quinta-feira, 16 de setembro de 2010

A ENGHENARIA ECONÔMICA BRASILEIRA

Todos os empresários do país devem se lembrar muito bem da data 15 de setembro de 2008. Nesse dia, o mercado financeiro mundial, sustentado por um modelo parasitário centrado na especulação desenfreada, parou. Também devem lembrar-se do banco de investimento Lehman Brothers, aquele mesmíssimo que duvidada da solvência do Brasil, que por incompetência não conseguiu superar os efeitos da crise, quebrando de forma vergonhosa. Essa quebra emblemática afetou indiretamente nosso país, ao provocar uma brusca depreciação cambial e uma acentuada queda da demanda dos produtos brasileiros no mercado internacional. O Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil diminuiu consideravelmente, resultado da desaceleração dos investimentos por parte do setor empresarial, que segurou suas despesas de capital, receoso do descalabro da crise que se avizinhava, considerada por muitos como a pior desde o “crash” de 1929. Entretanto, o governo brasileiro, ao implantar um modelo desenvolvimentista a partir de 2003, foi preparando o terreno para se proteger de qualquer ataque especulativo por parte dos picaretas internacionais, ansiosos em recuperar suas perdas. De que forma foi realizada tal façanha, obra de uma extraordinária engenharia econômica?
O governo, através da recuperação estatal, iniciou um processo nunca antes feito no Brasil, que foi a adoção de medidas fiscais e monetárias anticíclicas, evitando assim a contaminação do sistema financeiro nacional, de modo que pudesse ser recuperado o nível das atividades econômicas e produtivas do país. As primeiras medidas contra a contração do crédito foram aumentar a liquidez da moeda, tanto nacional como estrangeira, através da utilização das reservas do Banco Central para vender dólares e frear a depreciação da moeda local, além de criar uma linha de financiamento para as exportações. Tudo isso foi possível porque o Brasil tinha reservas acumuladas de 210 bilhões de dólares, que permitiu sustentar qualquer intento de contaminação externa. Já em 2009, a União abriu uma linha de crédito para o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) de 3,3% do PIB, em conjunto com incentivos financeiros para o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal. Tal iniciativa permitiu, a esses bancos públicos, a aplicação de recursos nos setores produtivos mais dinâmicos e geradores de empregos, como a construção civil, agropecuária e insumos básicos, de modo a incentivar a produção e venda de bens de consumo duráveis.
O mais marcante nessa obra de reconstrução do Estado brasileiro, na qual todos os setores da sociedade se beneficiaram em maior o menor grau, foi a tarefa gigantesca de fazer convergir crescimento econômico com inclusão social. Os programas de transferência de renda, entre eles o programa Bolsa Família em conjunto com o aumento real do salário mínimo, trouxeram uma nova esperança para milhões de brasileiros que permaneceram tanto tempo à margem do consumo social. As opções do governo em revitalizar um modelo assentado em medidas de incentivo fiscal e monetário, tiveram como resultado a recuperação do Estado na sua capacidade de resposta social, propiciando a aceleração do crescimento e a produtividade. Não apenas isso, o aumento do emprego formal, dos lucros e os salários, terminaram acentuando um novo ciclo de desenvolvimento, sinalizado pelo crescimento do PIB em 9% no primeiro semestre de 2010. No entanto, ainda há cegos perante tal desempenho. A cegueira política, intelectual, partidária, ou pior, a cegueira da desinformação, termina reproduzindo o pensamento fragmentado, tão perigoso para a construção do bom senso. A razão é substituída por clichês desgastados e preconceituosos, imunes as mudanças. Da mesma forma daqueles que continuam insistindo em modelos que negam, a priori, a possibilidade de concretizar políticas macroeconômicas que incorporem desenvolvimento com inclusão social, tão importantes para eliminar de vez a desigualdade que ainda nos cerca.
Victor Alberto Danich
Sociólogo

