Na década de 80, vários militares bêbados golpearam um plantador de coca, que morava no altiplano boliviano, e que não aceitava ser chamado de narcotraficante. Açoitado salvagemente, foi queimado vivo em meio aos gritos de terror. Evo Morales, muito jovem, olhava a cena sem entender. Tinha nascido em Orinoca, no departamento de Oruro, onde o frio penetra a pele como agulhas, e onde as pessoas caminham curvadas, como se quisessem passar despercebidas. De família extremadamente pobre, na qual quatro dos sete irmãos morreram antes de nascer, e vivendo numa casa de barro que gelava durante a noite e calcinava os ossos durante o dia, apenas se pensava em sobreviver. A comida escassa se limitava a macarrão fritado e chá para beber. Quando estava com fome, Evo se aproximava da estrada e comia as cascas de banana e laranja que os passageiros lançavam pelas janelas dos ônibus que atravessavam o altiplano. Nos anos setenta, Morales atravessou a fronteira de Argentina para trabalhar nas safras de açúcar, aproveitando para se inscrever na escola local. Quando voltou para Oruro, completou o segundo grau com a ajuda de diferentes trabalhos, de pedreiro a padeiro e trompetista da Banda Rela Imperial. Finalmente, quando depois de vários anos chegou ao “Chapare”, era um homem “feito e direito”, que tinha sobrevivido às secas e a fome. Sua mistura de calma, segurança e arrogância o transformaram no baluarte e a esperança dos pobres e esquecidos. No outro extremo, naquele norte onde os mexicanos dizem que está “tão longe de Deus e tão perto deles”, os olhos de Jorge Walker Bush parecem balançar entre a indiferença e o assombro, perante um mundo demasiado grande para ele. Sua história de farras e alcoolismo, de drogas e mulheres, foi aliviada com a fachada de um perfil de religioso ultraconservador. Seu sonho sempre foi ser dono de uma equipe de Beisebol e não político, mas ganhou dinheiro na participação em inúmeras transações comerciais, favorecidas pela proximidade com o poder, nas mãos de sua própria família, que traçou seu destino. Sua história pessoal se confunde com suas atitudes presidenciais. Em oito anos seqüestrou seu país e o mundo. Arrasou as liberdades individuais, apoiou a tortura como método, encarcerou supostos terroristas sem amparo legal, e suas principais medidas foram baseadas em mentiras. A confusa batalha contra o terrorismo deixou um mundo mais perigoso e assustado. Foram inventadas guerras sem sentido com um saldo de mortos intolerável. O antiamericanismo se estende perigosamente pelo planeta. Vale a pena comparar o roteiro de vida de ambos personagens. Um deles representa o mal-estar dos excluídos, o outro atualiza uma tragédia histórica, que precisará de várias gerações para ser recomposta.
Victor Alberto Danich - Sociólogo
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