quarta-feira, 6 de maio de 2009

O DIÁLOGO DE GALILEU

Como você se sentiria se fizesse uma descoberta abrumadora e ninguém acreditasse? E se estivesse sujeito a ser excomungado por causa de sua certeza? Nesse caso, seria capaz de sustentar a veracidade de suas experiências perante aqueles que pautavam suas crenças em função de dogmas explícitos? O conflito entre ciência e religião no contexto histórico da primeira metade do século XVII, no qual se desenvolveu a batalha entre Galileu e a Igreja católica, que acabou na condenação do mesmo pelo Santo Ofício em 1633, não foi apenas produto da negação do modelo geocêntrico do cosmo, senão de questões ideológicas envolvendo a teologia cristã, cruciais para a sobrevivência da supremacia medieval da Igreja, fundamentada principalmente numa visão aristotélica do mundo.
O concílio de Trento (1545-1563) se encarregou de não permitir qualquer interpretação da Bíblia diferente da oficial, o que provocou entre outras tantas, a execução na fogueira do filósofo Giordano Bruno, por suas dúvidas com referência a interpretações teológicas da substancialidade da alma humana e seu apoio as idéias de Copérnico.
No entanto, os diabólicos verdugos da Santa Inquisição podiam fazer uso de juízos de valores pessoais na interpretação da passagem do Livro de Josué: “...porque se fosse permitido aos espíritos malignos alterar a influência dos corpos celestes sobre o universo, a ordem geral e o bem comum sofreriam sério prejuízo. Pelo que as alterações astrais encontradas no antigo e no Novo Testamento foram causadas por Deus, por exemplo, quando o sol ficou parado para Josué, o foi encoberto, de forma sobrenatural, na Paixão de Cristo. Mas, em todos os demais fenômenos, os demônios são capazes de interferir, com a permissão de Deus, seja por conta própria, seja por intermédio de bruxas....”.
É justamente nesse contexto histórico-cultural que Galileu lançou-se na sua batalha contra o modelo ptolomaico do Universo. Motivado por uma grande ambição pessoal, convicto do apoio de seu grande admirador, o papa Urbano VIII, publica em 1632 as primeiras cópias do “Diálogo”, iniciando assim um desafio aberto contra a hegemonia da Igreja, num momento de pleno poder da inquisição religiosa, que terminou no famoso episódio de sua sentença. O “Diálogo” foi proibido, e Galileu, num ato de perversa humilhação, foi obrigado a abjurar as idéias de Copérnico (que a Terra gira em torno do Sol), sendo condenado a prisão domiciliar no resto de sua vida, repetindo diariamente durante três anos sete salmos penitenciais, recitados por sua filha Maria Celeste, freira carmelita. Apenas em 1992, 360 anos depois, e a 23 de o homem pisar na lua, numa lenta peregrinação escolástica, o papa João Paulo II revoga oficialmente a condenação de Galileu pela Igreja.
Victor Alberto Danich - Sociólogo

