quinta-feira, 12 de maio de 2011

A CORRIDA POR STATUS

Imagino que a maioria das pessoas sabe que a atividade econômica da sociedade está configurada num modelo de produção capitalista. Uma de suas características principais, além de seu objetivo intrínseco assentado na maximização dos lucros, é a existência de diferentes classes sociais, que podem ser identificadas por sua capacidade de poder econômico, político, ou profissional. Por se tratar de um modo produtivo com feições democráticas, pode ser observada nele uma forte tendência à mobilidade social, bastante visível no Brasil nestes últimos anos. Perante tal fenômeno, a sociologia estuda esse mecanismo a partir de uma perspectiva funcional, que identifica certos comportamentos em função da obtenção de um sucesso vinculado a metas futuras. Pelo fato de que tais circunstâncias não estão totalmente sob controle, pela sua própria imprevisibilidade, termina-se implantando no modelo citado um processo neurótico de ansiedade na convivência social.
Nesse contexto, o julgamento que os indivíduos fazem de si próprios em termos de êxitos e fracassos anteriores, cria uma constante incerteza no que pode acontecer mais à frente. Quando a ansiedade corresponde a parâmetros de comportamentos normais, a mesma pode ser integrada na conduta e na personalidade do indivíduo. Mas, quando o fato ambicionado, em função de seu êxito ou fracasso, aparece carregado de incerteza e insegurança, em que a intensidade da frustração é desproporcional com relação aquele significante, surge o fenômeno da corrida desenfreada por status, muitas vezes, a qualquer custo. Normalmente, o temor e a ansiedade estão presentes nos casos de perturbações e conflitos, mas, a ansiedade unida à conquista por status, é expressa através de compulsões infundadas. Em tais casos, a explicação não reside num problema psíquico, senão nos problemas motivacionais comuns das sociedades de classes.
A ansiedade psíquica está vinculada a um temor sem fundamentos, uma idéia fixa ou um ato involuntário que se repete incessantemente. A corrida por status entranha um conflito simbólico, que é a busca de uma meta que está sempre distante e evadida do sujeito. O objeto manifesto não faz mais do que representá-la. Serve como defesa simbólica contra a insegurança de não obter o êxito esperado. A corrida por status sempre é acompanhada de uma fuga para alguma coisa: uma meta ou várias metas a serem alcançadas. O objeto específico não é admitido conscientemente, porque foi reprimido. O propósito comum em todos os casos é evitar a ansiedade provocada pelo possível fracasso. O fracassado numa sociedade de status transforma-se num excluído social. Por esta causa, os indivíduos que convivem neste tipo de sociedade sempre estão presos aos eternos condicionantes de êxitos e fracassos.
Entretanto, como os fracassos e os êxitos nunca são definitivos, os indivíduos convivem com a incerteza e instabilidade que rege o caráter social das comunidades de status. A ansiedade que leva à procura incessante de status é permissível numa sociedade desse tipo, oferecendo certo alívio à ansiedade criada por esse contexto. Enquanto o indivíduo corre atrás do status, não se confronta com sua ansiedade, porque o temor está dentro dele. A ansiedade não pode ser superada pelas fugas na direção das metas, porém pode ser “acalmado”. Desse modo, para que o peso da insegurança não se descarregue encima dele, o indivíduo tem que estar sempre correndo naquela direção, sem fim determinado. Com esta prática ou conduta social, logra diminuir a ansiedade e mantê-la longe da consciência. Os poderosos impulsos que existem por trás da compulsão ou obsessão estão determinados em última instância por uma aguda ansiedade social. A necessidade de sempre estar à procura de status cada vez mais elevado converte-se num meio de fuga de aquilo que se quer realmente evitar: o fracasso. Essa fuga tem uma conotação inconsciente, muito longe de ser percebida pelos atores dessa “comedia humana” de representação de papéis, tão presos ao status ambicionado, e tão distante de um projeto coletivo de ascensão social.
Victor Alberto Danich
Sociólogo

