terça-feira, 30 de março de 2010

O FANTASMA DO SOCIALISMO

O Presidente norte-americano Barak Obama, após um ano de intensos debates, conseguiu que fosse aprovada a reforma do sistema de saúde na Câmara dos Representantes do governo dos Estados Unidos. Esta casa legislativa é o equivalente à Câmara dos Deputados brasileira. A proposta foi aprovada por 219 votos contra 212. Ou seja, apenas por uma diferença de seis votos. Isso significa que há pessoas, no país mais rico do mundo, que não querem que uma parte de sua população tenha acesso à saúde subsidiada pelo governo. Uma nação que consome até quatro vezes o que o planeta produz em recursos, que se apropria das riquezas alheias por meio de guerras imperiais, é incapaz de olhar para mais de 45 milhões de norte-americanos que carecem de qualquer tipo de cobertura médica. Nós, brasileiros, que sempre estamos reclamando da nossa saúde, devemos agradecer de viver num país que nos oferece, apesar de suas infinitas dificuldades, um sistema público, universal e gratuito.
A lei que o herói Barack Obama deverá assinar não alcança ainda a cobertura universal da população, mas dimensiona o sistema de forma a incorporar 95 % desta. Grande parte destes cidadãos não dispõe de acesso a consultas, exames e tratamentos, que, dessa forma serão integrados na rede pública. A partir de 2014, o governo obrigará todos os adultos a ter um seguro de saúde subsidiado, ou através das apólices de grupo oferecidas pelos empregadores. As famílias que tenham rendimentos superiores ao limiar da pobreza, mas que não possuam recursos suficientes para suportar os custos dos seguros, terão acesso a subsídios governamentais. Mais ainda, as pequenas e médias empresas que cobrirem os seus funcionários serão recompensadas com créditos fiscais. Tudo isso significa um avanço extraordinário para a saúde daquele país, conquista que a maioria dos governos do mundo, é bom saber, já incorporaram no século passado através de políticas públicas. Não precisamos ir muito longe, é só olhar para Cuba.
Apesar do conteúdo histórico da lei, os setores mais conservadores criticam a reforma por tornar a assistência médica “mais burocrática e cara”, além de que o projeto aumentaria o tamanho do estado, assim como seu controle sobre o sistema de saúde. Tais manifestações tem uma longa história retórica, que raiavam na histeria de imaginar que a saúde universal levaria à implantação de práticas socialistas. Medicina socializada, o que é isso? – exclamavam os congressistas republicanos – estão atacando nossa liberdade de escolha para atender a quem quisermos. Desesperados, questionavam que o país ia rumo ao comunismo. Semelhante ato falho disfarçava o interesse de ganhar muito dinheiro “escolhendo” aqueles que pudessem pagar. Não apenas isso, os lobbies das empresas de plano de saúde fizeram oposição ferrenha ao projeto, já que as mesmas, criadas durante o governo republicano de Richard Nixon, foram dimensionadas para lucrar com a saúde humana, e não para preveni-la. Com a nova lei, tais planos se verão obrigados a restringir suas práticas abusivas, como recusar a tratar pessoas com doenças pré-existentes, entre outras. O capitalismo norteamericano funciona como o vírus da AIDS, reproduzindo-se na sua própria doença. Vou explicar por que. Enquanto onze estados norte-americanos anunciavam que entrarão com recursos judiciais para contestar a constitucionalidade da reforma, as ações do setor de saúde faziam a festa na Bolsa de Valores através de seus operadores. Nesse mesmo dia, o índice Morgan Stanley das seguradoras de saúde, registrava alta de 1,9 %, superando o mercado geral, e as grandes seguradoras WellPoint Inc. e UnitedHealth Group subiam perto de 1 %. Não se assuste prezado leitor, o sistema funciona assim, basta entende-lo. Nada melhor do que a alegoria da lenda que conta a história daquele capitalista, que, enquanto estava sendo enforcado, negociava a venda da corda com seu verdugo, até o último suspiro.
Victor Alberto Danich
Sociólogo

