quarta-feira, 27 de julho de 2011

CORRUPÇÃO & DESENVOLVIMENTO

O tema da corrupção tomou conta dos principais manchetes e artigos publicados na mídia nacional – fato de grave importância, por sinal – mas que não deve deixar de lado outros acontecimentos que também afetam o cotidiano da população brasileira. Não existe qualquer justificativa para atenuar o comportamento corrupto na política nacional, porém é necessário vincular tal atitude a todo um processo histórico que compromete sucessivos governos anteriores. Só basta lembrar o processo de privatizações escandalosas que permitiram canibalizar grande parte do nosso patrimônio nacional, se for usado o tema como critério de discussão. O articulista Marco Aurélio Weissheimer, de Carta Maior, foi muito claro ao dizer que na falta de alternativas, opta-se por abraçar a bandeira da corrupção, esquecendo-se do compromisso de divulgar outras, de modo que a população possua opções de avaliação para entender a realidade social e econômica do país. Vamos citar alguns fatos recentes que estão mudando a cara do Brasil, em contraste com um mundo derrotado por um modelo inspirado em “picaretas de carteirinha”, artífices do “dreno de bilhões de dólares da economia real”, que penalizaram aqueles que vivem apenas da renda de seu trabalho.
No entanto, apesar da crise do capitalismo globalizado, o Brasil teve em junho a menor taxa de desemprego desde o início da série histórica da pesquisa, em 2002, que corresponde a um índice de 6,2%, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE. De acordo com o relatório, o número de pessoas com carteira assinada no setor privado foi 10,8 milhões nesse mês. Comparado com o período do ano passado, tal aumento redunda na criação de 634 mil postos de trabalho formal. A menor curva de desemprego está relacionada ao aumento de consumo e da evolução do rendimento, que mostra um ganho real no poder de compra de pessoas com carteira assinada. Não existe mágica nisso, apenas uma melhor organização da economia, poucas vezes observada na história recente do nosso país.
Por outro lado, tal situação se reflete na queda da desigualdade social de forma consecutiva, em relação à metade da população de miseráveis que existiam há oito anos, ou seja, 28 milhões de pessoas – que correspondem em índices a 15,32% dos brasileiros – sendo que tal resultado é consequência de investimentos diretos em educação e em programas sociais.
Falando dos programas sociais, o Bolsa Família, uns dos pilares da luta contra a desigualdade, está sendo estudado pelo governo Chinês com o objetivo de melhorar as condições da população daquele país, tornando-se desse modo, um dos nossos melhores produtos de exportação social. Deve-se também citar o microcrédito, que é um segmento de negócios no qual o Brasil lidera na América Latina. O Banco do Nordeste do Brasil – BNB, mediante o programa Crediamigo, fomenta a inclusão da população carente no processo produtivo da economia, incluindo-os no consumo social. Esta iniciativa, é bom ressaltar, é considerada pela revista “Microfinanzas Américas”, publicada pelo BID, o melhor programa de micro-finanças da América Latina. Orgulho para o Brasil no seu esforço rumo ao desenvolvimento.
Victor Alberto Danich
Sociólogo

