quinta-feira, 2 de abril de 2009

CAPITALISMO DO MEDO

No início dos anos noventa, em conversa nos corredores da Universidade Federal do Rio de Janeiro, dizia para meus colegas de Mestrado que a globalização econômica era uma armadilha de alguns poucos para ganharem dinheiro de forma piramidal. Em resposta, era tratado como um “dinossauro comunista”. Como se colocar em contra, diziam, de um modelo que prometia prosperidade para todo o mundo? Hoje, de acordo com os acontecimentos recentes, a resposta surge nítida até para aqueles que estão longe do hermetismo econômico. O neoliberalismo, com suas artimanhas, criou do nada uma sociedade dual, estruturada num verdadeiro apartheid social. Um modelo no qual existe um pequeno setor de integrados e outro que vai ficando completamente excluído. Sua característica hegemônica, o transforma num modelo com formato de dominação de classe, adequado às relações econômicas, sociais e ideológicas contemporâneas. Impondo tal ideologia no senso comum da sociedade, tal modelo se institucionaliza. Interpretado como processo normal, ninguém era, até agora, capaz de criticar uma geração de executivos descontrolados e gananciosos, que eram capazes, como no caso dos seis diretores do Lehman Brothers, apesar da crise, dividirem entre eles um bônus de US$ 150 milhões. Ou como o falido Bear Stearn, que entregou US$ 40 milhões para seu presidente antes da queda. A recente descoberta pelo governo americano, da distribuição de 18 bilhões de dólares em bônus para os executivos dos bancos privados, traz a tona a pouca vergonha do modelo econômico capitalista. Num ambiente dessa natureza, a tentação para o risco, torna-se irresistível, até porque, depois do desastre previsível, não existe possibilidade de que o picareta de colarinho branco seja obrigado a devolver o que ganhou. A suposta competência globalizada possui características selvagens. Não existe outra regra que não seja a força bruta daqueles que dispõem de grandes massas de capital líquido para fazê-los jogar especulativamente nos mercados, às vezes por um ou dois dias. Um mercado sem regras e sem um Estado vigilante, não pode, de forma rigorosa, ser competitivo. Na selva reina o mais forte, e não existe sentido em dizer que há igualdade de concorrência entre o leão e a gazela.
Não há nada de triunfal na confirmação das minhas suspeitas explícitas duas décadas atrás. O importante é saber se existe a coragem de insistir numa questão nada marginal para a consolidação dos regimes democráticos: O que fazer com as vítimas do neoliberalismo? Como construir uma democracia estável e sólida sobre tão precários fundamentos sociais? Como podemos, os que fazemos parte do lado não glamoroso da sociedade, ter a certeza que podemos ir dormir sem medo de acordar num mundo ainda pior?
Victor Alberto Danich
Sociólogo – vadanich@unerj.br

3 comentários:

  1. A globalização econômica, cultural, e por ai em diante, não é uma armadilha premeditada, mas algo inescapável devido o crescimento populacional e avanço tecnológico.
    A ser humano é um bicho advindo da floresta, e dentre nós alguns fazem o papel de presas e outros de predadores. Independente do modelo socioeconômico sempre foi assim, e sempre o será.

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  2. Exatamente senhor Ricardo,
    Se a espécie humana é resultado de uma experiência mal sucedida, que tem como desenlace uma contínua luta pela sobrevivência do mais forte, devemos admitir que somos apenas motivados pelo caráter mercantil dos prazeres individuais. Então, para que continuar seguindo o padrão do cristianismo como salvação de nossos atos? Não parece uma bela hipocrisia dizer que a crença em um Deus ou Filho superior não passa, como diria Marcuse “de um disfarce barato para nossa atitude gananciosa”?
    Se ainda existem pessoas que imaginam um mundo construído a partir de parâmetros diferentes, por que se render à ideia de que somos apenas animais predadores? Quer dizer que a trajetória cultural da humanidade deve ser jogada no lixo? E as pessoas que morreram lutando por isso?
    As lutas contra o colonialismo mudaram o mundo de pós-guerra. Novas formas solidárias de pensamento surgiram durante o estado de bem-estar social. Hoje estamos num momento de luta contra as trevas de um modelo econômico feroz, que só enriquecem alguns poucos.
    Não seria esta à hora certa de pensar numa mudança?
    Grato,
    Victor A. Danich

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  3. Victor,

    Entendo seu ponto mas também entendo o limite exposto pelo Ricardo. Para que a mudança proposta torne-se sólida e permanente, ela exige mais do que a pura consciência social pode proporcionar. Seria necessária uma mudança no instinto humano. Caso contrário, uma única maçã podre colocaria todo o cesto a perder. Não consigo ver forma de inibir isso em um ambiente democrático. Na verdade, penso que é exatamente isso que vem ocorrendo em todas as tentativas de revolução.

    Note que não defendo o capitalismo de forma absoluta, mas proponho que uma transição democrática é inviável. O instinto humano dá um jeito de transformar qualquer sistema em um sistema de vantagens e desvantagens. De tira e põe. De ganha e perde. Por isso, e por considerar uma transição não democrática como igualmente inviável, não vejo como estabelecer uma revolução dessa magnitude. Não se trata de revolução do pensamento, mas do instinto.

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