sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

O EMBLEMA DO CHE


Perante certas manifestações com relação às medidas adotadas pelo governo para estimular a economia, de modo a salvaguardar o país da crise global, principalmente aquelas que tratam tais iniciativas como inescrupulosas, argumentando que o incentivo ao crédito pode ser caracterizado como um “banditismo contra os que não pensam”, parece-me uma crítica carregada de preconceitos na direção dos setores mais pobres da sociedade. Omite-se, nesse caso, que desde 2007, por causa do crescimento da economia nos moldes citados, a multiplicação dos milionários no Brasil se expande à razão de 19 por dia. Tal fato é resultado do crescimento do Produto Bruto Interno (PIB) e das taxas de consumo, que se estende a toda população. A pergunta seria: Por que os ricos podem ter acesso ao consumo e os pobres não? É errado diminuir os impostos para desonerar os produtos? Não era isso que a população reivindicava? Vou esgrimir uma resposta: a economia política não é uma ciência neutra, seus postulados teóricos, prognósticos e receitas são fortemente influenciados pelos interesses de classe. O que orienta certos comentários não é a ciência econômica, e sim juízos de valor que criminalizam ações distributivas. Esses dias, um grande amigo meu, mas dialeticamente opositor, me perguntou em tom de gozação por que colei o emblema do Che Guevara na caçamba da minha camionete. Na verdade, o que deveria questionar seria minha origem burguesa igualzinha ao Che. Nesse caso, farei a justificativa sem conotação acadêmica. Será feita através de uma pequena história, sem recorrer aos “clichês” de autoajuda, bem longe da minha praia, e que todo bom entendedor poderá interpretar.   
Uma senhora de classe média alta, professora universitária com pós-doutorado em História, estava aguardando o próximo vôo para Curitiba no aeroporto de São Paulo. Nesse intervalo comprou um pacote de bolachas para saborear na espera. Próximo dela sentou-se um rapaz de mochila e bem vestido, com uma camiseta que tinha o emblema do Che Guevara. Num momento determinado, o garoto abriu o pacote e pegou uma bolacha para comer. A professora indignada observou-o atônita – Olha que desfaçatez – pensou – como é possível uma coisa dessas. Como pessoa acostumada à discrição condizente à sua classe social, usou a alternativa de também pegar do pacote uma bolacha para comer, sem questionar a atitude de seu ocasional acompanhante. Uma situação engraçada, por sinal. Sentados lado a lado, sem olhar-se e compartilhando as guloseimas. É claro que o desconforto maior era da professora. Mas, nessa altura, fazer o que? E assim foi até o final.
Pela regra matemática a última bolacha corresponderia ao rapaz descontraído. Foi assim que ele pegou a bolacha, a dividiu ao meio, deixou exatamente a metade no pacote e foi embora alegremente. Claro que a professora ignorou a gentileza. Mas teria uma história bastante extravagante para contar a seus colegas da universidade. Quando chegou a hora de embarcar, a professora encarou a fila rumo ao avião. Caminhou pelo corredor até localizar seu assento. Abriu o bagageiro e, quando tentou colocar a bolsa no mesmo, caíram seus pertences, entre eles o pacote de bolacha intacto que tinha comprado no Café do aeroporto.
Victor Alberto Danich
 Sociólogo

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