quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

O CAPITALISMO DO DESASTRE

A afirmativa mais apreciada na nossa sociedade é que o capitalismo nasce da liberdade, e que o livre mercado desregulado caminha de mão dada com a democracia. Por outro lado, também existe um reconhecimento histórico de que o colapso da União Soviética deveu-se, não apenas pelo fracasso de suas forças produtivas, senão também pelos crimes cometidos em nome do comunismo. Mas vale a pena perguntar-se: O que houve por trás da cruzada contemporânea na defesa da total liberdade dos mercados? Será que a história oficial da construção de um mercado global livre de qualquer tipo de controle, escondia um capitalismo fundamentalista, nascido de um parto brutal através da violência e a coerção corporativista?
O efeito dominó que provocou a crise de 2008, que começou como financeira nos labirintos de Wall Street e se espalhou de forma macroeconômica no mundo todo, terminou-se configurando como uma crise humanitária de grandes proporções. A população que passa fome chega a um bilhão de pessoas e aumenta a todo dia. O Banco Mundial sinaliza que 400 mil crianças a mais dos que morrem anualmente por causas relacionadas à pobreza, morrerão em 2010 devido à crise. Tamanha tragédia que elimina 23 mil empregos por dia nos Estados Unidos, e que se propaga no mundo de forma acelerada, não é resultado de uma catástrofe natural ou de uma conspiração comunista. Ela é culpa do mesmíssimo sistema capitalista, e tem endereço certo: a economia norte-americana assentada nas bolhas do “subprime”, dos famosos derivativos e outros produtos financeiros criados magicamente por estelionatários de colarinho branco. Ainda assim, muitos continuam pensando que tudo isso é uma força virtual que nada tem a ver com indivíduos de carne e osso. Soberbo engano. Vamos desvendar as condutas antiéticas dos altos executivos financeiros, suas práticas impunes de maximização dos ganhos em curto prazo, apenas com o intuito de satisfazer sua cobiça desenfreada. O caso do Lehman Brothers, empresa de 160 anos de existência, levada à falência pelo seu presidente Richard Fuld, que havia recebido durante os últimos cinco anos um total de 500 milhões de dólares, tinha como garantia uma cláusula contratual que, caso fosse demitido, a empresa deveria pagar-lhe 65 milhões de dólares. Em poucos dias, após a quebra do Lehman Brothers, ocorre à falência técnica da maior empresa seguradora dos Estados Unidos, a American International Group – AIG, que em março de 2009 pagara 168 milhões de dólares em bônus aos executivos da divisão que causara o formidável estrago com suas operações de alto risco.
Vamos continuar com a devassa corporativista? Enquanto o Bank of America adquiria o banco de investimentos Merryl Linch, para salvá-lo da falência, seu presidente, John Tayhn, sabendo da operação, antecipou o pagamento com dinheiro do Estado, de bônus de 4 bilhões de dólares a seus altos executivos. O estressado presidente consolou-se, em plena crise, reformando seu gabinete ao custo de 1,2 milhões de dólares. Enquanto o Brasil se defendia com unhas e dentes da contaminação da crise através de políticas público-privadas de reativação econômica, os presidentes das três grandes montadoras de automóveis norte-americanas iam pedir desesperados ajuda multimilionária ao governo – em seus jatinhos particulares – cujo custo era sessenta vezes maior ao de uma passagem aérea na classe econômica. Sabem por que o presidente norte-americano perdeu a maioria no congresso? Porque fala a verdade a um povo que vive da promessa de riqueza ilimitada. Em 2009, o presidente Obama denunciou as corporações com as seguintes palavras: “usam o dinheiro do contribuinte para pagar suas remunerações, comprar cortinas ou se esconder nos seus aviões particulares”. Nada disso parece ter causado efeito numa sociedade alienada. No restante do mundo, governos se desintegram pela incapacidade de resolver a crise. A sociedade global exige mudanças, organizando-se em novas formas de crítica social, ressuscitando, por sua vez, do longo sopor ao qual foi submetida.
Victor Alberto Danich
Sociólogo

