segunda-feira, 9 de julho de 2012

O SOCIALISMO COMO EXPERIÊNCIA COGNITIVA

Falar de socialismo na atualidade não é apenas uma mera retórica academicista e sim a revelação pública de uma prática realizada por meio de ferramentas sociais aplicadas e incorporada pelo próprio capitalismo de pós-guerra. A social-democracia é o exemplo mais claro dessa conceituação. O paroxismo da Guerra Fria dos anos 50 escondeu para o público menos atento as mudanças da economia política que aconteceram no ocidente durante o breve século vinte. Desde as lutas contra o colonialismo até as ideias reformadoras que mudaram a cara do liberalismo econômico do Laissez-faire, que defendia como versão mais pura de capitalismo, aquela no qual o mercado devia funcionar livremente, sem qualquer interferência, principalmente do Estado. Tal conceituação mostrou-se errônea na deflagração da crise de 1929, que se repete de forma similar na atualidade, porém com intensidade muito maior. Basta relembrar que na década de 30, o economista inglês John Maynard Keynes, demonstrou que o mito do mercado auto-ajustado tinha perdido seu sentido ideológico perante a crise, e provou que a interferência do governo na economia através da tributação, dos empréstimos e gastos, poderia salvar o capitalismo das crises cíclicas e do ataque das doutrinas comunistas. A publicação da “Teoria Geral do Emprego, dos juros e da Moeda” mostrou sua eficácia, tanto que foi o modelo adotado no ocidente pela social-democracia através do Estado do Bem-Estar. Curiosamente, Keynes, o salvador do capitalismo, era acusado de comunista.
No entanto, a prosperidade mundial de pós-guerra terminou por esconder a verdadeira origem desse processo. A Escola de Chicago, revigorada pelo Consenso de Washington, voltou a impor nos anos 80 o modelo econômico liberal fantasiado de cara nova. Os gestores desse processo, chamado de “destruição criadora”, Margaret Thatcher e Ronald Reagan, conseguiram transformar os Estados em espectadores falidos, em soberanias apenas nominais, incapazes de sustentar o consumo social, facilitando a desregulamentação, liberalização, flexibilidade, alivio de cargas tributárias e facilitação das transações no mercado financeiro imobiliário e trabalhista, abandonando grande parcela dos trabalhadores à sua própria sorte, condenados sem qualquer sensibilidade a um perverso processo de exclusão social.
Nessa mágica financeira, a única tarefa permitida ao Estado era a realização de um “orçamento equilibrado” deixando ao “ímpeto explorador das corporações” a tarefa da inexorável disseminação das regras do livre mercado. O resultado dessa aventura pode ser observado claramente na atualidade, no seu fracasso retumbante em grande parte do planeta. Por que então os detentores do poder são incapazes de mudar essa situação? Simplesmente porque são os beneficiários diretos desse modelo. As grandes fortunas acumuladas durante estes últimos 30 anos de vigência de uma economia neoliberal, centradas na especulação financeira, muito distante do trabalho produtivo, apenas funcionaram como concentradoras de renda para uma aristocracia globalizada composta de no mais de 360 indivíduos, possuidores de 42% do PIB mundial em suas mãos. Tal acúmulo corresponde a 2,3 bilhões de seres humanos que vivem abaixo de uma linha infernal de pobreza. Imagino que não é esse o capitalismo que queremos. Ou sim?
Um empresário da nossa cidade, pelo qual curto um grande apreço, disse-me no final de uma palestra se o que eu pretendia era que os ricos entregassem seu patrimônio para os pobres. No entanto, eu nunca cogitei coisas dessa natureza. A única maneira de diminuir a desigualdade social é através de políticas públicas de distribuição de renda. Quem é capaz de realizar essa tarefa é o Estado, soberano e democrático. Foi o que tentou fazer o melhor presidente que os Estados Unidos de Norte-América já tiveram – Franklin Delano Roosevelt – durante a crise de 1929. É bom recordar que as elites conservadoras daquele país acusavam-no de ter ligações com os socialistas. A Europa e a Ásia se saíram melhor na aplicação dessas políticas durante o período de crescimento dos anos seguintes à guerra, bem antes de serem atacadas pelo cassino globalizado da década de 90. São justamente essas políticas públicas vigorosas de inserção social que fazem com que o Brasil possa se blindar contra a crise. Não existe nada de sobrenatural nessa afirmação, apenas a reconversão de um modelo monetarista para um novo paradigma desenvolvimentista com distribuição de renda, defendido na atualidade pelo economista Delfim Neto, que, por sinal, para quem não sabe, um grande estimulador da política econômica do nosso país, nos moldes do pensamento de Raúl Prebisch e Celso Furtado.