OS BASTIDORES DA ECONOMIA DE MERCADO

Quando Friedrich Hayek, um dos ideólogos do liberalismo econômico da Escola de Chicago, visitou o Chile em 1981, ficou maravilhado com a política neoliberal implantada por Augusto Pinochet naquele país. Ao regressar à terra de Ronald Reagan, imediatamente sentou-se a escrever uma carta para sua amiga Margareth Thatcher, primeira ministra da Inglaterra. Nela sugeria que deveria usar como modelo a ditadura chilena para transformar a economia de bem-estar britânica. Devemos lembrar que Thatcher e Pinochet mantiveram durante muito tempo uma sólida amizade, principalmente quando este se encontrava sob arresto domiciliar na Inglaterra, acusado de genocídio, tortura e terrorismo de estado.
A “dama de ferro” estava profundamente convencida com o “êxito fantástico da economia chilena” acrescentando publicamente que: “tal política era um impactante exemplo de reforma econômica da qual poder-se-ia tirar bons exemplos”. Como de costume, nos bastidores da política as coisas são bem diferentes. Apesar da admiração que a Thatcher tinha por Pinochet, quando Hayek sugeriu que fosse aplicada a mesma metodologia de política econômica imposta no Chile, a ministra teve que dar uma freada a tais pretensões. Em fevereiro de 1982, a Thatcher respondeu sem rodeios ao seu interlocutor monetarista numa carta privada: “Tenho certeza que o senhor entenderá que, na Inglaterra, de acordo com nossas instituições democráticas, além da necessidade de um alto nível de consenso, algumas das medidas adotadas no Chile são totalmente inaceitáveis. Nossas reformas devem ser adotadas conforme as tradições e a Constituição do nosso país”
A conclusão da primeira ministra era que, numa democracia como o Reino Unido, seria impossível executar uma política econômica ao estilo da preconizada pela Escola de Chicago. Para Hayek e seu comparsa Milton Friedman, aquele balde de água fria foi uma decepção. As políticas econômicas desenvolvidas e apoiadas pelas ditaduras militares no Cone Sul, tiveram como resultado ganâncias exuberantes para alguns pequenos grupos, dando oportunidade para a abertura de novas “fronteiras a serem manufaturadas” pelas empresas transnacionais, na procura incessante de transferir os ativos e recursos públicos para mãos privadas.
Numa coisa o economista Milton Friedman acertou de cheio, sem perceber quão proféticas seriam suas palavras: “Só uma crise – real ou percebida como tal – produz uma verdadeira mudança. Quando ocorrem estas crises, as ações que se empreendem dependem das ideias existentes naquele momento” E parece ser verdade mesmo, o modelo neoliberal de livre mercado está sendo remodelado através de uma nova configuração mundial, baseado, talvez, no restabelecimento de alternativas econômicas democráticas e solidárias.
Prof. Victor Alberto Danich
Sociólogo

O DIA EM QUE A TERRA PAROU

Nestes dias assisti à refilmagem do clássico de ficção científica “O dia em que a Terra Parou”, e voltei minhas lembranças aquela produção que chegou aos cinemas na década de 50. Eram os primeiros anos de pós-guerra, e o mundo estava consternado frente ao temor de uma contenda nuclear entre duas potências mundiais que polarizavam as consciências em ideologias rivais. A chamada “Guerra Fria” entre os Estados Unidos e a União Soviética, que reproduzia a toda hora o perigo latente da devastação total, era, no fundo, um sinal claro do processo que a humanidade sofre na sua luta entre o Eros e o instinto da morte. Naquela época, como agora, o desejo inconsciente do homem em duelar com seus semelhantes continua a mesma, e, ao mesmo tempo, sem muita hesitação, investe num franco apelo pacifista para dissimular sua agressividade. Os anos cinqüenta eram uma mistura de triunfalismo e tragédias. O interesse pelo desconhecido, pelo ataques extraterrestres e pelo temor de serem abduzidos por raças alienígenas, levou aos grandes estúdios de cinema a fazerem filmes de ficção científica, de modo a sublimar e direcionar o pânico dos espectadores para mundos longe da terra.
Nessa história de cinemateca, o filme trata sobre um alienígena que, acompanhado de um robô gigante, viaja milhões de anos luz para encontrar-se com os líderes mundiais, de modo a alertá-los sobre as conseqüências do mau comportamento dos terráqueos. É claro, que a nave espacial com forma de esfera transportando o vingador estelar, desce no Central Park de Nova Iorque. As outras, de menor importância, de modo a hierarquizar competências, se espalham no resto do mundo. Como todo cinéfilo deveria esperar, nosso amigo espacial é recebido a tiros. O Robô decide defender o chefe, e a guerra está declarada.
Na verdade, a analogia entre o processo civilizatório e o caminho do desenvolvimento individual é indicada através do superego modelado pela comunidade. Sempre há, no final de todo questionamento ético, a existência de um indivíduo notável, identificado através de uma esmagadora força de espírito, no qual seu impulso humano (nosso viajante é igualzinho a nós) encontra sua expressão mais pura na ação unilateral. Em todos os casos, a analogia vai mais além, no fato de que, quase sempre, tal figura é escarnecida e maltratada pelos outros e, até mesmo, liquidada de maneira cruel. Nosso amigo volta para seu planeta, apesar de tudo, convencido que os maldosos terráqueos merecem mais uma chance de sobreviverem. Desse modo, o superego cultural desenvolve seus ideais e estabelece suas exigências. Sempre, em toda circunstância ética, só um ser supranatural é capaz de colocar em ordem a natureza desregrada do ser humano, seja através da religião o de qualquer civilização do outro lado do universo.
Victor Alberto Danich - Sociólogo