A SOCIOLOGIA NA UNIVERSIDADE

O que é a sociologia? A sociologia é o estudo das sociedades o dos fenômenos sociais. Esta resposta pode parecer, e com razão, vaga e tautológica. Todo intento de definir a sociologia para delimitar seu campo de atuação, apesar de sua capacidade de conciliar pontos de vista de alguns sociólogos, sempre estará sujeita as críticas ou a oposição de alguns outros. Esta dificuldade poderia desanimar o processo acadêmico, chegando a desqualificar esta disciplina aos olhos dos neófitos, delimitando-a. O importante é definir qual é sua função dentro da universidade, e, principalmente, consolidar a ideia de que a sociologia implica pluralismo de opiniões sobre ela. Qual é a explicação para tal condicionante?
A vertente acadêmica da sociologia está direcionada a uma criação contínua, na qual sua definição se dá através das sucessivas confrontações entre as tendências que a alimentam. Esse é o motivo fundamental para dar à sociologia uma determinada direção. Em princípio, é necessário que os fenômenos sociais sejam desvinculados de uma concepção a - histórica. A justificativa desta prerrogativa está assentada na premissa de que só é possível entender o presente, e talvez o futuro, se conhecemos os fatos motivadores do passado. Por outro lado, a sociologia contemporânea, devido à unificação do planeta num processo de ocidentalização, terminou incorporando a antropologia social no seu campo de atuação, deixando sua especificidade para o estudo exaustivo de unidades socioculturais determinadas. Tal modelação dá a sociologia uma nova caracterização na sociedade globalizada, que é entender e analisar o modo de produção predominante nesse contexto social, utilizando a observação crítica através do método dialético, que é revalidar a ideia de que os verdadeiros agentes da criação cultural são os grupos sociais, e não os indivíduos isolados. Tal conceito está fundamentado em que a obra cultural está relacionada homologamente com a realidade econômica e social da época em que foi produzida.
Vamos analisar tal fato por meio de uma observação prática, muito importante para os acadêmicos que cursam a disciplina de sociologia. Há um interesse muito grande por parte da população em assistir novelas veiculadas pela televisão no horário nobre. Usando tal análise a partir da economia capitalista, pode-se perceber que as estruturas do mercado entranham o fenômeno do desaparecimento do qualitativo dos objetos, para ser substituída por uma relação com os valores de troca meramente quantitativos. Tal processo envolve uma transformação da consciência dos grupos em simples reflexo passivo do mundo da economia. Esta estrutura da consciência, reflexo do econômico, é homóloga à estrutura da novela. Os atores, que, em seus comportamentos e valores, vivem o qualitativo (equivalente ao valor de uso) não podem expressar estes valores autênticos num mundo no qual se impõe a relação quantitativa (valor de troca). A novela é fruto do compromisso entre o mundo artístico e as estruturas da sociedade, num determinado momento histórico. Tal análise não está direcionada a avaliar o modo de interpretação artística (notadamente cultural) senão de examinar o método, que pode ser resumido da seguinte maneira: a novela, forma literária que permite a descrição do trivial, vivido cotidianamente, constrói um modelo de infraestrutura econômica do tipo de sociedade no qual domina a forma literária novelesca, e descobre seu homólogo estrutural.
A partir desta homologia, configura-se a existência de uma relação complexa e causal entre o econômico e o cultural, havendo uma retroação do cultural sobre o econômico, através de sua ação sobre a consciência coletiva na vida do cotidiano. O papel da sociologia na construção do pensamento acadêmico tem como finalidade fazer um estudo crítico da realidade social; em captar-la no só do ponto de vista do “modelo”, senão também sob o aspecto da prática e dinamismo da própria sociedade.
Victor Alberto Danich - Sociólogo

