quinta-feira, 2 de outubro de 2008

TRABALHO E GLOBALIZAÇÃO

O artigo “A fútil defesa” (ANotícia, 09/04/2007, pág. A3) do Doutor em Economia Miro Hildebrando, contextualiza em parte a trágica história dos trabalhadores na origem da acumulação do capital nos primórdios da Revolução Industrial. Para aqueles que gostam de pesquisa histórica, será muito fácil descobrir que as grandes conquistas trabalhistas não aconteceram por acaso, e sim como resultado dos grandes movimentos populares que consolidaram suas reivindicações na segunda metade do século XX. O capitalismo de pós-guerra, pressionado por um novo modelo social que polarizava suas pretensões ideológicas, viu-se forçado a aplicar políticas públicas que atendessem aos reclamos trabalhistas. O desenvolvimento da produção em massa e políticas de bem-estar social, que permitiram o acesso ao consumo de grandes parcelas da população dos países centrais, serviu como anteparo ao avanço das idéias comunistas no contexto do mundo capitalista. A consolidação dos direitos trabalhistas foi resultado desse espectro político, e não da magnanimidade do capital. Dizer que existe uma “assombrosa complacência” para as exigências trabalhistas, é desconhecer que as atuais instituições do Estado foram vencidas por um mundo pautado pela globalização econômica, que paralisam os movimentos de defesa dos mais desfavorecidos, presos aos superpoderes do capital monopolista, que impõe a idéia da “mão invisível do mercado” como forma de justificar a necessidade de menos instituições e menos direitos.
É inimaginável comparar o bem-estar dos países ricos com as desventuras dos países pobres. Há na América latina 70 milhões de seres humanos miseráveis, totalmente excluídos de qualquer tipo de acesso ao consumo social. Brasil não escapa dessa situação. Como pretender que não exista mal-estar excessivo dos trabalhadores, se a concentração de renda é resultado de uma brutalidade histórica? As relações do trabalho com a globalização não podem ser vistas fora do contexto que ordena as relações internacionais que, subjugadas por um controle mercantilizado do conjunto das inter-relações existentes entre os seres humanos, precisa reduzir o poder normativo das leis constitucionais para condicionar às sociedades a um novo ciclo de acumulação capitalista que exclua a intervenção reguladora do Estado nacional.
Victor Alberto Danich
Sociólogo, Mestre em Engenharia de Produção

WEBER, KEYNES E O ESPÍRITO DO CAPITALISMO

Quando o sociólogo alemão Max Weber dizia que a doutrina protestante preparou o terreno para as atitudes religiosas individualistas, baseou-se na concepção da justificação pela fé, que terminou assentando as bases da confiança individualista na consciência particular de cada um. Essa interpretação fundamentada na vontade de Deus pelo próprio indivíduo, serviu para que os dogmas protestantes ajudassem aos capitalistas a dizerem que “os lucros eram considerados uma vontade de Deus, uma marca de Seus favores e uma prova de sucesso em se ter sido chamado”. Na década de 30, o economista inglês John Maynard Keynes, demonstrou que o mito do mercado auto-ajustado tinha perdido seu sentido ideológico perante a crise de 1929, e provou que a interferência do governo na economia através da tributação, dos empréstimos e gastos, poderia salvar o capitalismo das crises cíclicas e do ataque das doutrinas socialistas. A publicação da “Teoria Geral do Emprego, dos juros e da Moeda” provou sua eficácia, teoricamente ao menos, durante a Segunda Guerra Mundial. Os enormes gastos governamentais norte-americanos mobilizaram contingentes enormes de mão-de-obra, que produziram entre 1939 a 1945, 296.000 aviões, 5.400 cargueiros, 6500 navios de guerra, 64.500 jipes, 86.000 tanques, 2.500.000 caminhões conjuntamente com uma enorme produção de armamentos individuais e alimentos para 14 milhões de soldados aquartelados.
O Plano Marshall de 1947, que viabilizou na prática a reconstrução econômica da Europa através de investimentos estratégicos, serviu como instrumento econômico e financeiro para efetivar a consolidação da área de influência americana naquele continente. Logo vem a guerra da Coréia e do Vietnam até o final da “Guerra Fria” que termina com o colapso da União Soviética. O mundo é redimensionado através da globalização econômica que, sob a hegemonia incontestável dos Estados Unidos, leva-nos rumo a um mundo unipolar, de concepção claramente imperialista. O dia 11 de setembro de 2002 é o ponto de partida simbólico para uma nova “estratégia global imperial”.
O sentido fundamentalista contido no discurso de Bush, que cita o Iraque como parte do “eixo do mal” é apenas a fachada para reativar a economia americana nos parâmetros da influência militar de pós-guerra, tipicamente Keynesiana. A destruição do Iraque é um alerta aos países árabes para não abandonarem o padrão dólar como moeda hegemônica. O espírito do capitalismo prevalece até na entrega de água para os refugiados, que os americanos querem cobrar. Pode-se imaginar quantos grandes negócios serão feitos com a derrocada do “Ditador Hussein”. Tudo parece tão irreal que a institucionalização da guerra precisou da “solidariedade protocolar” do arquipélago de Tonga, pequena monarquia do Sul do Pacífico, como o quadragésimo nono aliado da Coalizão.

