terça-feira, 16 de novembro de 2010

CONVITE PARA UM CAFEZINHO

A crítica da presidente eleita Dilma Rousseff à política monetária do Banco Central dos Estados Unidos, que quer injetar 600 bilhões de dólares no mercado, de modo a desvalorizar a moeda como forma de beneficiar as exportações, está assentada na convicção de que a esperteza dos países ricos deve ser combatida com vigor. O posicionamento do Brasil com referência a atitudes similares tem, na história recente, algumas circunstâncias que merecem ser relatadas. O interesse dos EUA em implantar a Área de Livre Comércio das Américas (ALCA), que pretendia induzir aos países de América do Sul a suprimir todas suas barreiras aduaneiras, foi abortado pelo fracasso das políticas econômicas neoliberais criadas por Washington que, entre outras artimanhas, preservava para si as barreiras não tarifárias. Além do acesso aos mercados da região, o interesse era a obtenção de superávits comerciais para compensar a perda de competitividade dos seus produtos de exportação. A crise da Argentina em 2001 reforçou a consciência do governo brasileiro em não cair nessa armadilha comercial. Por outro lado, preocupado com a reaproximação da Argentina com o Brasil, um alto funcionário do Departamento de Estado norteamericano tentou desmanchar tal parceria estratégica, instigando a disputa entre ambos países. O então presidente Fernando Henrique Cardoso declarou nessa oportunidade: “Não é possível deixar a Argentina em crise sem dar a ela condições de sobrevivência. A Argentina foi aplaudida e fez tudo o que o FMI pediu. Agora vai ser punida?”
Nesse contexto, a atitude inescrupulosa de uma revista “conhecida” que se debruça na publicação de factóides circenses que deixam exaltadas as classes médias, omitindo ao mesmo tempo tudo aquilo que permitiria à nossa sociedade discutir com sobriedade o destino de um Brasil consensual, divide a mesma em disputas inúteis. Pouco se divulga sobre o seminário “Desafios, Oportunidades e Riscos da Globalização à Ordem”, que aconteceu em 2001, promovido pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), no qual o ex-presidente Cardoso diz o seguinte na abertura do mesmo: “é mais fácil ideológica e politicamente, negociar acordos comerciais com a Comunidade Econômica Europeia do que com os Estados Unidos”. Tal discurso reconheceu claramente, que as negociações com a União Europeia representavam menos riscos para a soberania do Brasil do que as realizadas para a formação do ALCA, pautadas apenas para atender os interesses das nações mais ricas. Durante a abertura oficial da Assembléia do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) em 2002, o então presidente Cardoso exigiu mudanças nos critérios técnicos do FMI para atender aos países em desenvolvimento, criticando as manobras contáveis destinadas a reduzir as possibilidades de crescimento destes. E acrescentou com aspereza nessa oportunidade: “Quando vamos discutir isto, o FMI nos trata como se fôssemos analfabetos”.
Os leitores sabem da minha admiração pelo presidente Lula, mas poucos sabem o respeito que tenho pelo sociólogo Fernando Henrique Cardoso. Respeito que é resultado do seu discurso na Assembléia Francesa em 2001, depois do 11 de setembro: “A barbárie não é somente a covardia do terrorismo, mas também a intolerância ou a imposição de políticas unilaterais em escala planetária”. Pode até ser sido retórica, mas a sua mensagem guardava, na sua essência, o desconforto da descoberta que as “relações carnais” com os poderosos deve ser eliminada do vocabulário econômico. Tal discurso foi o epitáfio definitivo da Área de Livre Comércio das Américas. O destino dos países do sul começou com essa mudança de atitude conceitual. A partir daí foram assentadas as bases para consolidar o futuro do Brasil como nação independente, mas com seus olhos colocados solidariamente nos nossos vizinhos. Quando o presidente Lula finalizar seu mandato, seria fantástico se aceitasse o cafezinho oferecido pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Tal bebida deveria ser a aliança simbólica que os torne amigos novamente.
Victor Alberto Danich
Sociólogo