A REALIDADE CONSTRUÍDA

Por que as pessoas têm tanta dificuldade em reconhecer a ciência como um método para entender a realidade? É possível que o ser humano, imerso no mundo do cotidiano, sinta medo de seus aspectos inquietantes? Ou apenas porque a ciência questiona dogmas religiosos sedimentados no inconsciente da sociedade? Ainda hoje, apesar da nossa espécie ter percorrido uma trajetória histórica de 100 milhões de anos, existe uma clara hostilidade contra os avanços da ciência. Não da tecnologia aplicada, aquela que faz parte do dia a dia, senão da ciência que afirma que são as leis e as forças da Natureza, e não os deuses, os responsáveis pela ordem e até pela existência do universo.
Podemos observar que a ciência trabalhou silenciosamente, à margem das crenças estabelecidas como mecanismos de controle social, avançando passo a passo na consecução de seus óbvios triunfos e benefícios, mas sempre fora da corrente principal do desenvolvimento humano. Os chineses inventaram a pólvora, os foguetes, o tipo móvel, a bússola magnética e o sismógrafo. Os indianos inventaram o zero, que significou o primeiro passo para a aritmética e seus resultados quantitativos. No mundo pré-colombiano, os astecas desenvolveram um calendário mais preciso que os dos europeus. Isso lhes permitiu predizer com exatidão a posição dos planetas no firmamento. Mas foi da Grécia antiga que surgiu o método da ciência cética, experimental e investigativa. Qual foi a origem dessa descoberta?
Ela pertence a um fator cultural específico, que foi a assembléia, na qual, segundo Lucrécio, os homens aprenderam, “pela primeira vez a persuadir uns aos outros por meio do debate racional”. Por outro lado, a economia marítima permitia a ampliação do conhecimento além da cultura local, assim como um mundo extenso no qual se colhiam novas formas de observar a realidade. O jônico Lucrécio resumia seus pensamentos da seguinte maneira “A natureza livre e desembaraçada de seus senhores arrogantes é vista agindo espontaneamente por si mesma, sem a interferência dos deuses”.
O leitor ocasional pode se sentir incomodado por estas afirmações. Entretanto, se aprofundar o tema, poderá verificar que, nos livros de Introdução à Filosofia, os nomes e ciência aplicada dos antigos jônicos dificilmente são mencionados neles. Não por acaso aqueles que rejeitam os deuses tendem a serem esquecidos. O desequilíbrio e o pavor que desperta tentar questionar as crenças estabelecidas, faz com que desprezemos a memória desses céticos, muito menos as suas ideias. Seguramente houve, na história da humanidade, muitos pensadores que ousaram explicar o mundo através do método científico, em termos de matéria e energia, tentando disseminar seus conhecimentos em diferentes culturas. Em contrapartida, também foram combatidos ao extremo e eliminados por padres e filósofos empenhados em reafirmar a sabedoria convencional, secularizando-a Às vezes me pergunto o que pode acontecer com um professor de sociologia que tenta descriminalizar o método científico. Quebrar o pensamento linear trazido da escola para a universidade, e transformá-lo numa alternativa transversal, pode gerar desconforto nos acadêmicos pré-formados num mundo cultural onde predomina o pensamento político hierarquizado. As culturas que não enfrentam desafios desconhecidos, nas quais as mudanças fundamentais não são importantes, toda ideia nova não precisa ser estimulada. Nesse caso, o pensamento torna-se rígido; qualquer pretensa heresia pode ser declarada perigosa; podendo ser imposta, por sinal, uma vasta gama de sanções contra ideias não permitidas. Tudo isso sem causar dano à sociedade, apenas ao transgressor. E possível o reconhecimento daqueles que, em vez de acompanhar docilmente os dogmas estabelecidos, tentam desvendar a importância do universo social e físico? Qual seria o inconveniente em aceitar que tal dimensão dogmática não passa de uma mera construção social da realidade, de modo a permitir ao ser humano libertar-se das superstições culturais?
Victor Alberto Danich
Sociólogo