Victor Alberto Danich
Sociólogo – Professor do Centro Universitário de Jaraguá do Sul – UNERJ

UM SOCIÓLOGO BRILHANTE

Entre os sociólogos de destaque no âmbito da academia brasileira, há um pensador social que merece uma recordação especial, após treze anos da sua morte, por ter sido um dos mais sólidos intelectuais brasileiros, que dedicou sua vida a defender modelos sociais sob a tutela da justiça e da igualdade. Refiro-me ao professor Florestan Fernandes, que se tornou com sua obra uma das identidades proeminentes da sociologia contemporânea do Brasil. Sua história comovente de menino pobre, obrigado a engraxar sapatos para sobreviver, enfrentando com tenacidade os obstáculos da exclusão social, talvez tenha sido a chama que lhe despertou o interesse pelos processos ocultos dos dramas da sociedade. Foi trabalhando como garçom do antigo Bar e Restaurante Bidu, que Florestan retomou seus estudos no supletivo, e se preparou para uma futura e brilhante carreira acadêmica, que lhe permitiu usar o meio político para exercitar sua militância popular.
O professor Florestan Fernandes foi um pesquisador rigoroso, autor de uma vasta obra no campo da sociologia, mas também uma pessoa compenetrada no estudo das relações humanas na sociedade, que fez dele um ícone na luta pela igualdade social. Todas suas idéias ganhavam vida própria através de seus escritos e aulas, que se refletiram no seu trabalho como deputado federal duas vezes por São Paulo. Sua atividade política está presente em toda sua obra, principalmente quando abre as portas da universidade a negros e mulatos, acirrando a polêmica sobre o assunto, assim como sua participação ativa na criação do Partido dos Trabalhadores na década de 80, de modo a integralizar o conhecimento acadêmico com a ação política, revigorando o papel do intelectual comprometido com as causas populares.
Diferente de outros sociólogos bem nascidos, que apenas expressam suas idéias no campo da retórica, e são reconhecidos como intelectuais de sucesso porque o discurso se ajusta a certo tipo de interesses de classe, há outros que transformam a expressão acadêmica em práticas sociais que redundam em benefício dos menos favorecidos. Nessa categoria podemos incluir o saudoso Florestan Fernandes, símbolo exultante do melhor da sociologia brasileira.
Prof. Victor Alberto Danich
Sociólogo

