenha lido o artigo, seguramente deverá recorrer a outras fontes para entender o significado do mesmo, que de texto econômico não tem nada.
Por outro lado, se a articulista tem a intenção de dar prosseguimento à campanha de desmistificação e difamação do Comandante Guevara, deveria primeiro estudar a história latino-americana profundamente, que por sinal, é um dos defeitos mais graves do nosso povo, para então, a partir daí, entender melhor o contexto político daquela época, assim como o significado das alternativas revolucionárias como formas de libertação. Fazer uso de juízos de valor para traçar semelhanças entre um operador de mercado picareta inserido no meio financeiro capitalista, e a trajetória da luta revolucionária e intelectual do comandante Ernesto Guevara de la Serna, se configura como um disparate delirante de uma pessoa que, para agradar à linha editorial da revista, obrigar-se a escrever as pressas qualquer coisa (ou qualquer lixo).
Espantado com tamanho desconhecimento do significado cultural dos processos de descolonização que caracterizaram a segunda metade do século vinte, sinto-me a vontade de oferecer aulas gratuitas de sociologia à distância para tal articulista, ou sugerir seu retorno às aulas de história na universidade.
O senhor pode observar através do meu discurso, que o maior patrimônio que o ser humano possui é a capacidade de exercitar a dialética do conhecimento. Para tanto, já que o senhor é o Diretor de Redação, gostaria que repassasse a sua subordinada alguns dados sobre a gestão do Comandante à frente das atividades econômicas de Cuba, que nada tem de criminosa, e sim de uma ferrenha vontade de construir um país solidário e livre das garras de qualquer imperialismo (tanto soviético como americano).
Não é intuito de este comentário esconder o resultado ou o fracasso das políticas guevaristas à frente da economia cubana, e sim dizer que o Comandante promoveu a rápida nacionalização e centralização da economia, e já na primavera de 1961 a economia cubana era quase totalmente estatal, não muito diferente de alguns países capitalistas latino-americanos desenvolvimentistas. Nesse contexto, o Comandante Guevara se opunha as propostas soviéticas de promover a autonomia relativa, a flexibilidade financeira e a ênfase em maiores incentivos materiais. Para o Che, e que fique bem claro para a senhora Duailibi, as orientações soviéticas eram visualizadas como uma ameaça aos incentivos morais que deviam ser, a seu critério, a forma predominante para a construção do socialismo em Cuba.
Por que o Comandante Guevara pensava assim? Porque o Che no foi um teórico do trabalho voluntário, senão que o praticou com um fervor rigoroso. No Ministério da Indústria, o trabalho voluntário chegou a transformar-se num aspecto fundamental para a educação dos dirigentes. O batalhão vermelho, criado por ele, tinha como meta as duzentas quarenta horas semestrais, uma exigência altíssima levando em conta às dezesseis horas trabalhadas no ministério. Isso significava que para cumprir com as metas era necessário trabalhar na produção nos fins de semana, completando as metas com horas noturnas em fábricas e outros centros de trabalho. A ética do trabalho voluntário encontra-se no lugar oposto daqueles que se sentam numa poltrona de couro, e usam o computador para especular financeiramente e, sem qualquer sensibilidade, furiosamente contentes por seus ganhos imediatos, jogam na exclusão social milhões de seres indefensos, parias de um modelo que os elimina compulsoriamente.
Diferente daqueles que buscam ganhar dinheiro a qualquer custo, inclusive para “compensar as deficiências de formação”, como é o caso de Jérôme Kerviel, o Comandante criou em Cuba o Sistema Orçamentário de Financiamento, baseado no uso do dinheiro aritmético e a não utilização do crédito bancário. Sustentava que eram inconcebíveis relações mercantis dentro do setor estatal de uma economia socialista. Daí a centralização da produção e dos fundos em efetivo de todas as empresas administradas pelo Estado, de modo que todas as indústrias depositassem os ingressos num fundo comum, para logo receberem os recursos necessários para seu desenvolvimento, de acordo com as prioridades fixadas pela planificação centralizada. Dessa forma, esperava-se resolver o problema da carência de fundos de algumas empresas que, por seu tamanho ou falta de organização, não podiam depender de seus ingressos.
Tem mais ainda: O Comandante Guevara, em 1959 já tinha sérias dúvidas sobre a ajuda do Fundo Monetário Internacional, quando dizia com tom certeiro: “O FMI cumpre a função de assegurar o controle de toda América Latina por parte de uns poucos capitalistas, que se encontram instalados fora de seus países. Os interesses do FMI são os grandes interesses internacionais que hoje parecem que estão assentados e tem sua base de operações no Wall Street”.
Já se passaram quase cinqüenta anos destas palavras, e a senhora Duailibi, sua subordinada, ainda insiste em comparar o Che com um filhote pródigo da imoralidade capitalista. O impacto do pensamento de Ernesto Guevara de la Serna, equivocado ou não, teve um alto vôo teórico, tanto em aspectos doutrinários como econômicos. Torna-se importante ressaltar essa característica, já que suas criações conceptuais não ficam aquém de suas virtudes de combatente. Esconder do público desavisado tais atributos é uma falta de ética jornalística da pior espécie.
Espero que o senhor, que na sua juventude ainda sonhava com um mundo melhor, possível de ser transformado através da leitura rigorosa e do conhecimento pleno, possa vencer seu estoicismo e livrar-se da incompetência intelectual de alguns de seus colaboradores.
Atenciosamente,

Prof. Victor Alberto Danich
Gerente Executivo da Incubadora
de Projetos Tecnológicos - JaraguaTec