quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

TEMOS QUE APRENDER COM CHILE

Estas foram às palavras de Álvaro Uribe, presidente da Colômbia, durante uma visita a Santiago, na qual assinou com Michelle Bachelet um acordo de livre comércio. “É um exemplo para Latino América e para o mundo” arrematou José Luis Rodriguez Zapatero em Madrid. A mais notável afirmação foi feita pelo outro lado do espectro ideológico. George W. Bush expressou sua admiração perante o então presidente chileno Ricardo Lagos: “Chile é incrível”. De que maneira este pequeno país seduziu o mundo? Qual o segredo de seu êxito? Como logrou tanta prosperidade? A resposta é muito simples: com um cedo e feroz neoliberalismo. Em 1973, a ditadura de Augusto Pinochet realizou uma transformação radical da economia chilena. A eliminação da política como condição preliminar para formular um novo modelo de crescimento para fora, centrado em receitas neoliberais, por meio de um acentuado impulso exportador, além da reorientação da macroeconomia com profundos cortes fiscais e privatizações maciças, fizeram avançar o país rumo a uma abertura econômica totalmente desregulamentada. Os governos que lhe sucederam acentuaram o êxito econômico de tal modelo, tanto, que a Estatal Codelco, mineradora de cobre, em 2007 aportava ao governo chileno um milhão de dólares... por hora!
Neste momento de crise mundial, o modelo chileno mostra suas incertezas. A principal se resume na prática exportadora de produtos primários, que representam 80% das exportações, das quais o cobre ocupa 40% desse total. Desse modo, o desenho exportador baseado em matérias primas e manufaturas elaboradas a partir das mesmas, dificultam a distribuição dos benefícios a todos os setores sociais. O segundo ponto fraco do modelo é a desigualdade gritante, que separa em quatorze vezes a distância entre os 20% dos mais ricos e os 20% mais pobres da população. Por se tratar de um sistema totalmente privatizado, a população de classe média não consegue se incorporar ao consumo de forma plena: o custo da universidade é alto, as tarifas são caras e o sistema impositivo provadamente perverso, que permite a existência de uma estrutura tributária no qual os ricos praticamente não pagam impostos.
A exuberância do modelo neoliberal funcionava através de pirâmides financeiras, que prometiam prosperidade para todos. Milhões de pessoas acreditaram no “canto da sereia” porque conseguiam consumir as migalhas do sistema. Mas essas iscas apenas escondiam a verdadeira fonte das riquezas acumuladas, que era a especulação financeira desregulamentada e parasitária. Os picaretas neoliberais caíram na sua própria armadilha. Muitos deles continuam ricos e mimetizados, outros perderam tudo ou estão presos. O Chile dos Boys de Chicago está pagando o preço por confiar nesse modelo suicida.
Victor Alberto Danich - Sociólogo

quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

O FIM DE UMA ERA TRÁGICA

O presidente eleito dos EUA, Barack Obama propõe um enorme pacote de gastos e redução de impostos, de modo a estimular a economia de seu país. Por outro lado, a oposição republicana teme que tal iniciativa abra caminho para uma nova era de gastos públicos descontrolados. Tal discurso resulta irônico para um governo que transformou a liberdade irrestrita do mercado, apesar dos riscos, numa fórmula única. A reunião do grupo dos 20, que aconteceu em novembro de 2008, e reuniu os países industrializados com os emergentes que procuram um lugar ao sol, nem sequer cogitou na agenda de reunião, por parte do governo Bush, a alternativa da aplicação de políticas públicas utilizando a máquina do Estado.
Só a pressão de Obama parece ter influenciado para que o resgate passe parcialmente pelos setores de classe média que ficaram prisioneiros do descomunal desastre. O sucessor de Bush, que assumirá a presidência alavancada pela crise, evidenciada pela impotência dos altos setores conservadores para deter-lo, força uma mudança de rumo que seguramente abandonará o caminho que converteu os Estados Unidos na vitrine de uma tragicomédia econômica.
Jorge Walker Bush deixa a presidência com uma descomunal dívida interna e um déficit fiscal de mais de dez bilhões de dólares. Segundo os dados do Escritório de Censo de População, durante a gestão do governo republicano, o número de norte-americanos que vivem na pobreza, cresceu 28% entre 2000 e 2006. O informe do Ministério de Agricultura sobre a segurança alimentar, registra que mais de 35 milhões de pessoas sobre o total da população que habita os Estados Unidos (300 milhões) sofrem fome crônica. Desse total, 12,6 milhões são crianças, ou seja, 20% da população infantil norte-americana. Segundo os dados da Central Obreira AFL-CIO, os ingressos reais de um trabalhador foram mais baixos em 2005 do que em 1973. Os salários reais cresceram 9% desde 1979, enquanto a produtividade durante esse período cresceu 67%. Desse modo, em 2006 existiam cinco milhões de pobres a mais do que em 2000, início do governo Bush. Tal cifra inclui um milhão de crianças.
O panorama atual, na véspera de sua saída, mostra que o ingresso nacional concentrado nos 20% mais ricos, chegou a 50,4%, a maior acumulação registrada desde 1967. Por outro lado, o 20% mais pobre divide o 3,4% dos ingressos. Difícil de acreditar no país do Mickey?
O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD verificou que o dinheiro empregado na invasão do Afeganistão e Iraque seria suficiente para acabar duas vezes com a fome no mundo. Nem sequer o Tio Patinhas seria capaz de orquestrar tamanha tragédia humana apenas para ganhar dinheiro.
Victor Alberto Danich - Sociólogo