APENAS SEIS NÚMEROS

Deixando de lado as implicações filosóficas que a religião defendeu durante tanto tempo, baseadas no texto que, de acordo com a Bíblia: “Deus fixou a Terra em suas fundações para não se mover nunca mais”, podemos dizer que há uma ponta de tolerância na aceitação do Big Bang como modelo explicativo da origem do universo. Nessa maratona científica, divulgada gradualmente, o modelo descreve como tal universo nasceu de uma sopa primordial extremadamente quente e densa, evoluindo para um imenso conjunto de galáxias, estrelas, planetas e formas de vida que hoje existem. Mais perturbador ainda é saber, de acordo com o astrônomo Martin Rees, que a estrutura do universo depende de apenas seis parâmetros físicos, entre eles a força da gravidade. Não é mera ficção, os cientistas podem medir com exatidão o valor de cada um desses parâmetros, contidos nos seis números mencionados. Sabendo disso, como o universo seria se tais valores fossem diferentes?
Esses valores numéricos estão relacionados a forças que unem os prótons e os nêutrons no núcleo do átomo. Uma pequena diferença nesse agrupamento e seria impossível fundir hidrogênio em deutério e, por tanto, o universo estaria composto só de hidrogênio, o que não permitiria qualquer chance de vida. Tal configuração de extrema sensibilidade mostra-nos que a mais ínfima alteração em qualquer desses cinco valores restantes, teria afetado de maneira violenta a evolução do universo, o que o tornaria estéril e sujeito a autodestruição física. Nesse caso, os seis números parecem ter características especiais de modo a permitir a existência de vida, desafiando o acaso. Mas, será apenas isso? Será o indício da existência de um Deus? Ou nosso universo faz parte de um multiverso com um conjunto próprio de seis números? Tal multiverso consistiria em infinitos universos diversos, entre eles, alguns com a capacidade de conter vida, outros não. Quem sabe.
O estado físico chamado de singularidade nos sinaliza uma pista. O modelo do Big Bang não deu origem apenas à matéria e à radiação, senão também ao espaço e ao tempo. Perguntar o que havia antes disso não faz qualquer sentido. E se tiver alguém sugerindo tal indagação, é bom lembrá-lo das palavras de santo Agostinho, escritas lá pelos 400dC: “Antes de criar o Céu e a Terra, Deus criou o Inferno, para colocar nele pessoas como você, que fazem essa pergunta”.
Victor Alberto Danich
Sociólogo

A VOLTA DE MISTER LINK

Juro que tentei me policiar para não escrever crônicas geopolíticas. Desculpem-me, não consegui resistir, ao menos desta vez. Ao ler que a reativação da IV Frota dos Estados Unidos coincide com as descobertas das riquezas do pré-sal, me leva a pensar que nossos amigos agem em conformidade com as empresas petrolíferas que estão de olho no nosso litoral. O medo destes mercadores sem pátria reside em que a Petrobrás monopolize a província petrolífera do pré-sal, transformando-se numa poderosa estatal. A Petrobrás faz 30 anos que está pesquisando toda a área com grandes dificuldades geológicas porque a camada de sal mascarava os levantamentos sísmicos. Com as novas tecnologias, a empresa pôde identificar com mais precisão o local adequado para a sondagem pioneira. Perfurou o primeiro poço com o custo de US$ 260 milhões, com altos riscos, e achou o petróleo que seus técnicos esperavam. Fez isto tudo sozinha. Por que entregar para os outros em função do atual marco regulatório que fere nossa soberania? Se no mundo todo, onde existe produção em águas profundas, os royalties foram abolidos sob os argumentos de alto risco e elevado investimento, por que então as multinacionais do petróleo e a Agência Internacional de Energia (AIE) criticam os projetos de mudança na lei do petróleo, alertando o país da necessidade de investimentos estrangeiros para explorar o pré-sal? A questão principal é a propriedade do petróleo e a participação na produção. Nesse caso, a participação da União deveria passar de 40 para 84%, ou 90,4% se a produção fosse feita pela Petrobrás, de modo a garantir essa riqueza da ordem de US$ 20 trilhões de dólares para o seu verdadeiro dono, o povo brasileiro. A propósito, a mídia conservadora esconde uma história nebulosa. Em 1954, a Petrobrás, recém criada, contratou o americano Walter Link para chefiar o departamento de pesquisa da estatal. Mister Link tinha uma frondosa folha de serviços como descobridor de petróleo. Tal visitante ilustre ficaria famoso em 1960 quando foi divulgado o relatório de pesquisa do território nacional. O “relatório Link” como foi conhecido, continha uma avaliação pessimista sobre a existência de petróleo no país, principalmente em nossas bacias sedimentares. Paradoxalmente, em 1963, depois de Mister Link deixar o país, pesquisadores soviéticos concluíram que o Brasil poderia ser auto-suficiente, e até exportar petróleo num futuro próximo. Quem sabe Mister Link esteja mandando de volta agentes disfarçados das grandes empresas, de modo a mapear novamente de forma errada nosso território, no melhor estilo mercantilista.
Victor Alberto Danich
Sociólogo