quarta-feira, 17 de março de 2010

OS FARISEUS E A DIGNIDADE

O que sabem os leitores dos diários brasileiros sobre Cuba? O que sabem os telespectadores brasileiros sobre Cuba? O que sabem os ouvintes de rádio brasileiros sobre Cuba? O que saberia o povo brasileiro sobre Cuba, se dependesse da mídia brasileira?
O que mais os jornalistas da imprensa mercantil adoram é concordar com seus patrões. Podem exorbitar na linguagem, para badalar os que pagam seus salários. Sabem que atacar ao PT é o que mais agrada a seus patrões, porque é quem mais os perturba e os afeta. Vale até dar espaço para qualquer mercenário publicar calúnias contra o Lula, para, depois jogá-lo de volta na lata do lixo.
No circo dessa imprensa recentemente realizado em São Paulo, os relatos dizem que os donos das empresas – Frias, Marinhos – tinham intervenções mais discretas, – ninguém duvida das suas posições de ultra-direita -, mas seus empregados se exibiam competindo sobre quem fazia a declaração mais extremista, mais retumbante, sabendo que seriam recolhidas pela mídia, mas sobretudo buscando sorrisinho no rosto dos patrões e, quem sabe, uns zerinhos a mais no contracheque no fim do mês.
Quem foi informado pela imprensa que há quase 50 anos Cuba já terminou com o analfabetismo, que mais recentemente, com a participação direta dos seus educadores, o analfabetismo foi erradicado na Venezuela, na Bolívia e no Equador? Que empresa jornalística noticiou? Quais mandaram repórteres para saber como países pobres ou menos desenvolvidos conseguiram o que mais desenvolvidos como os EUA ou mesmo o Brasil, a Argentina, o México, não conseguiram? Mandaram repórteres saber como funciona naquela ilha do Caribe, pouco desenvolvida economicamente, o sistema educacional e de saúde universal e gratuito para todos?
Se perguntarem sobre a comparação feita por Michael Moore no seu filme "Sicko" sobre os sistemas de saúde – em particular o brutalmente mercantilizado dos EUA e o público e gratuito de Cuba?Essas empresas privadas da mídia fizeram reportagens sobre a Escola Latinoamericana de Medicina que, em Cuba, já formou mais de cinco gerações de médicos de todos os países da América Latina e inclusive dos EUA, gratuitamente, na melhor medicina social do mundo? Foi despertada a curiosidade de algum jornalista, econômico, educativo ou não, sobre o fato de que Cuba, passando por grandes dificuldades econômicas – como suas empresas não deixam de noticiar – não fechou nenhuma vaga nem nas suas escolas tradicionais, nem na Escola Latinoamericana de Medicina, nem fechou nenhum leito em hospitais?Se dependesse dessas empresas, se trataria de um regime “decrépito”, governado por dois irmãos há mais de 50 anos, um verdadeiro “gulag tropical”, uma ilha transformada em prisão.
Alguém tentou explicar como é possível conviver esse tipo de sociedade igualitária com a base naval de Guantánamo? Noticiam-se regularmente as barbaridades que ocorrem lá, onde presos sob simples suspeita, são interrogados e torturados – conforme tantas testemunhas que a imprensa se nega em publicar – em condições fora de qualquer jurisdição internacional?Noticiam que, como disse Raul Castro, sim, se tortura naquela ilha, se prende, se julga e se condena da forma mais arbitrária possível, detidos em masmorras, como animais, mas isso se passa sob responsabilidade norteamericana, desse mesmo governo que protesta por uma greve de fome de uma pessoa que – apesar da ignorância de cronistas da família Frias – não é um preso, mas está livre, na sua casa?
Perguntam-se por que a maior potência imperial do mundo, derrotada por essa pequena ilha, ainda hoje tem um pedaço do seu território? Escandalizam-se, dizendo que se “passou dos limites”, quando constatam que isso se dá há mais de um século, sob os olhos complacentes da “comunidade internacional”, modelo de “civilização”, agentes do colonialismo, da escravidão, da pirataria, do imperialismo, das duas grandes guerras mundiais, do fascismo?Comparam a “indignação” atual dos jornais dos seus patrões com o que disseram ou calaram sobre Abu-Graieb? Sobre os “falsos positivos” (sabem do que se trata?) na Colômbia? Sobre a invasão e os massacres no Panamá, por tropas norteamericanas, que seqüestraram e levaram para ser julgado em Miami seu ex-aliado e então presidente eleito do país, Noriega, cujos 30 anos foram completamente desconhecidos pela imprensa? Falam do muro que os EUA construíram na fronteira com o México, onde morre todos os anos mais gente do que em todo tempo de existência do muro de Berlim?
A ocupação brutal da Palestina, o cerco que ainda segue a Gaza, é tema de seus espaços jornalísticos, ou melhor, calar para que os cada vez menos leitores telespectadores e ouvintes possam se recordar do que realmente é barbárie, mas que cometida pela “civilizada” Israel – que ademais conta com empresas que anunciam regularmente nos órgãos dessas empresas – deve ser escondida? Que protestos fizeram os empregados da empresa que emprestou seus carros para que atuassem os serviços repressivos da ditadura, disfarçados de jornalistas, para seqüestrar, torturar, fuzilar e fazer opositores desaparecerem? Disseram que isso “passou de todos os limites” ou ficaram calados, para não perder seus empregos? Mas morreu um preso em Cuba. Que horror!
Que oportunidade para bajular os seus patrões, mostrando indignação contra um país de esquerda! Que bom poder reafirmar diante deles que se foi algum dia de esquerda, foi um resfriado, pego por más convivências, em lugares que não freqüentam mais; já estão curados, vacinados, nunca mais pegarão esse vírus. (Um empregado da família Frias, casado com uma tucana, orgulha-se de ter ido a todos os Fóruns Econômicos de Davos e a nenhum Fórum Social Mundial. Ali pôde conhecer ricaços e entrevistá-los, antes que estivessem envolvidos em escândalos, quebrassem ou fossem para a prisão. Cada um tem seu gosto, mas não dá para posar como “progressista”, escolhendo Davos a Porto Alegre.)
Não conhecem Cuba, promovem a mentira do silêncio, para poder difamar Cuba. Não dizem o que era na época da ditadura de Batista e em que se transformou hoje. Não dizem que os problemas que têm a ilha são porque não quer fazer o que fez o Darling dessa mídia, FHC, impondo duro ajuste fiscal para equilibrar as finanças públicas, privatizando, favorecendo o grande capital, financeirizando a economia e o Estado. Cuba busca manter os direitos universais a toda sua população, para o que trata de desenvolver um modelo econômico que não faça com que o povo pague as dificuldades da economia. Mentem silenciando sobre o fato de que, em Cuba, não há ninguém abandonado nas ruas, de que todos podem contar com o apoio do Estado cubano, um Estado que nunca se rendeu ao FMI.
Cuba é a sociedade mais igualitária do mundo, a mais solidária, um país soberano, assediado pelo mais longo bloqueio que a história conheceu, de quase 50 anos, pela maior potência econômica e militar da história. Cuba é vítima privilegiada da imprensa saudosa do Bush, porque se é possível uma sociedade igualitária, solidária, mesmo que pobre, que maior acusação pode haver contra a sociedade do egoísmo, do consumismo, da mercantilização, em que tudo tem preço, tudo se vende, tudo se compra?
Como disse Celso Amorim, o Ministro de Relações Exteriores do Brasil: os que querem contribuir a resolver a situação de Cuba têm uma fórmula muito simples – terminem com o bloqueio contra a ilha. Terminem com Guantánamo como base de terrorismo internacional termine com o bloqueio informativo, dêem aos cubanos o mesmo direito que dão diariamente aos opositores ao regime – o do expor o que pensam. Relatem as verdades de Cuba no lugar das mentiras, do silêncio e da covardia. Diante de situações como essa, a razão e a atualidade de José Martí:
“Há de haver no mundo certa quantidade de decoro,como há de haver certa quantidade de luz.Quando há muitos homens sem decoro, há sempre outrosque têm em si o decoro de muitos homens.Estes são os que se rebelam com força terrívelcontra os que roubam aos povos sua liberdade,que é roubar-lhes seu decoro.Nesses homens vão milhares de homens,vai um povo inteiro,vai à dignidade humana…
Emir Sader