VIDAS E DESTINOS OPOSTOS

Na década de 80, vários militares bêbados golpearam um plantador de coca, que morava no altiplano boliviano, e que não aceitava ser chamado de narcotraficante. Açoitado salvagemente, foi queimado vivo em meio aos gritos de terror. Evo Morales, muito jovem, olhava a cena sem entender. Tinha nascido em Orinoca, no departamento de Oruro, onde o frio penetra a pele como agulhas, e onde as pessoas caminham curvadas, como se quisessem passar despercebidas. De família extremadamente pobre, na qual quatro dos sete irmãos morreram antes de nascer, e vivendo numa casa de barro que gelava durante a noite e calcinava os ossos durante o dia, apenas se pensava em sobreviver. A comida escassa se limitava a macarrão fritado e chá para beber. Quando estava com fome, Evo se aproximava da estrada e comia as cascas de banana e laranja que os passageiros lançavam pelas janelas dos ônibus que atravessavam o altiplano. Nos anos setenta, Morales atravessou a fronteira de Argentina para trabalhar nas safras de açúcar, aproveitando para se inscrever na escola local. Quando voltou para Oruro, completou o segundo grau com a ajuda de diferentes trabalhos, de pedreiro a padeiro e trompetista da Banda Rela Imperial. Finalmente, quando depois de vários anos chegou ao “Chapare”, era um homem “feito e direito”, que tinha sobrevivido às secas e a fome. Sua mistura de calma, segurança e arrogância o transformaram no baluarte e a esperança dos pobres e esquecidos. No outro extremo, naquele norte onde os mexicanos dizem que está “tão longe de Deus e tão perto deles”, os olhos de Jorge Walker Bush parecem balançar entre a indiferença e o assombro, perante um mundo demasiado grande para ele. Sua história de farras e alcoolismo, de drogas e mulheres, foi aliviada com a fachada de um perfil de religioso ultraconservador. Seu sonho sempre foi ser dono de uma equipe de Beisebol e não político, mas ganhou dinheiro na participação em inúmeras transações comerciais, favorecidas pela proximidade com o poder, nas mãos de sua própria família, que traçou seu destino. Sua história pessoal se confunde com suas atitudes presidenciais. Em oito anos seqüestrou seu país e o mundo. Arrasou as liberdades individuais, apoiou a tortura como método, encarcerou supostos terroristas sem amparo legal, e suas principais medidas foram baseadas em mentiras. A confusa batalha contra o terrorismo deixou um mundo mais perigoso e assustado. Foram inventadas guerras sem sentido com um saldo de mortos intolerável. O antiamericanismo se estende perigosamente pelo planeta. Vale a pena comparar o roteiro de vida de ambos personagens. Um deles representa o mal-estar dos excluídos, o outro atualiza uma tragédia histórica, que precisará de várias gerações para ser recomposta.
Victor Alberto Danich - Sociólogo