OS PALPITEIROS

O presidente Lula resumiu de maneira genial os acontecimentos recentes na economia mundial. Com sua capacidade didática invejável analisou a crise de maneira cáustica e direta, ao dizer que via com tristeza a quebra de bancos americanos importantes que, incontinentes, passaram a vida dando palpites sobre o Brasil, medindo o “risco país” de forma aleatória e aconselhando os investidores a duvidar das políticas do governo. Confesso que me sinto gratificado com o discurso do presidente, já que confirmou um fato de natureza econômica abordado em meus artigos, questionando o modelo neoliberal, muito a contragosto dos defensores da globalização econômica.
Mas para isso é necessário entender que a volatilização das ilusões que estimularam as fantasias de tal globalização, centrada na prosperidade ilimitada dos Estados Unidos, terminou por mostrar a verdadeira cara de um modelo em que todos os agentes econômicos dependem do mercado, nos quais os requisitos da competição e a maximização do lucro são colocados como regras fundamentais da vida e do progresso. Essa configuração se reproduz em crises econômicas cíclicas, que afetam o grosso do trabalho da sociedade, violentando a geração das riquezas produtivas através da livre circulação do capital especulativo no mundo. Ou pior, transformando o sistema financeiro, como afirmou nosso presidente “num cassino no qual os especuladores perderam na roleta” sem se preocupar pelo alto preço que a sociedade paga por tal irresponsabilidade. Felizmente, o Brasil tem uma blindagem de 207 bilhões de dólares que serve como mecanismo para amenizar uma possível crise local. É bom lembrar que isso é resultado da capacidade do governo de ter zerado quase que totalmente a dívida externa, antecipando desse modo qualquer ataque especulativo. Tal medida foi posta em prática sem recorrer às privatizações, sem sacrificar o emprego e a renda do trabalhador e, fundamentalmente, sem hipotecar o crescimento econômico do país que, diga-se de passagem, foi feito na mais ampla e exitosa política keynesiana que qualquer nação latino-americana tenha realizado até o presente.
Moral da história? Mais uma vez o Brasil dá exemplos de sucesso para o mundo capitalista. Nos melhores moldes do planejamento estatal, o chefe do Comitê de Bancos do Congresso dos Estados Unidos quer criar uma versão moderna de uma instituição da era da depressão dos anos 30. Quem poderia imaginar! Na catedral do laissez-faire: Wall Street e Washington, chegou-se a considerar a hipótese de uma estatização dos bancos em dificuldades. Existe tanta confusão na terra do Tio Sam, que talvez haja necessidade de convocar o presidente Lula para dar uma assessoria de graça aos consultores do norte “desenvolvido”.
Victor Alberto Danich - Sociólogo

O FEITIÇO LIBERAL SE ESVAZIA PERANTE A CRISE

O conceito neoliberal de que o Estado deve ser mínimo e o mercado absoluto, se desvanece perante a crise atual dos Estados Unidos, donos de tal discurso. Recordam? “Faça o que eu digo e não faça o que eu faço” Por que tal comentário? Os EUA são os maiores devedores do planeta, com déficits gigantescos em seu orçamento público e sua balança comercial, enquanto dependem do financiamento do resto do mundo para se manter de pé.
Para entender a crise no mercado imobiliário norte-americano, devemos fazer um pouco de história. Durante 2002, por causa da redução da taxa de juros, houve um crescimento do mercado imobiliário através da venda de casas a juros baixíssimos e uma gigantesca especulação financeira ao redor dele. Esgotado o potencial de venda de novas casas para consumidores com condições de pagamento, as financeiras estenderam para os que não podiam pagar. As pessoas eram convencidas a fazerem negócio, porque depois da compra, com o aumento do preço das casas, resultado da procura cada vez maior, refaziam a hipoteca com um preço mais alto e ganhavam dinheiro. Por outro lado, os bancos transformavam essas dívidas em títulos do mercado financeiro que se negociavam no mundo todo.
Vocês se lembram? Assim funcionam as “pirâmides” que os picaretas fazem em qualquer lugar. São aquelas que se ampliam, na qual as pessoas ganham dinheiro até que param de crescer. Os últimos a entrar na história são os que perdem tudo. Conseqüências? Quando não havia mais a quem vender, estourou a crise. Os bancos que patrocinaram tal carnaval financeiro sofreram perdas brutais, além das corretoras e famosas empresas de consultoria, chamadas pelo presidente Lula de “palpiteiros”. A revista Veja, defensora inconfessável do modelo neoliberal, cita o governo Bush como a tropa de choque que está tentando evitar a crise, no melhor estilo intervencionista, escondendo que a mesma é resultado da própria ideologia liberal, resumida nas palavras de um de seus intérpretes, Ronald Reagan, que dizia: "o governo não é a solução, mas sim o problema". Se o presidente hollywoodiano estivesse vivo, diria: “Esqueçam o que falei”.
Victor Alberto Danich
Sociólogo