sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

O DISCURSO DOS COLONIZADOS

O livro “Guia politicamente Incorreto da América Latina”, dos jornalistas Leandro Narloch e Duda Teixeira, que cativou muitos leitores por sua linguagem irônica e depreciativa, não passa de uma visão estereotipada e fragmentada da história dos povos latinoamericanos e suas lutas pela descolonização. Nesse amontoado de informações, os autores assumem sem pudor sua repulsa pela cultura do continente desde México a Terra do Fogo, desmerecendo ao longo do texto a construção da identidade social dos nossos povos, não somente desvalorizando-a, senão tentando aniquilá-la por meio da alienação dos discursos típicos das elites colonizadas. O flagrante dessa distorção, manufaturada a duas mãos por meio de juízos de valor, torna-se clara no conteúdo ideológico das citações nas páginas destacadas em preto, que reforça o maniqueísmo que os próprios autores pretendem combater. Para isso destacam uma extensa bibliografia com publicações de pesquisadores progressistas, de modo a criar uma ideia de neutralidade e academicismo. A parcialidade textual desmente tal arranjo bizarro.
Na verdade, o livro não passa de uma crônica feita para vender. Como todo texto moldado nesses padrões literários, seu conteúdo subliminar está direcionado a criminalizar o chamado “falso herói latino-americano”. Torna-se claro que toda a parafernália historiográfica está destinada a atingir indistintamente o Che Guevara, os povos pré-colombianos, Bolívar, os Haitianos, Perón e Evita, Pancho Villa e Salvador Allende, através da exaltação da problemática dos países e os erros humanos dos seus condutores como autoflagelo e atraso do nosso continente rumo ao desenvolvimento.
A soberba do desconhecimento depara-se com o simplismo que o livro retrata ao dizer que América Latina “tornou-se uma ideia vazia quanto abrangente”, surrupiando dos leitores o legado atual dos ícones culturais criados ao longo do tempo, resultado das próprias “veias abertas” da exploração e a desonra. Perante a crise atual do capitalismo, o livro citado tornou-se velho. As novas políticas públicas de inserção social dos nossos governos resgatam as melhores virtudes do populismo clássico, para desconforto e horror destes senhores.
Na verdade, tanto o cronista Leandro Narloch quanto Duda Teixeira (além de seu parceiro Diogo Schelp) são filhos pródigos da revista Veja, que se notabiliza por ser um veículo de desinformação. Ostentar tal currículo para criminalizar tudo aquilo que faz parte da nossa história latinoamericana, é no mínimo suspeito. Usa-se sem restrições o modelo referencial do “pensamento único” tão próprio das novas classes gerenciais que comandam o mundo depois da implosão soviética e o fracasso do socialismo real. Eu lamento que estes senhores se reflitam nesses grupos de poder. Pior ainda, essa proximidade é resultado do intento de aceitação e aproximação com uma classe social categorizada como as dos “incluídos” globalizados. Ganhar prestígio desvendado as fraquezas humanas e descontextualizá-las do momento histórico, só pode confundir aqueles que carecem de amplitude para a leitura, recorrendo a uma única fonte de informação. Basta lembrar que o livro reedita os antigos padrões da “guerra fria” bipolar. A sua intenção mais eloquente é descaracterizar o pensamento popular, tanto quanto desprezado, mas impossível de ser eliminado do imaginário coletivo dos nossos povos.
Victor Alberto Danich
Sociólogo