quarta-feira, 29 de julho de 2009

VIVA O CÂNCER!

No dia 26 de julho de 1952, ao meio-dia, Eva Duarte de Perón entrava em coma. Ao anoitecer, quando finalmente morre, “Evita” entra para a imortalidade. “A Eva” – como a chamavam, quase com repugnância, aqueles que a excluíam do paraíso social – é a clara materialização da luta de classes. Se tivesse sido somente uma bastarda ambiciosa, ou uma especuladora, ou, se tivesse construído uma vida impecável e altruísta, sem aqueles excessos tipicamente humanos, não haveria alcançado a dimensão histórica que teve. No entanto, o pior de tudo é ficar cristalizada na figura reversa que mostra a cara de uma puta ou de uma virgem, segundo a ideologia do observador. Sua origem pobre, sua arbitrariedade, sua garra e sua patética luta contra o “destino”, está fixada no seu verbo exasperado, na sua palavra irreverente, na sua justiça primitiva e na sua imolação. Por que atacam a Evita Profana? Porque seu derradeiro primitivo e sanguíneo desajusta a racionalidade burguesa. Resulta indigno e intolerável. Evita é como o parente pobre; provoca repúdio e mal-estar pela exigência de mudanças; encoleriza com sua “irracionalidade”. Ela fere aqueles que se aferram aos privilégios e se reconhecem nesse gozo egoísta. No entanto, por que tantos cantam o nome da “sagrada Evita”? Porque o mito desperta compaixão, mas não incomoda. Seu incendiário discurso (pobres, luta, povo, excluídos, imperialismo) já não representa qualquer perigo. Ela, a santa, a virgem, é “algo belo que tivemos e que nunca mais teremos”. Só resta chorar.
Porém, Evita não é um mito. É a própria encarnação da utopia. Uma fervorosa utopia traduzida numa desesperada procura de justiça, num obstinado reconhecimento do direito do outro, numa profunda vocação inclusiva através de um otimismo militante. A Evita não lhe assiste a razão, senão a paixão. Astúcia, paixão, sangue: todas as palavras femininas, vinculadas ao primitivo, ao selvagem, ao censurável. Ela sonhou com “voltar e ser milhões”. Não contou com a astúcia da razão pós-moderna, nem com a tirania dos economistas. Não contou com a incompreensão daqueles que a odiavam. Sempre pensou que poderia ser respeitada pelos seus sonhos. O nome de Evita transformou-se na imagem do Estado Benfeitor. Enquanto começa a cimentar-se o mito da santa, alimentado pela tragédia de sua doença e sua virtual imolação na plenitude da vida, seus algozes se deleitam escrevendo nas paredes, nos recantos dos bairros elegantes de Buenos Aires, a frase que condensaria a raiva das elites argentinas: “Viva o câncer!”. Na medida em que crescia a desfaçatez opositora, mais se reafirmava o amor dos pobres. Suas últimas palavras foram para Perón: “Juan, cuida dos operários, e não te esqueças dos mais humildes. Por eles, vale a pena continuar lutando”.
Victor Alberto Danich - Sociólogo

Um comentário:

  1. Evita foi a dicotomia dos Argentinos. De prostituta a santa sem ser nenhuma das duas. Vivas!.Também tivemos uma, mas não foi para a história.

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