quinta-feira, 26 de agosto de 2010

A GEOGRAFIA DA FOME

Recentemente, a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO) divulgou um relatório que indica a existência de 52 milhões de pessoas subnutridas, das quais, 7% das crianças menores de cinco anos sofrem de desnutrição crônica na América Latina e no Caribe. Por outro lado, o Brasil é um dos quatro países citados pela ONU como destaque na diminuição da fome. O relatório “caminhos para o Sucesso” aponta o progresso feito por 16 dos 79 países monitorados pela FAO, no qual o Brasil, a Armênia, Nigéria e o Vietnã são citados como exemplo de países que conseguirão realizar a meta de redução da fome em 50% até 2015. Segundo o relatório, tal sucesso é resultado da criação de um ambiente centrado na promoção do crescimento econômico e o bem-estar social, que permita realizar investimentos nos setores mais vulneráveis da sociedade, de modo a planejar um futuro sustentável. O programa Fome Zero é citado como um exemplo dessa iniciativa, destacando que em 1991 o Brasil tinha 15,8 milhões de pessoas subnutridas, 10% da população. Em 2007 o número caiu para 12 milhões, o equivalente a 6%. A FAO também afirma que o país teve a redução “mais impressionante” das taxas de crianças subnutridas entre os países em desenvolvimento, especialmente no Nordeste que, em apenas três anos, tirou seis milhões de famílias (cerca de 20 milhões de pessoas) da pobreza extrema com programas especiais de segurança alimentar, no sentido de mitigar a fome numa região que tem uns dos índices de natalidade mais altos do mundo. Qual é a explicação para esses índices tão elevados?
Vale à pena detalhar porque ocorre esse tipo de fenômeno. O livro “A geografia da fome” do médico brasileiro Josué de Castro (1908-1973), cita que os altos coeficientes de natalidade são resultado de um princípio da biologia – a “teleonomia” – que é a propriedade que têm todos os organismos vivos de desempenharem as suas funções num ritmo e dinâmica que favoreçam ao máximo a sobrevivência do indivíduo e, sobretudo, da espécie. Sempre que uma espécie está ameaçada de morte, aumenta sua capacidade reprodutiva a fim de neutralizar o risco de exterminação. Os altos índices de natalidade dos países muito pobres obedecem à mesma lei biológica: representam o esforço natural dos seres humanos para sobreviverem em áreas em que a mortalidade é extremadamente alta. Só dispondo de um excesso de pessoas – a maior parte para morrer e não para viver – estes grupos poderiam perdurar através do chamado ciclo antieconômico da sua evolução populacional. A natureza do mecanismo biossocial que correlaciona em sentido inverso os baixos níveis de vida com altos coeficientes de natalidade, está ligado ao nível deficiente de alimentação, principalmente a fome específica de proteínas de alto valor biológico, fome que determina uma fertilidade potencial mais elevada na mulher, com capacidade de reprodução mais intensa. A situação das economias mais desenvolvidas ocorre no sentido inverso, no qual suas estruturas econômicas especiais que favorecem um abastecimento alimentar adequado, faz com que baixem os coeficientes de mortalidade. Esse fenômeno pode ser observado nos países desenvolvidos, nos quais o agir “teleonomicamente” também provocam uma baixa nos índices de natalidade, como é o caso dos países de alto nível de desenvolvimento econômico. Nesse caso, a fome é resultado do progresso econômico defeituoso, que agrava e torna esse flagelo o principal motivo para a miséria: “a baixa produtividade por falta de energia criadora e do consumo ínfimo por falta de produtividade que venha criar uma razoável capacidade aquisitiva”. Este fosso econômico entre ricos e pobres, divide a humanidade em dois grupos que, segundo Josué de Castro é: “o grupo dos que não comem, constituído por dois terços da humanidade, e que habitam as áreas subdesenvolvidas do mundo, e o grupo dos que não dormem, que é o terço restante dos países ricos, e que não dormem, com receio da revolta dos que não comem”.
Victor Alberto Danich
Sociólogo