O PODER DA MÍDIA PARTIDÁRIA

Na medida em que a política perde seu conteúdo ideológico, os políticos vão se apropriando desta como plataforma para seus interesses particulares. Tanto é assim, que resulta natural que a prática política se transforme e dependa da exposição mediática para a construção do prestigio eleitoral. Os meios de comunicação de massa, sobretudo a televisão, ocupam um lugar privilegiado para denunciar e produzir uma suposta agenda para o debate na sociedade, escondendo no ritual mediático a comercialização da política, na qual a promessa partidária torna-se a matéria prima da democracia formal.
A política, esvaziada de conteúdo, resume-se a uma luta por cargos e benefícios particulares, onde a disputa dos interesses sociais concretos se dilui num marco institucional corrompido, que sempre coloca fora da discussão os interesses hegemônicos disfarçados pelo discurso progressista. É assim como as posições políticas expressadas pelos respectivos partidos que se submetem ao jogo proposto pela democracia formal, evitam basear-se no confronto de ideias em relação a uma leitura da realidade, muito menos com argumentos que defendam os interesses sociais que representam. Uma das consequências fundamentais do esvaziamento da política é o distanciamento do homem comum desta prática. Sua apatia e indiferença com os processos eleitorais, em que tais democracias condicionadas pelo poder mediático se expressam, terminam provocando o pior que pode acontecer no corpo da sociedade, a separação perigosa entre o sistema político e o coletivo social.
Quando o interesse da população diminui em relação ao mundo da política – aprofundando a desconfiança nos representantes e limitando a filiação aos próprios partidos – os políticos precisam mais do que nunca da influência das forças mediáticas para ganhar e reter o apoio do eleitorado. Uma matéria favorável ou uma aparição na televisão, por exemplo, equivale a uma comunicação gratuita com milhares de indivíduos impactados através da mídia, que tem como resultado um efeito de convencimento maior do que a propaganda paga. Produze-se assim um ciclo realimentado entre a exclusão política e o poder crescente dos grupos mais poderosos da sociedade, que tem na classe política seus principais cúmplices.
A questão democrática sempre foi historicamente um fato central em relação à expressão dos interesses populares. Em outras palavras, as liberdades eleitorais sempre foram, durante décadas, um risco ao continuísmo dos interesses dominantes. Nessa configuração é que devemos encontrar a resposta ao fenômeno das sucessivas ditaduras militares no continente latinoamericano. A contradição entre a democracia formal – que é a outra cara complementar do mercado – e a democracia real, de conteúdo, na qual a política não é alheia ao que sucede ao conjunto do povo, torna-se imprescindível ser entendida politicamente. Estas duas formas distintas de conceber a democracia existem, mas não são idênticas. A formal tem como condicionante o enraizamento da exclusão política. A real, por outro lado, é a que viabiliza a liberdade das maiorias de escolher um governo verdadeiramente popular e democrático.
Victor Alberto Danich
Sociólogo

A VOLTA DO ESTADO BENFEITOR

Durante muito tempo o povo brasileiro se alimentou de frases feitas para sentenciar qualquer tipo de evento vinculado ao comportamento humano. Os mais intelectualizados citam filósofos gregos para discutir os caminhos da ética e seus limites. Outros, sem esconder o fascínio que lhes produz o império americano, recorrem aos provérbios e citações carregados de clichês de seus sucessivos presidentes, desde Abraham Lincoln até aqueles que permearam durante décadas o imaginário coletivo latinoamericano, sedimentados em grupos com profundo complexo de “vira latas”, incapazes de sentir orgulho de seus heróis nativos.
Não vou negar minha antipatia pelo imperialismo cultural, porém, vou aproveitar este enlace para relembrar parte do discurso de posse do falecido presidente norteamericano Ronald Reagan em 1981: “Na atual crise, o Estado não é a solução para nosso problema; o Estado é o problema”. A partir dessa conceituação, tal senhor assentou as bases de um modelo econômico mundial que, perante seu fracasso incontestável, encaminhou-se na direção de seu próprio suicídio. O capitalismo revisitado tal vez seja a única opção de sobrevivência. A falsidade da frase presidencial encontra-se exatamente no seu contrário: “O Estado não é o problema, o Estado é a solução”.
Como iniciativa de socialização política, o liberalismo volta a colapsar historicamente, no sentido de ser oficializado como modelo organizador da sociedade, principalmente por sua incapacidade de gerenciar o mercado. Nisso consiste a atual crise do capitalismo, marcado pelo fracasso de sua proposta civilizatória, pela fraqueza de seus princípios e pela contradição de suas instituições. O caso norteamericano é um exemplo do esgotamento dos incentivos financeiros injetados nos países ricos de forma a atenuar a crise, da qual o próprio mercado desregulado é o culpável. Em 2009, o governo federal dos Estados Unidos teve um déficit fiscal de 1,5 trilhões de dólares, sendo que a Reserva Federal teve que gastar 1,5 trilhões de dólares para comprar dívidas de hipotecas, de modo a evitar o colapso do mercado. Tais políticas de estímulo para salvar o mundo capitalista de bancarrota estão cercadas por sua própria ineficiência. A explosão da dívida pública grega, não só afeta os países devedores mais vulneráveis, mas também os seus principais credores, principalmente na acumulação de ativos de crédito-lixo. Desse modo, o Estado termina comprometendo sua generosidade através das únicas opções possíveis, cortes de gastos, reduções salariais, aumentos nas taxas de juros, contração produtiva e estagnação econômica, atendendo assim as exigências dos credores globais. O pretenso modelo autorregulatorio neoliberal se desmorona na sua própria construção ideológica. Não estamos falando da volta ao século passado, quando as crises eram resolvidas de forma autoritária através da intervenção e regulação por parte do Estado todo-poderoso. No entanto, como alternativa, pode-se recorrer a medidas políticas adotadas por alguns governos latinoamericanos, que conseguiram ultrapassar a crise e criar novos horizontes econômicos para um futuro sustentável.
Victor Alberto Danich
Sociólogo

