segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

O BRASIL DE LULA

Nascido num pequeno povoado do interior de Pernambuco, permanentemente castigado pela seca e pela fome, filho de camponeses analfabetos e com quatro irmãos mortos antes de nascer, Luiz Inácio passou os primeiros anos caçando pombas com estilingue para que sua mãe, Dona Lindu, tivesse um pouco de carne para acrescentar ao guisado de mandioca e feijão, único cardápio familiar. Lula era tão pobre, que provou arroz pela primeira vez quando tinha dois anos de idade, e tirou sua primeira foto com três, feita por um fotógrafo que lhe emprestou seus sapatos e seu casaco. Quando Lula fez sete anos, sua mãe juntou o pouco que tinha e viajaram para São Paulo, sentados num caminhão pau de arara durante treze dias. Lula trabalhou como engraxate, tintureiro, vendedor de amendoim e tapioca. No domingo ia ao cinema com um terno emprestado, e durante a semana freqüentava a escola com as dificuldades que somente os muito pobres sentem e sabem. Em 14 de março de 1979, oitenta mil metalúrgicos se reuniram no estádio de Vila Euclides para assistir ao operário barbudo no seu discurso avassalador, que reconstruía a auto-estima dos trabalhadores, e os conduzia à euforia da descoberta de um novo líder. Nessa época, um sociólogo famoso de nome Fernando Henrique Cardoso, fazia questão de ter amizade com ele. O novo sindicalismo brasileiro, idealizado por Lula, e liderado pelas comissões internas de fábrica, organizado de forma democrática e aberta, com uma estratégica distância da esquerda tradicional, se articulava numa ampla frente contra a ditadura. Candidato pela quarta vez, e perante a perspectiva de que ganhasse às eleições em 2002, o dólar disparou até chegar aos quatro reais, prevendo-se um colapso financeiro, resultado da crise internacional e dos desequilíbrios econômicos acumulados, além da campanha de terror veiculada pela mídia e partidos de oposição se, por acaso, viesse a tomar posse. Resulta natural que Lula, perante tal clima de pessimismo generalizado, partiu para construir uma opção moderada através da “Carta ao Povo Brasileiro”, que muita gente fez questão de não ler, na qual ratificou sua vontade de não alterar o rumo econômico, respeitando todos os acordos do governo anterior. Tal opção, tão criticada pela esquerda festiva como pela direita conservadora, não foi um oportunismo mimetizado, e sim resultado de um longo processo de aprendizado político. Com um país estável, que está superando de maneira virtuosa a crise econômica mundial, conduzido por um presidente conciliador e simples, com um passado sindical de extraordinária capacidade para enfrentar o poder e negociar, transformou em virtude o que antes era considerado um defeito, a falta de formação acadêmica não é um sinal de incapacidade, senão a lembrança vívida de uma infância pobre e honesta, tão idêntica a milhões de trabalhadores que, é bom lembrar, também são brasileiros.
Victor Alberto Danich - Sociólogo