PLAYA GIRÓN

Perante as guerras focalizadas que ocorrem no Oriente Médio, resulta interessante fazer um histórico das razões ocultas que existem por trás de tais acontecimentos. Os protagonistas diretos das lutas contra o colonialismo conhecem profundamente a saga dos imperialismos na sua avidez por conquistar o mundo. São as gerações atuais que precisam estar atentas à redescoberta das novas estratégias neocoloniais mascaradas com feições humanitárias. Essa é a razão pela qual quero resgatar a história a seguir.
No começo da manhã de 17 de abril de 1961, teve início à invasão da Baía dos Porcos (Playa Girón), quando um grupo de mercenários, refugiados cubanos treinados em bases da CIA e financiados por Washington, desembarca em Cuba para tentar derrocar o governo de Fidel Castro. Nas vésperas do ataque, dois aviões B-26 mascarados com as cores de Cuba, que voaram diretamente da Nicarágua para bombardear o aeroporto cubano, evidenciaram a cumplicidade da CIA na operação paramilitar. Enquanto isso, o chefe da missão norte-americana nas Nações Unidas, Adlai Stevenson, jurava que os pilotos eram desertores da força aérea cubana que estavam lutando do lado dos invasores. Tal afirmação terminou revestindo-se de extremo ridículo, que aprofundou ainda mais o sentimento hostil aos Estados Unidos na Assembléia da ONU. A constatação da existência de forças mercenárias contra Cuba aconteceu quando foi abatido um avião militar norteamericano, que bombardeava a população civil e forças milicianas na região de Central Austrália. O cadáver do piloto Leo Francis Baker, com toda a documentação e plano de vôo, transformou-se na prova definitiva.
A eficiência das forças militares cubanas terminou abortando os ataques aéreos mercenários. De fato, dos onze B-26 que saíram de Porto Cabezas, na Nicarágua, nove foram abatidos. Desse total, seis pilotos norteamericanos, contratados da Guarda Nacional de Alabama, além de cinco pilotos cubanos contra-revolucionários, morreram na invasão da Baía dos Porcos.
A totalidade da força mercenária adestrada pela CIA, teve poucas chances de resistir ao heroísmo dos milicianos de Cuba. Dos 1.400 cubanos anticastristas, que faziam parte das forças invasoras, 100 morreram, cinco conseguiram escapar asilando-se na Embaixada do Brasil, e outros 14 foram resgatados por navios norteamericanos. Entretanto, o total de combatentes treinados pela CIA e mobilizados para a invasão chegava a 2.400, dos quais 1.200 não conseguiram nem sequer desembarcar, retornando às suas bases perante o intenso bombardeio das baterias antiaéreas das milícias postadas na praia.
Conforme o Conselho Revolucionário Cubano, de acordo com o relato do historiador brasileiro Luiz Alberto Moniz Bandeira, e publicado de forma a traçar o perfil dos invasores mercenários, o mesmo mostrou que estes recebiam um pagamento de US$ 175 por mês, além de um adicional de US$ 25 por filho. Entre eles havia 100 latifundiários, 24 grandes proprietários, 67 donos de casas e apartamentos, 112 comerciantes, 35 magnatas industriais, 195 ex-militares de alta patente do governo de Batista e alguns outros sem perfil definido, Todos tentavam lutar para recuperar 914.859 acres de terras, 9.666 casas, 70 fábricas, 5 Minas, 2 Bancos e 10 Engenhos de açúcar. Tais dados demonstram o caráter de classe da composição dos “expedicionários”, francamente em confronto com a situação da imensa maioria do povo cubano, trabalhadores pobres das cidades e “guajiros” do campo. As amplas reformas iniciadas para atender os apelos dos setores mais pobres da sociedade, em apenas dois anos de governo, deram ao governo de Castro o apoio necessário para a luta contrarevolucionária financiada pela CIA. Dos 1.189 invasores restantes, em conjunto com o alto comando da Brigada Expedicionária 2506, se renderam em massa às tropas de Fidel Castro. O comandante Che Guevara, nessa oportunidade, arrematou com seu famoso sarcasmo, que aquele fora “o único exército do mundo que se rendera sem experimentar qualquer baixa”.
Victor Alberto Danich
Sociólogo

