terça-feira, 20 de maio de 2008

OBRIGADO MARCELA

Se foi a sorte ou azar de teres nascido em épocas tumultuosas, de conviver com pessoas que sonhavam com um mundo diferente e solidário, que imaginavam que poderia ser mudado com voluntarismo e talento, modelado em novas formas de pensamento, devo assumir meus erros nesse percurso.
Se foste seduzida por um homem que te tirou da riqueza confortável e te mostrou os caminhos dolorosos da exclusão, compartilhando contigo o perigo da incompreensão e da intolerância, te peço desculpas.
Se viveste perigosamente convencida de que o poder e o dinheiro não valiam a pena de sermos os Faustos de uma sociedade injusta, de saberes que estávamos juntos numa batalha antecipadamente perdida, e ainda assim foste capaz de olhar com altivez nossos algozes, eu te admiro.
Se conseguimos construir juntos os traços de rebeldia, desejos de liberdade e autonomia, enfrentando fronteiras desconhecidas, tendo a certeza de que qualquer lugar do mundo era bom para recomeçar, que a revolta contra o autoritarismo e a opressão valia a pena continuarmos juntos, eu te agradeço.
Todos esses anos que estivemos lutando lado a lado, serviram para refazer o conhecimento e criar novas agendas de vida. Uma delas foi à gestão solidária de trabalhar com as pessoas humildes, e a outra foi criar a nossa filha. Tudo isso deu certo até que a morte te surpreendeu na viagem. Daí para frente, o mundo se desmoronou, e não consegui reconstruí-lo. Por isso quero que me perdoes.
Mas te garanto. Tudo aquilo que conversávamos com alegria, em sintonia com as promessas do futuro, nunca terminará enquanto algum de nós continue presente. Os caminhos da transcendência de seres que não existem mais, devem ser revitalizados pelas lembranças dos vivos, e, como tenho a certeza de que não há eternidade para os corpos nem para as mentes, resta-me tributar tua presença no inconsciente coletivo daqueles que ainda acreditam. Talvez seja esse o segredo de imaginarmos póstumos. É por isso que quero compartilhar com os desconhecidos a simples tarefa de expressar publicamente esta pequena frase.
Obrigado Marcela.

2 comentários:

  1. Marcela Rotania de Danich foi a síntese da mulher do Novecentos. Sua arrebatadora entrada na Aliança Francesa (quando nos conhecemos, na segunda metade dos anos 70) foi antológica para todos: quem era aquela mulher (recém chegada do país vizinho) misteriosa, bela, elegante, culta, encantadora, politizada, com nobreza e caráter difíceis de encontrar?
    Marcela e Victor simbolizavam os tristes e cruéis anos 70 do Cone Sul. Argentinos de boa e velha cepa (frutos de uma das mais belas e cultas regiões de nosso continente: Províncias de Entre Rios, Santa Fé e Córdoba) foram corajosos e éticos (como poucos) em suas convicções num momento difícil e delicado de seu país fazendo uma escolha dolorosa e sem retorno. Deixam-nos um legado inestimável e que um dia virá à tona, com a ajuda dos amigos e principalmente com o vigor de Victor, que não deixará a memória de Marcela ser esquecida! Nestes tempos vulgares e constrangedores deste início do XXI, exemplos como este casal devem ser divulgados a toda a população e à classe política de nossos países.
    Uno-me solidário a Victor, à sua filha Bárbara Eleonora e ao casal Alejandra Rotania e Álvaro Pozzi.
    Obrigado Victor, pelo texto: beijo fraterno do Clovis.

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  2. Querido amigo Clovis,
    Muito obrigado pelo teu emocionante comentário. Homenagens desse tipo, revigoram a vida.
    Abraços,
    Victor

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