quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

O FIM DE UMA ERA TRÁGICA

O presidente eleito dos EUA, Barack Obama propõe um enorme pacote de gastos e redução de impostos, de modo a estimular a economia de seu país. Por outro lado, a oposição republicana teme que tal iniciativa abra caminho para uma nova era de gastos públicos descontrolados. Tal discurso resulta irônico para um governo que transformou a liberdade irrestrita do mercado, apesar dos riscos, numa fórmula única. A reunião do grupo dos 20, que aconteceu em novembro de 2008, e reuniu os países industrializados com os emergentes que procuram um lugar ao sol, nem sequer cogitou na agenda de reunião, por parte do governo Bush, a alternativa da aplicação de políticas públicas utilizando a máquina do Estado.
Só a pressão de Obama parece ter influenciado para que o resgate passe parcialmente pelos setores de classe média que ficaram prisioneiros do descomunal desastre. O sucessor de Bush, que assumirá a presidência alavancada pela crise, evidenciada pela impotência dos altos setores conservadores para deter-lo, força uma mudança de rumo que seguramente abandonará o caminho que converteu os Estados Unidos na vitrine de uma tragicomédia econômica.
Jorge Walker Bush deixa a presidência com uma descomunal dívida interna e um déficit fiscal de mais de dez bilhões de dólares. Segundo os dados do Escritório de Censo de População, durante a gestão do governo republicano, o número de norte-americanos que vivem na pobreza, cresceu 28% entre 2000 e 2006. O informe do Ministério de Agricultura sobre a segurança alimentar, registra que mais de 35 milhões de pessoas sobre o total da população que habita os Estados Unidos (300 milhões) sofrem fome crônica. Desse total, 12,6 milhões são crianças, ou seja, 20% da população infantil norte-americana. Segundo os dados da Central Obreira AFL-CIO, os ingressos reais de um trabalhador foram mais baixos em 2005 do que em 1973. Os salários reais cresceram 9% desde 1979, enquanto a produtividade durante esse período cresceu 67%. Desse modo, em 2006 existiam cinco milhões de pobres a mais do que em 2000, início do governo Bush. Tal cifra inclui um milhão de crianças.
O panorama atual, na véspera de sua saída, mostra que o ingresso nacional concentrado nos 20% mais ricos, chegou a 50,4%, a maior acumulação registrada desde 1967. Por outro lado, o 20% mais pobre divide o 3,4% dos ingressos. Difícil de acreditar no país do Mickey?
O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD verificou que o dinheiro empregado na invasão do Afeganistão e Iraque seria suficiente para acabar duas vezes com a fome no mundo. Nem sequer o Tio Patinhas seria capaz de orquestrar tamanha tragédia humana apenas para ganhar dinheiro.
Victor Alberto Danich - Sociólogo

VIDAS E DESTINOS OPOSTOS

Na década de 80, vários militares bêbados golpearam um plantador de coca, que morava no altiplano boliviano, e que não aceitava ser chamado de narcotraficante. Açoitado salvagemente, foi queimado vivo em meio aos gritos de terror. Evo Morales, muito jovem, olhava a cena sem entender. Tinha nascido em Orinoca, no departamento de Oruro, onde o frio penetra a pele como agulhas, e onde as pessoas caminham curvadas, como se quisessem passar despercebidas. De família extremadamente pobre, na qual quatro dos sete irmãos morreram antes de nascer, e vivendo numa casa de barro que gelava durante a noite e calcinava os ossos durante o dia, apenas se pensava em sobreviver. A comida escassa se limitava a macarrão fritado e chá para beber. Quando estava com fome, Evo se aproximava da estrada e comia as cascas de banana e laranja que os passageiros lançavam pelas janelas dos ônibus que atravessavam o altiplano. Nos anos setenta, Morales atravessou a fronteira de Argentina para trabalhar nas safras de açúcar, aproveitando para se inscrever na escola local. Quando voltou para Oruro, completou o segundo grau com a ajuda de diferentes trabalhos, de pedreiro a padeiro e trompetista da Banda Rela Imperial. Finalmente, quando depois de vários anos chegou ao “Chapare”, era um homem “feito e direito”, que tinha sobrevivido às secas e a fome. Sua mistura de calma, segurança e arrogância o transformaram no baluarte e a esperança dos pobres e esquecidos. No outro extremo, naquele norte onde os mexicanos dizem que está “tão longe de Deus e tão perto deles”, os olhos de Jorge Walker Bush parecem balançar entre a indiferença e o assombro, perante um mundo demasiado grande para ele. Sua história de farras e alcoolismo, de drogas e mulheres, foi aliviada com a fachada de um perfil de religioso ultraconservador. Seu sonho sempre foi ser dono de uma equipe de Beisebol e não político, mas ganhou dinheiro na participação em inúmeras transações comerciais, favorecidas pela proximidade com o poder, nas mãos de sua própria família, que traçou seu destino. Sua história pessoal se confunde com suas atitudes presidenciais. Em oito anos seqüestrou seu país e o mundo. Arrasou as liberdades individuais, apoiou a tortura como método, encarcerou supostos terroristas sem amparo legal, e suas principais medidas foram baseadas em mentiras. A confusa batalha contra o terrorismo deixou um mundo mais perigoso e assustado. Foram inventadas guerras sem sentido com um saldo de mortos intolerável. O antiamericanismo se estende perigosamente pelo planeta. Vale a pena comparar o roteiro de vida de ambos personagens. Um deles representa o mal-estar dos excluídos, o outro atualiza uma tragédia histórica, que precisará de várias gerações para ser recomposta.
Victor Alberto Danich - Sociólogo