A GRANDE MENTIRA

O surgimento de novas lideranças em latinoamérica perturba muitas pessoas, principalmente aquelas que afirmam que o capitalismo nasce da liberdade, e que o livre mercado desregulamentado vai de mão dada com a democracia. Pode-se concordar que estas formas de populismo latino são uma resposta desarticulada ao fracasso retumbante das políticas neoliberais que inundaram o mundo nestas últimas décadas. No entanto, são poucos os que se perguntam quais são os verdadeiros culpáveis desta reviravolta. Fala-se do respeito à liberdade de imprensa, mas ninguém questiona sua visão unipolar. Nesse maniqueísmo mediático, é muito fácil afirmar que as pessoas com as quais não se está de acordo, não só se equivocam, senão que também são tiranos, fascistas ou genocidas. Mas também é certo que algumas doutrinas fundamentalistas são incapazes de coexistir com outros tipos de crenças. Desde o colapso da União Soviética houve um reconhecimento histórico dos crimes cometidos em nome do comunismo, assim como daqueles que professam uma extrema religiosidade e querem refazer o mundo conforme suas crenças particulares. Perante esses fatos, é necessário entender que, qualquer intento em responsabilizar a determinadas ideologias pelos crimes cometidos pelos seus seguidores, deve ser analisado com extrema cautela.
A cruzada contemporânea que fala da liberdade irrestrita dos mercados mundiais disfarça um modelo econômico corporativista, sustentado por golpes de Estado, guerras e matanças que serviram para apoiar regimes ditatoriais comprometidos com tal sistema. O sonho neoliberal do “capitalismo puro”, chamado por Francis Fukuyama de “o fim da história” ou “o ponto final da evolução ideológica da humanidade”, levou à crença dogmática de que o “atraso econômico” latinoamericano é produto da incapacidade de seus povos e de seus intelectuais utópicos, e não de uma longa história de pilhagem e espantosos tormentos devidos à brutal expansão de tal modelo econômico. Entretanto, vale à pena perguntar-se o que é o “capitalismo real” nessa contingência histórica. Ele não consiste apenas no desenvolvimento criativo e privado das forças produtivas. Seu lado sombrio sempre é disfarçado quando se trata de impor a idéia do progresso, da eficiência e da produtividade. A expansão do capitalismo sempre esteve vinculada a um processo histórico de espoliação e colonialismo. Durante estes últimos duzentos anos, a chantagem financeira e tecnológica somou-se à concorrência desleal e livre do poderoso frente ao fraco. Em 2006, um estudo das Nações Unidas descobriu que “o 2% dos adultos mais ricos do mundo reúnem mais da metade da riqueza de todas as residências existentes no planeta”. Tal constatação, fez com que Stephen Haggard, insuspeito neoliberal, admitisse envergonhado que “as coisas boas, como a democracia e o livre mercado nem sempre vão juntas, já que a maioria das iniciativas reformistas orientadas para esse modelo econômico, ocorreram a partir de golpes de Estado militares”. O leitor deve perguntar-se: O que tem a ver a concentração da riqueza com as ditaduras militares impostas no mundo globalizado?
A crise de 2008 deixou ao descoberto a “grande mentira” da instauração do capitalismo no seu estado puro. Enquanto a Escola de Chicago implantava um processo de “destruição criadora” assentada no monetarismo clássico, concentrando a riqueza de maneira brutal, muitos dos ferozes defensores de tal modelo, estavam, já no início do século, presos por desvios de recursos públicos ou sendo julgados. Vou citar alguns nomes: Pinochet do Chile; Bordaberry do Uruguai; Videla, Cavallo e Menem da Argentina; Sánchez de Lozada da Bolívia. Longe da gente: Mijaíl Jodorkovski, Leonid Nevzlin, Vladimir Gusinski e Boris Berezosvski da máfia russa. Perto da gente: Conrad Black; Ken Lay e Grover Norquist, além dos ladrões de colarinho branco das corretoras e bancos privados estadunidenses. Seus imperdoáveis “desvios éticos” ficaram a salvo no “Business World”. Sorte deles.
Victor Alberto Danich
Sociólogo