O VIGOR CRIATIVO DE AMÉRICA LATINA

Em 09/05/2007 a revista Veja, com sua soberba característica, publicou um artigo intitulado “O retorno do idiota”, escrito por Álvaro Vargas Llosa, diretor do “Centro para a Prosperidade Global”, no qual fazia uma análise das políticas adotadas por alguns países da região, que explicitamente se confrontavam com as ideias da onda neoliberal vigente na época. Tal artigo tinha como objetivo ridicularizar as iniciativas econômicas dos governantes locais, dedicados, segundo o texto, a criar empecilhos com “métodos ineficazes adotados pelas novas gerações de revolucionários”, que surgiram com promessas populistas para sabotar um projeto assentado na prosperidade e oportunidade para todos. Vargas Llosa finaliza sua análise fajuta criminalizando tais iniciativas, explicando que tal comportamento era resultado do “ego fraco dos nossos povos” “profundamente ressentidos” por não ter acesso à mobilidade social. A realidade recente desmente categoricamente tal argumento, para sorte desta América Latina sofrida e humilhada durante tanto tempo.
O articulista citado reside nos Estados Unidos, e seguramente deve-se sentir incomodado com os cerca de 14 milhões de norte-americanos desempregados, cifra que eleva para 9,1% o total de trabalhadores naquela situação no país, resultado da fraca criação de postos de trabalho por parte do setor privado. No setor público, ao mesmo tempo, foram despedidos desde 2008 cerca de 446 mil funcionários, sobretudo na Educação, além de outros 28 mil trabalhadores estatais e municipais exonerados nestes últimos meses. Junta-se ao desemprego generalizado, o flagelo das pobreza extrema, que atingiu seu auge na cidade de Nova York, que já conta com 1,4 milhões de famintos – dos quais 40% são crianças – conforme revela a Coligação Contra a Fome daquela cidade. Vale ressaltar que o índice de pobreza entre os nova-iorquinos cresceu 14,2 e 15,8% em 2008 e 2009 respectivamente. Imagino em que situação psicológica encontra-se o ego destes indivíduos, sempre confiantes na retórica neoliberal.
Por outro lado, no momento em que escrevo, as frentes de trabalho se espalham por todos os países latinoamericanos. A Organização Internacional do Trabalho – OIT, e a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe - CEPAL, indicam uma forte recuperação econômica da nossa região. Tal constatação pode ser verificada na significativa queda na taxa de desemprego urbano, situada nos 7,3%, o que a transformou no índice mais baixo dos últimos 20 anos. A “nova geração de revolucionários” – epíteto burlesco usado por Vargas Llosa – delinearam vigorosas políticas anticíclicas que permitiram enfrentar a crise financeira internacional de 2008/2009, e que foram decisivas para a redução da vulnerabilidade e a posterior recuperação econômica. Tal iniciativa teve reflexos positivos na oferta de empregos e aumento da renda, concretizando-se num aumento médio de 6% no Brasil, Uruguai, Chile e Nicarágua, e a um nível entre 3% e 5% na Costa Rica, no México, Panamá e Peru. O presidente Obama deveria enviar seus economistas a fazerem um curso intensivo nas melhores universidades de América Latina. Quem sabe assim aprendem.
Victor Alberto Danich
Sociólogo

