Pressionada pela derrota eleitoral do seu partido, o CDU democrata-cristão em seis eleições estaduais, a primeira ministra Angela Merkel anda falando numa agenda de crescimento. Isso envolveria – contrariando os defensores da austeridade fiscal – investimentos públicos para sair da armadilha do desemprego e reativar os processos produtivos. Quem diria. Depois de perder no maior Estado, a Renânia do Norte-Vestifália, sua terra natal, a ministra vive assustada em ser ultrapassada por uma coligação do Partido Verde com os socialistas e outras forças de esquerda. Por causa da cuidadosa propaganda dos círculos conservadores alemães, de que a unificação com o país oriental prejudicou a Alemanha Federal – em razão do seu esforço para subsidiar a transformação da ex-economia comunista – é bem possível que muitos desconheçam os fatos que tiveram um resultado inesperado após a caída do Muro de Berlin.
A euforia despertada pela derrocada do comunismo e a sonhada unificação terminou por esconder uma crise muito mais profunda. Na verdade, foi Alemanha Oriental que “subsidiou” à Ocidental através de uma gigantesca transferência líquida de riqueza em benefício de empresas e grupos especulativos, por meio de um sistema de apropriação em larga escala. Um deles foi a “restituição” maciça de propriedades, em geral a cidadãos da parte ocidental. Dessa forma, perto da metade da população oriental perderam suas casas. Essas “restituições” e “privatizações” fizeram com que a maior parte do patrimônio imobiliário da ex-república passasse para mãos do ocidente, o que sustentou seu consumo e seus investimentos. Tudo isso foi acompanhado pelo desmantelamento do tecido produtivo da Alemanha Oriental. A Treuhand, organismo encarregado de administrar as empresas estatais dos territórios anexados, teve a sua disposição 30 mil empresas (quatro milhões e meio de assalariados), cuja liquidação, realizada de forma brutal em meio a negócios turvos, terminou beneficiando a grupos reduzidos do Oeste, deixando sem emprego mais de três milhões de pessoas. O que aparentou ser uma generosa e patriótica integração do Leste, na realidade foi uma imensa depredação em benefício das classes altas do Oeste. A estratégia montada sobre a base das privatizações e desmantelamentos industriais, além das transferências de propriedades, permitiu que empresas da Alemanha Federal se apoderassem dos mercados da Alemanha Oriental e de países abastecidos tradicionalmente por esta última. Por outro lado, a equiparação cambial entre as duas moedas, sob a aparência de generosidade, provocou um aumento brutal dos custos das empresas da parte oriental, empurrando-as para a falência. A derrocada industrial dos irmãos pobres e comunistas era combinada com medidas de sustentação do consumo da parte ocidental, subsidiado com impostos pagos por toda população alemã. O resultado foi uma concentração de renda maior em ambas as Alemanhas. A senhora Merkel conhece muito bem o desenlace, assim como também do seu futuro incerto. Portanto, o afrouxamento cauteloso nos dogmas financeiristas é resultado da pressão dos eleitores dos diversos países chamados a opinar, assim como dos cidadãos indignados que lotam as praças das capitais européias, atentos às armadilhas do capitalismo do desastre.
Victor Alberto Danich
Sociólogo
O 'medo' da Sra. Merkel de perder o cargo é a forma comum e normal de alternância de poder em regimes democráticos que tanto apavora hoje os petralhas. Uma coisa que o Sr. V. ainda não percebeu é que, no capitalismo, propriedade significa responsabilidade que demanda competência, que a nomenklatura comunista nunca teve, e concentrou poder e riqueza muito mais do que qualquer elite capitalista. E foi por isso... ...
ResponderExcluirPrezado José Luiz,
ResponderExcluirNão tenho nada a acrescentar sobre o comunismo soviético, porque era um regime tão detestável como qualquer outro que se perpetua no poder para cuidar dessa "nomenklatura" privilegiada. Nisso eu concordo plenamente com o senhor. Nada melhor do que a democracia representada pelo Estado do Bem-estar social, que vigorou na europa na época de pós-guerra até o final dos anos setenta, quando ainda o capitalismo possuia traços de ética social. Não podemos dizer o mesmo do modelo neoliberal implantado nestes últimos 40 anos, que descambou na tragédia sem paralelos da crise de 2008, que ainda pode-se perceber no semblante desesperado dos habitantes de uma europa desempregada e sem auto-estima.