Por que o Brasil não se alinha à hipócrita campanha anticubana?

Em vez de pressionar para que o governo brasileiro se some à atual campanha anticubana, como sempre capitaneada pelas agências oligopólicas de notícias, as boas almas que se manifestaram pela democratização de Cuba têm o dever moral de exigir o fim da política de agressão dos Estados Unidos contra Cuba. Do contrário, sua posição, apresentada como democrática, se revelará escandalosamente desonesta e hipócrita.

Por Hideyo Saito*, na Carta Maior

Cessada a agressão e desanuviado o ambiente internacional, o próprio povo cubano poderá decidir, sem pressões externas, como será o seu modelo de democracia, conforme parecem indicar os debates já em curso no país, com grande participação popular.
Os chamados dissidentes cubanos receberam forte apoio da oposição brasileira e da mídia dominante local, em seu empenho para constranger o presidente Luiz Inácio Lula da Silva a se manifestar publicamente contra o governo de Havana. Na famosa entrevista à Associated Press, usada como pretexto para a pancadaria, o presidente brasileiro trouxe à baila um episódio de morte em uma greve de fome coletiva de prisioneiros do Exército Republicano Irlandês (IRA), durante o governo de Margareth Thatcher, em março de 1981. “Eu vejo muita gente que hoje critica o governo cubano por causa da morte, [e que] não falava nada da morte do IRA”, cobrou Lula. Esse trecho foi convenientemente omitido pela mídia dominante, para deixar o caminho livre para a atual campanha.
Na compacta barreira de desinformação que se orquestrou, as palavras-chave usadas têm sido: luta pela liberdade, dissidentes heróicos, masmorras cubanas, presos de consciência, tirania insensível, cumplicidade de Lula. Os atores brasileiros do drama (jornalistas locais, enviados especiais, colunistas, comentaristas convidados, políticos) repetem em uníssono o noticiário difundido por agências oligopólicas de notícias, como a citada AP, a France Press e a Efe, e por órgãos como a Voz da América, do governo dos Estados Unidos.
No jornal O Estado de S. Paulo, a sanha tem sido tamanha, que até colunista de assuntos econômicos, caso de Rolf Kuntz, e articulista convidado, como Eugenio Bucci, reforçaram o festival de acusações em termos praticamente idênticos aos do famoso extremista de direita Carlos Alberto Montaner. O Senado brasileiro aprovou moção de solidariedade aos “presos políticos”, em que também não faltaram críticas ao presidente Lula.
Nenhuma dessas boas almas, contudo, se preocupou em “checar” a notícia original ou qualquer de seus pormenores, cotejando-os com dados de outras fontes, ainda que fosse para complementar alguma informação. Se alguém o fizesse, poderia ter sabido que nenhum dos dois grevistas (Orlando Zapata Tamayo, que faleceu em 23 de fevereiro, e Guillermo Fariñas Hernández, que estava em estado crítico em um hospital cubano no final da segunda semana de março) foi condenado por atividades políticas, mas por delitos como furto, invasão de domicílio e agressões físicas, conforme registros judiciais cubanos.
Ficaria informado também de que os presos por atividades políticas, cuja libertação é reivindicada por Fariñas, são os remanescentes do processo de 2003, quando 75 opositores foram condenados por receberem dinheiro do Escritório de Representação dos Estados Unidos em Havana para participar de atividades contra o governo revolucionário (e não, como diz a campanha-padrão contra Cuba, por se oporem ao regime).
Poderia confirmar ainda que o julgamento dos 75 foi realizado em tribunais regulares, em sessões públicas, com base em leis pré-existentes e assegurado o pleno direito de defesa e de apelação. O governo cubano divulgou, na ocasião, provas documentais sobre a relação que os acusados mantinham com representantes do governo estadunidense. É uma relação passível de incriminação penal em qualquer país do mundo. Em todo caso, cerca de 20 deles foram, desde então, libertados pelo governo por problema de saúde, obedecendo às 95 regras de tratamento carcerário humanitário, estabelecidas pela ONU.