O LADO ESCURO DA ECONOMIA LIBERAL

Lembro-me do famoso guru da empresa de consultoria McKinsey, Kenichi Ohmae, quando afirmou, nos finais dos anos 90 que “Os estados-nações converteram-se em unidades de operações artificiais, inviáveis mesmo em uma economia mundial”, ao tempo em que num ufanismo quase religioso sentenciava e enviava para a lixeira da história as identidades nacionais, sepultadas por uma nova era utilitarista e sem ideologias. Nessa oportunidade, o próprio Peter Drucker diria no seu livro “A Sociedade Pós-Capitalista”, que a obsolescência do estado significava um novo mundo sem crenças coletivas e baseado na economia global de mercado.
No entanto, a civilização entrou no terceiro milênio descobrindo que o processo neoliberal tanto alardeado, não passara de um despotismo estrutural que reproduz a tradição ideológica do liberalismo econômico do século 19, que sempre tentou impor as forças irresistíveis do mercado sobre a soberania política das nações. A prova reside na onda de corrupção que atingiram os estados a partir da década de 90, que coincide com a aplicação de uma estratégia neoliberal - estreito noivado entre os delinqüentes públicos e a globalização - que causaram uma violenta concentração de renda por parte de grandes grupos privados não muito longe das organizações criminosas.
A criminalidade que se aprofundou no tecido social constituiu-se numa teia de vínculos complexos entre as elites financeiras, políticos corruptos, traficantes de drogas e quadrilhas de delinqüentes internacionais. A ampla rede de parasitismo mundial numa escala jamais vista na história da humanidade é a hospedeira de seres monstruosos incapazes de qualquer ato civilizado. No leste europeu e na antiga União Soviética, a entrada desenfreada na economia de mercado provocou uma intensa decomposição cultural que propiciou a expansão da criminalidade. Por outro lado, em menos de uma década, o complexo urbano dos países latinoamericanos passou a ser um território ocupado por criminosos tão devastadores como as antigas ditaduras militares, onde grandes contingentes da população mais carente transformaram o crime num modo de sobrevivência, enquanto os grupos mais poderosos usavam as artimanhas do roubo institucionalizado na mais gritante impunidade.
Segundo um relatório da ONU de 2009, as atividades criminosas das redes mafiosas mundiais produziram uma renda anual de um trilhão de dólares, produto de narcotráfico, tráfico de armas, prostituição, jogo clandestino e contrabando em escala infinita. No entanto, se somarmos a esta assustadora estatística os próprios negócios legais que servem para realizar lavagem de dinheiro ilícito, chega-se a valores em torno de quatro trilhões de dólares, o que significa aproximadamente 13% do Produto Mundial Bruto.
Enquanto milhões de seres humanos continuam esperando pelas promessas da “emancipação social” de Peter Drucker ou de Francis Fukuyama, um novo panorama começa a se esboçar na sombra autoritária do sistema financeiro global, que é a descoberta de seu viés criminoso, e que precisa ser combatido de forma honesta pelas novas gerações de políticos comprometidos com a justiça social.
Victor Alberto Danich
Sociólogo