terça-feira, 24 de junho de 2008

O BRASIL DAS PESSOAS COMUNS

Muitas pessoas negam a existência das classes sociais. E o fazem a partir da idéia de que se trata de um conceito ideológico elaborado pelas esquerdas ultrapassadas. Isso ocorre porque o discurso dos setores mais poderosos da sociedade tende a uniformizar sua própria ideologia através da crença ahistorica de que esta é a única possível de existir, aprofundando a penetração dessa idéia através dos meios de comunicação massivos de forma estrutural, que não só desvalorizam a cultura popular, mas tende a aniquilar-la por completo. O artigo do jornalista Samuel Lima (ANotícia, 22/03/2007, p.A3) deixa claro como funciona esse mecanismo de alienação classista, ao observar a visão fragmentada da realidade por parte de uma revista de grande circulação que, empregando seu talento tecnocrático, faz com que seu leitores parem de criar e de pensar. A cultura de massas consiste precisamente numa ocupação total do espaço mental dos indivíduos, de modo que, em sua confrontação coletiva, a vida cotidiana seja apenas um intercâmbio de clichês e slogans sem conteúdo, direcionados à esperança em ser semelhante aqueles que se encontram no topo da pirâmide social. Esse pensar alienado dissolve as relações entre as pessoas, implantando nas conversas as problemáticas fictícias, esterilizando desse modo a verdadeira dimensão das necessidades do povo. Dia a dia, o horizonte pessoal e familiar vai sendo cercado em torno do que se mostra e do que se houve por parte dos meios de comunicação oficializados, sem dar muita chance à imprensa alternativa, que tenta publicar a outra face da realidade. O economista burguês, por exemplo, ocupa-se de análises de processos que ocorrem na sociedade, mas não passa além do problema básico da atividade econômica, sem se interessar na grande variedade das relações humanas que podem ter relevância para as metas econômicas em questão. Há muita polêmica em torno do crescimento do país e a nova fórmula para cálculo do produto interno bruto, a favor e contra. O interesse, como sempre é macroeconômico. Poucos são os que param para ouvir a empregada doméstica que foi pegar seu dinheirinho na Caixa Econômica Federal e comenta com alegria: “É a primeira vez em tantos anos que consigo comer um pastel e tomar um Guaraná na saída do Banco”. A opinião do povo nunca entra nos balanços de perdas e ganhos da criação de riqueza de um país. O pensamento popular, com todas suas implicações, não tem valor como produtor dessa própria riqueza. O povo é apenas um acidente no percurso do projeto capitalista rumo ao sonhado desenvolvimento privado.

Victor Alberto Danich
Sociólogo – Professor do Centro Universitário de Jaraguá do Sul – UNERJ

terça-feira, 10 de junho de 2008

BOM DIA, SENHOR ENGELS!

Nada nesta vida se reproduz de forma espontânea. Qualquer fato social que explode repentinamente, não surge por acaso, ele é resultado de um longo processo histórico. Se neste início de século foram ressuscitados antigos ícones ideológicos, deve-se principalmente à força da crença de que ainda existe a possibilidade de “justiça na terra”. Nessa perspectiva, embora a experiência do socialismo real tenha fracassado economicamente, as questões que Marx e Engels levantaram, além dos luminares do século XX como Einstein, Bertrand Russel, Veblen, Tolstoi, Gandhi, Che Guevara e Nelson Mandela, continuam extremadamente vivas. A economia não existe isolada em si mesma; ela possui um lugar na sociedade. A quem serve a economia? Como podem ser compartilhados os benefícios da mesma? Os pobres do mundo não são bobos, eles sabem muito bem porque estão lutando. Não importa qual é a sua conduta, nem as idéias vagas que expressam, o que os move é o senso de justiça. A divisão entre os ricos e os pobres não para de se aprofundar, e isso não acontece porque estamos próximos dos estertores do capitalismo, senão pelas conseqüências das dores de seu parto. Sempre, desde seu início, o capitalismo soube sobreviver como um vírus em mutação, renovando-se ainda mais poderoso na sua própria doença.
Resulta conveniente lembrar como foi o início, e como viviam as classes trabalhadoras durante os primeiros anos da Revolução industrial na Inglaterra. Enquanto de um lado a grande massa do povo trabalhava duramente, retornando à noite para os miseráveis e doentios buracos onde moravam, que não serviam nem para os porcos; de outro lado, algumas pessoas que nunca sujaram as mãos com o trabalho, mas no entanto faziam as leis que governavam as massas, vivam na extrema riqueza, cada qual com seu palácio particular. Tal era a desesperança dos trabalhadores, que podemos referenciar-la através de um espantoso diálogo entre um pesquisador e um tecelão manual, contado por Disraeli, no seu Sybil or the Two Nations (1845):
Pergunta: Tem filhos?
Resposta: Não. Tinha dois. Mas estão mortos, graças a Deus!
Pergunta: Expressa satisfação pela morte de seus filhos?
Resposta: Sim. Agradeço a Deus por isso. Estou livre do peso de sustentá-los, e eles, pobres, livres dos problemas de esta vida mortal.
Tudo isso ocorreu um ano antes da grande Fome da Batata, que mataria um milhão de pessoas na Irlanda, obrigando um número muito maior a emigrar por toda Grã-Bretanha e América do Norte. Os que sobraram, foram sujeitos a trabalhar de 12 a 18 horas diárias, ou ate cair de exaustão, escutando sempre as belas e gratificantes palavras: “Tudo o que o filho de um pobre necessita está encerrado em duas palavras: indústria e inocência”. No entanto, durante uma caminhada com outro homem de negócios, o empresário Fiedrich Engels, que era um dos poucos a se preocupar com o destino dos mais necessitados, ressaltou que esses bairros miseráveis eram uma vergonha e uma desgraça para Manchester. Tal acompanhante limitou-se a ouvir polidamente, e logo depois, ao se despedir, fez o seguinte comentário: “Mesmo assim há um bocado de dinheiro a ganhar por aqui. Bom dia, senhor Engels!”

Victor Alberto Danich
Sociólogo