Preso duas vezes por agressão

De acordo com a ficha corrida de Guillermo Fariñas Hernández, em 1995 ele espancou uma mulher na instituição de saúde onde trabalhava como psicólogo, causando-lhe ferimentos múltiplos no rosto e nos braços. Sofreu pena de três anos de prisão sem internamento (por sua primariedade), além de multa de 600 pesos. Em 2002, atacou um ancião com um bastão na cidade de Santa Clara, onde reside. A vítima teve de ser operada para extirpação do baço, e o agressor foi condenado a 5 anos e 10 meses de prisão (Causa 569/2002, do Tribunal Popular Provincial de Villa Clara).
Por essa época, ele começou a utilizar o recurso da greve de fome para obter vantagens, como televisor em sua cela, tendo dessa forma atraído a atenção dos grupos contra-revolucionários, aos quais aderiu em seguida. Em dezembro de 2003, devido à sua saúde fragilizada pela sucessão de greves, recebeu uma licença extra-penal com base no código cubano. Fora da cadeia, passou a colaborar com a Rádio Martí e a receber dinheiro regularmente da já mencionada representação dos Estados Unidos em Havana. Em 2006, voltou a se declarar em greve de fome, para reivindicar acesso domiciliar a internet. Na atual greve, Fariñas Hernández recusou toda oferta oficial para tratamento de sua saúde, obstinando-se em dizer que irá até o fim. Da mesma forma, rejeitou oferta de asilo na Espanha, feita com a anuência de Havana. Por isso, a intervenção médica cubana só pôde acontecer quando o manifestante entrou em estado de choque, na noite de quinta-feira, 11 de março, em estado gravíssimo, como no caso de Orlando Zapata Tamayo, que viria a falecer.
Eis o que divulgaram as agências France Press, Efe e Reuters sobre esse momento, conforme publicado no Estado de S. Paulo: “Momentos antes de Fariñas desmaiar, um grupo de médicos do sistema de saúde pública de Cuba visitou o dissidente e pediu que ele concordasse em ir, de ambulância, até uma clínica para que fizesse um check-up profissional. O opositor, porém, agradeceu ‘o profissionalismo e a humanidade’ dos médicos, mas insistiu em fazer os exames em sua casa. Os médicos aceitaram as condições e coletaram amostras no local, mas saíram antes de Fariñas desmaiar”.

As vantagens de ser dissidente cubano

Orlando Zapata Tamayo também jamais havia sido seguidamente condenado por atividade política, embora esteja sendo apresentado agora como mártir da luta pela liberdade. Ele só começou a adotar um “perfil político” quando percebeu que, na situação particularíssima de Cuba, isso poderia ser vantajoso por causa do farto dinheiro distribuído pelos Estados Unidos aos que se declaram dissidentes no país.Antes havia cumprido pena por “violação de domicílio” (1993), “furto e agressão com arma branca” (2000) e “perturbação da ordem pública” (2002). Em 2003, chegou a ser solto, mas voltou à cadeia por reincidência. Por isso, não figurou na relação de “prisioneiros políticos” elaborada em 2003 pela antiga Comissão de Direitos Humanos da ONU, com a intenção de condenar Cuba por violação aos direitos humanos. Aquela mesma boa alma curiosa poderia igualmente notar, na campanha em curso, que apesar da insistência na denúncia de que os “presos de consciência” cubanos foram encarcerados simplesmente por serem contra o governo, o noticiário correspondente é abundante em declarações de opositores que vivem em Cuba, como Manuel Cuesta Morúa, René Gómez Manzano, Elizárdo Sánchez, Osvaldo Payá Sardiñas e outros.
Eles são contra o governo, dão entrevistas para a imprensa internacional recheadas de críticas, mas não estão presos! Há algo errado nessa denúncia, portanto. O próprio Fariñas, aliás, estava em casa antes de ser internado e lá recebia diariamente jornalistas estrangeiros.