A TEORIA DO PAPEL

O ser humano vive de forma coletiva no meio de uma construção cultural que se chama sociedade. Entretanto, poucos percebem que esta se manifesta como um fato objetivo. Ela existe, e sua existência desempenha uma função externa a nós. O que isso significa? Qual é a razão de sentir-nos cercados na nossa vida por todos os lados? De que forma nos situamos na sociedade? Existe um mecanismo insuspeito de controle social que nos diz como devemos modelar nosso comportamento?
Partindo da certeza de que estamos na sociedade, nossa localização depende da pré-definição de tudo aquilo que fazemos, desde a linguagem até a forma de comportar-nos, desde nossas convicções religiosas até a probabilidade de cometer um ato de natureza anti-social. Nesse contexto, os próprios desejos nunca são levados em conta na questão da localização social. Tanto é, que tudo aquilo que a sociedade aprova ou proíbe, deve ser acatado como correto e sem questionamentos, reprimindo assim o exercício da nossa resistência intelectual a qualquer tipo de posicionamento aceito majoritariamente. Essa é a razão porque a sociedade, como fato objetivo e externo se manifesta na forma de coerção, de modo que suas instituições possam moldar nosso comportamento, e até mesmo as expectativas que tivermos em relação a qualquer iniciativa de mudança social. As sanções da sociedade são capazes de isolar-nos uns dos outros, ridicularizar-nos ou privar-nos do próprio sustento, ou, em última instância, quitar-nos até a própria vida.
A lei e a moralidade da sociedade podem apresentar características diversas. Cada sanção sempre estará acompanhada de uma justificativa, e a grande maioria aprovará que esta seja usada contra nós como castigo por qualquer desvio cometido. Essa é a razão mais clara da nossa localização no tempo e no espaço, de um modo historicamente predeterminado e totalmente distante de qualquer biografia individual. Nossa vida é apenas um episódio no percurso do tempo, no qual a sociedade transforma-nos em reféns de sua própria história. Tal configuração mostra-nos que, conforme os mecanismos de controle impostos pelo universo social, o indivíduo e a sociedade parecem ser duas entidades antagônicas. No entanto, ter uma visão de que os seres humanos estão sujeitos a mecanismos que os forçam à total obediência, não é uma verdade absoluta. Por que a maioria de nós sente a pressão da sociedade como uma forma de coerção medianamente suave? Qual seria a razão para que isso aconteça sem que a gente experimente qualquer sofrimento?
A resposta está situada nos mecanismos sócio-psicológicos do universo comum habitado pelos membros da sociedade. Tal organização nos conduz a um determinismo quase que congênito: sempre desejamos aquilo que a organização espera de nós. Usamos os papéis que a sociedade nos atribui. Queremos, sem querer, obedecer às regras. Por que? Porque a organização social é muito maior do que imaginamos. Esta determina não só o que realizamos, senão também o que somos. Nesse caso, a teoria do papel mostra-nos que a identidade de um indivíduo é atribuída socialmente, sustentada socialmente e modificada socialmente. Em outras palavras, estes condicionantes centrados na localização social, não apenas afeta nossa conduta, ela afeta também nosso inconsciente, transformando-o de acordo com as definições que a maioria das pessoas aceita como válidas. Um papel social pode ser definido como uma resposta modelada a uma expectativa tipificada, na qual a sociedade pré-definiu conforme essa dimensão. Usando o teatro como alegoria, pode-se dizer que a sociedade proporciona o roteiro exato para todos os personagens. Os atores apenas têm que assumir os papéis que lhes foram atribuídos antes de ser levantado o telão. Enquanto estes desempenharem seus papéis corretamente, tal qual indica o roteiro, a representação do drama social funcionará conforme o planejado. O papel, portanto, oferece ao indivíduo o padrão de comportamento que dá funcionalidade a sua identidade social. Gostemos ou não, seu sortilégio nos acompanhará até o final das nossas vidas.
Victor Alberto Danich
Sociólogo