O desconhecimento dos processos econômicos ao longo da história é causado pela divulgação de dados fragmentados, que impossibilitam questionar a natureza dos próprios modelos vigentes. O obscurantismo ideológico termina confundindo as pessoas que não tem acesso a pesquisas sérias, aquelas que circulam nos meios acadêmicos ou especializados, encarregados de monitorar a circulação do capital financeiro no mundo e suas aplicações, que não são necessariamente no setor produtivo. Desse modo, os indivíduos que apenas acessam a dados dimensionados de forma confusa e burlesca, não percebem que estes mascaram a verdadeira natureza do capitalismo financeiro. A divulgação de “clichês” contextualizados numa parafernália economicista acaba reforçando o próprio sistema, que se apresenta como o único modelo a ser seguido. Por não atacar a fundo o problema principal, que é a concentração da riqueza de maneira monstruosa por uma elite transnacional invisível, longe de qualquer suspeita daqueles que constroem a riqueza deste mundo, as informações se esvaziam do seu conteúdo crítico. Essa é a razão porque alguns indivíduos sentem-se atingidos no cerne de sua própria trajetória empresarial, imaginando que com a construção deste discurso tenta-se criminalizar-los. Nada mais distante. Só basta ler com maior atenção os economistas premiados com o Nobel em 2001 e 2008 respectivamente, Joseph Stiglitz e Paul Krugman, para perceber o eixo de suas críticas ao modelo neoliberal, que os configura como defensores de um capitalismo produtivo, aquele que investe seus recursos no atendimento do consumo social. Qualquer modo de produção que crie bens e serviços direcionados a atender as necessidades da sociedade, fomentando o virtuosismo do trabalho na consolidação da renda e do emprego, de modo a contribuir com a inserção daqueles que ajudam a construir o patrimônio de uma empresa e de uma nação, sempre será bem-vindo.
No entanto, a ação política, além da gestão burocrática e econômica deve, antes de tudo, cumprir um papel conscientizador, já que não existe para os homens e mulheres atuais, outra determinação mais importante do que aquela que surge desta premissa, porque a historicidade do ser humano sempre foi a reprodução de etapas superiores de sua própria humanidade. Tal melhoria como máxima exteriorização de “um comportamento ético”, deve ser, por outro lado, uma atividade direcionada para o exterior. A superação do “ethos” só existe no marco do desenvolvimento das relações externas entre os indivíduos. A atividade transformadora direcionada para o “exterior” é o campo da política, porque o problema do poder totaliza a questão vital da realização humana de cada sociedade. Quando isso não acontece, castra-se essa realização, porque não existe nela a criatividade que transcenda o interesse individual; a criação se direciona a competição com os outros, se expressa na individuação em detrimento do coletivo, no lugar da individuação como enriquecimento do social. A resolução entre as duas formas da consciência: a implícita na prática, que é coletiva e, a outra, superficialmente explícita, expressa uma conjunção de esforços a partir de uma atitude não crítica, que entra em contradição com a primeira porque toda prática significa a ruptura da situação, enquanto a segunda é a legitimação daquilo que não se discute. A resolução dessa contradição resulta numa consciência crítica, uma compreensão da realidade de classe, do indivíduo e das condições dele como sujeito. Surge daí uma prática diferente, porque a atividade transformadora é direcionada a mudar o sistema de poder que legitima essa realidade opressiva. A compreensão crítica viabiliza uma consciência de identificação e ideologia, já que a imaginação precisa da “hegemonia popular” como única forma de universalizar a liberdade humana. Esta é uma concepção do mundo superior e coerente, consolidada na comprovação de que as lutas pela hegemonia, em diversos momentos históricos, sempre teve como resultado um processo de libertação do ser humano. Por isso, apesar de ser identificado como folclórico, continuo acreditando no socialismo.
Prof. Victor Alberto Danich
Sociólogo

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