Anistia Internacional: as situações em Cuba, nos EUA e na Europa

Sobre o suposto caráter ditatorial do regime vigente em Cuba, é interessante ainda comparar o que diz o relatório “O Estado dos Direitos Humanos no Mundo 2008”, da Anistia Internacional (entidade nada amistosa com o governo cubano), sobre a situação naquele país, nos Estados Unidos e na Europa. O documento acusa o governo cubano de restringir as liberdades de expressão, de associação e de circulação, fala nos “presos de consciência” remanescentes do grupo dos 75 e registra incidentes em que teria havido “fustigamento e intimidação” de dissidentes.
Mas não menciona um só caso de seqüestro ou desaparecimento de opositores, nem tortura ou morte de prisioneiros em dependências carcerárias. Da mesma forma, não fala em repressão policial, nem em execução extrajudicial em Cuba. Esse mesmo documento da Anistia Internacional, em contrapartida, denuncia os Estados Unidos por prática sistemática da tortura conhecida como waterboarding (simulação de asfixia), detenções e interrogatórios secretos e desaparecimento de suspeitos. Acusa ainda Washington de manter milhares de detidos, muitos “há mais de seis anos”, em Guantánamo, em Bagram e no Iraque, sem acusação nem julgamento.
Sobre os governos europeus, o relatório da Anistia declara: “Em 2007 surgiram novas evidências de que diversos Estados-membros da União Européia foram coniventes com a CIA no seqüestro, na detenção secreta e na transferência ilegal de prisioneiros para países em que foram torturados ou sofreram maus tratos”. Ora, a atual campanha contra o governo cubano se origina de forças políticas que admiram as democracias vigentes na União Européia e nos Estados Unidos, considerando-as modelos a serem copiados por todo o mundo (inclusive Cuba). Deveriam, portanto, preocupar-se também com o estado dessa própria democracia e dos direitos humanos nesses países, em vez de gastarem todo o gás em sua fúria contra Cuba. Que tal uma campanhazinha para combater a pouca vergonha denunciada pela Anistia Internacional nos Estados Unidos e na União Européia?

As múltiplas e insistentes agressões contra Cuba

O governo brasileiro foi irrepreensível ao se recusar a figurar nessa (má) companhia, apesar das pressões. A esclarecedora declaração do chanceler Celso Amorim sobre a posição brasileira ficou quase perdida em meio à histeria oposicionista. “Uma coisa é defender a democracia, os direitos humanos e à livre expressão, como fazemos. Outra coisa é sair dando apoio a tudo quanto é dissidente no mundo. Quando você tem de falar alguma coisa [a um governo estrangeiro], você fala de outra forma, discretamente, não pela mídia”, declarou.
O chanceler brasileiro disse, em outras palavras, o que Lula já havia declarado em sua primeira visita a Cuba como presidente, em setembro de 2003: que não se somaria às pressões permanentes de setores direitistas contra o governo de Havana, falando publicamente sobre assuntos internos de um país amigo.

Mas a frase mais significativa de Amorim, nessa questão, foi a seguinte: “Se alguém está interessado em uma evolução política em Cuba, eu tenho a receita rápida: acabe com o embargo. Isso vai trazer grandes mudanças em Cuba”. Ele se referia ao bloqueio unilateral que os Estados Unidos mantêm contra o país desde 1962, como parte de uma ampla política de hostilidade, que inclui ainda a transmissão, a território cubano, de propaganda contra a revolução cubana através da Rádio e TV Martí (ao arrepio do código da União Internacional de Telecomunicações), o fornecimento de recursos financeiros à oposição interna, o incentivo à emigração de cubanos para os Estados Unidos e outras medidas intervencionistas.