EDUCAÇÃO E MOBILIDADE SOCIAL

Recentemente, o exame do Enem foi noticiado com grande estardalhaço por causa dos problemas ocasionados na confecção dos gabaritos. A gráfica contratada produziu 10 milhões de provas, na qual houve um lote de 20 mil que saíram com erros de impressão. Nesse caso, o governo, depois de identificar os participantes prejudicados, fará uma nova prova através do método TRI, que permite aplicar os testes em dias diferentes com o mesmo grau de dificuldade. Resulta evidente que isso tornou-se um contratempo, mas é uma medida que evitará maiores gastos na aplicação da prova, sem prejudicar aqueles que deverão entrar nas universidades conforme o calendário estipulado. Por outro lado, a atenção centrada nos problemas do Enem, deixou passar despercebida a importante notícia com referência ao aumento de estudantes de baixa renda nos cursos universitários. A pesquisa do Data Popular, que é um instituto especializado em mercado emergente no Brasil, divulga que, pela primeira vez na década, jovens de baixa renda são maioria nas universidades. Este novo contingente de jovens que representa 73% dos universitários, fazem parte da primeira geração de suas famílias a conquistar um diploma de nível superior.
A pesquisa revela que os estudantes da classe D, originários de famílias que ganham menos de três salários mínimos ultrapassaram os filhos dos setores mais privilegiados da pirâmide social. A mágica desse resultado encontra-se no Programa Universidade para Todos – ProUni, que já atendeu nestes últimos seis anos a 747 mil estudantes de baixa renda. No período de 2002 a 2009, todas as faculdades, tanto públicas como privadas, já contabilizaram o atendimento de 700 mil estudantes da classe D, numa média de 100 mil jovens por ano. Resulta interessante destacar que oito anos atrás esta classe ocupava apenas 5% da totalidade das vagas nas universidades. Na atualidade, pelo contrário, eles representam 15,3%, enquanto os da classe A diminuíram de 24,6% para 7,3% durante o ano de 2009.
O estudo mostra também que entre 2002 e 2009, o número de estudantes universitários no Brasil aumentou de 3,6 milhões para 5,8 milhões, que representa um avanço de 57% na totalidade desse universo educacional. Nesse contexto, as classes A e B detêm 26,3% das vagas nas universidades, enquanto os estudantes das classes C, D e E representam 73,7% desse total. Por outro lado, o acesso à universidade representa para esses jovens um investimento muito pesado, mas que oferece a possibilidade de mudar de vida e ascender socialmente. No entanto, existe uma contrapartida por parte de empresas que realizam parcerias com o Centro de Integração Empresa Escola – CIEE, oferecendo uma ampla rede de apoio através de programas de bolsas em faculdades privadas. Tal iniciativa inclui o governo na sua principal vitrine da política educacional, aquela que permite que estudantes carentes estudem em instituições de ensino superior privadas com bolsa integral ou parcial, usando como contrapartida a isenção de tributos. Para finalizar, e retornando ao caso do Enem, é preciso entender que, apesar de suas falhas circunstanciais, este processo, mais do que uma avaliação do ensino médio, representa um mecanismo institucional de estímulo ao estudo, além de constituir-se numa extensa política de inclusão social. É possível que aquelas pessoas que sempre estão prestes a ridicularizar ou desmerecer qualquer ação governamental, não percebam que por trás de falhas humanas, sempre há uma nova oportunidade para refazer as coisas de modo correto. Nada melhor do que as palavras do Prof. João Monlevade, consultor do Senado Federal, ao dizer que o “Enem representa a transição da loteria dos vestibulares para a realização do preceito constitucional: a educação superior é um direito de todos, segundo a capacidade de cada um, e serve ao mesmo tempo para aperfeiçoar seus mecanismos avaliativos, com o aproveitamento democrático de todos os talentos”
Victor Alberto Danich
Sociólogo