O próprio bloqueio não se resume a impedir Cuba de comprar e vender no mercado estadunidense. Compreende ainda a proibição de comerciar com filiais de companhias estadunidenses no mundo todo, assim como com empresas que tenham capital acionário ou usem tecnologia e componentes daquele país em sua produção. Significa igualmente o fechamento do mercado dos Estados Unidos a qualquer parceiro comercial de Cuba, de qualquer país, inclusive a bancos e a navios mercantes.
Por força dessa mesma política, aplicada apesar da condenação de praticamente todos os países representados na ONU, cientistas cubanos costumam ser excluídos de congressos internacionais e de pesquisas conjuntas e o próprio país não consegue se filiar a algumas organizações internacionais.
Essa política, por mais inacreditável que pareça, é respaldada pela lei Helms-Burton, aprovada pelo Congresso dos Estados Unidos em 1996. Arrogantemente intitulada Lei para a Liberdade e a Solidariedade Democrática em Cuba, ela autoriza o presidente dos Estados Unidos a “proporcionar assistência e a oferecer todo tipo de apoio a indivíduos e organizações não-governamentais independentes para apoiar esforços com o objetivo de construir uma democracia em Cuba”. Estabelece ainda como devem ser as eleições sob um governo “democrático e independente”, chegando a vetar a participação dos atuais líderes cubanos, especialmente Fidel e Raúl Castro!
Os tão ardorosos defensores da democracia em Cuba, que se revelaram de corpo inteiro nessa campanha, têm o dever moral de denunciar essa política imperialista de agressão e exigir o seu fim, como tem feito o governo brasileiro. Do contrário, sua posição, que apresentam como democrática, se mostrará escandalosamente desonesta e hipócrita.
Cessada a agressão e desanuviado o ambiente internacional, o próprio povo cubano poderá decidir, sem pressões externas, como será o seu modelo de democracia, conforme parecem indicar os debates já em curso no país, com grande participação popular.

* Hideyo Saito é jornalista

segunda-feira, 8 de março de 2010

SOBRE O IMPERIALISMO

Não vou falar sobre o que os cubanos pensam sobre o imperialismo, mas vou dar algumas pistas contando uma história aterradora, que contém a ideia germinal instalada no inconsciente dos habitantes da ilha. Nos dias preliminares à invasão do Iraque, a população de Bagdá se perguntava: Será pior que em 1991? Os americanos realmente acreditavam nas armas nucleares de Saddam? A noite de 28 de março de 2003, o Ministério de Comunicações do Iraque foi bombardeado e consumido pelas chamas, deixando sem serviço milhões de habitantes. A combinação entre escutar e sentir as bombas por todos os lados, e não poder verificar se os familiares próximos estavam vivos, transformou-se num verdadeiro tormento. Depois de deixar a cidade devastada, chegou à vez da humilhação disfarçada na conquista. O povo iraquiano passou a contemplar impotente como se profanavam suas instituições, e como toda sua história era carregada em caminhões para logo desaparecer. O Museu Nacional de Iraque foi reduzido a escombros, perdendo todas as lembranças de uma das civilizações mais antigas. A Biblioteca Nacional, que tinha todos os livros e teses de doutorado publicados no Iraque, foram perdidos. Um professor do Instituto de Bagdá, ao ver tamanha tragédia, chorava desconsolado dizendo: “Eliminaram de vez nossa herança nacional, a memória profunda de toda uma cultura de milhares de anos foi apagada em questão de horas”.
Os “civilizados” conquistadores destroçaram totalmente o aeroporto de Bagdá, quebrando todo o mobiliário e os aviões de passageiros estacionados na pista. O resultado de tamanha violência gratuita, significou uma perda de mais de 100 milhões de dólares em danos à linha aérea nacional do Iraque. Esse foi o começo do verdadeiro motivo da invasão, o processo de privatização do patrimônio nacional, leiloado de forma impertinente e criminosa. Para justificar a não intervenção no saqueio dos bens do Estado, o interventor americano, Peter McPherson, declarou candidamente: “Quando vi os iraquianos roubando propriedades do Estado – carros, ônibus, equipamentos dos ministérios – não me importou” – e prosseguiu – “pensei que a privatização que é realizada de maneira natural quando alguém toma um veículo do Estado, não tem nada de mau”. Astuto burocrata da antiga administração de Ronald Reagan, e profundo admirador da Escola de Chicago, McPherson descreveu a roubalheira como “a melhor forma de redução do setor público do país”.
Bagdá ainda estava em chamas quando se iniciaram as importações de forma massiva, sem impostos, sem inspeções ou taxas, tornando Iraque, depois das sanções comerciais, no mercado mais aberto do mundo. Enquanto os caminhões carregados de objetos saqueados partiam para os países vizinhos, na direção oposta, chegavam milhares de quinquilharias tecnológicas. Uma cultura desaparecia dizimada pelas chamas e pelos saqueadores, e outra chegava para substituí-la sem qualquer tipo de sentimento humanitário.
Victor Alberto Danich - Sociólogo