terça-feira, 14 de agosto de 2012

MUDANÇA DE ÉPOCA

Tudo começou com a caída do Muro de Berlim e a posterior implosão do bloco soviético. Naquele momento, a maioria dos países latinoamericanos davam os primeiros passos no caminho da recuperação democrática, num percurso em que o ciclo neoliberal se acentuava como alternativa econômica. Tal contexto criou a oportunidade para a chegada ao poder, poucos anos depois, de uma nova esquerda. O que parece uma incongruência possui uma explicação muito simples: desaparecido o risco de que os governos sul-americanos caíssem nas redes de Moscou na sua estratégia planetária, fez com que os Estados Unidos deixasse de se preocupar com seu tradicional fundo de quintal, embarcando em guerras longínquas. Desse modo, abriu-se um vácuo de influência em Sul-América – possibilitando um espaço de autonomia inédito – que permitiu um giro à esquerda que, num outro momento, de plena Guerra Fria, Washington teria desarticulado por meio de golpes de Estado, ação contumaz que todos conhecemos.
No entanto, ocorreu uma transformação fundamental, num giro histórico profundo que se manifestou num clima de mudança de época, que revela o desmoronamento de regímenes supostamente exitosos, além de uma sensação de angustia e perplexidade que levou às sociedades latino-americanas a explorarem novas alternativas políticas. A evidência é abrumadora.
Se em Sul-América vivessem cem pessoas, oitenta estariam sob governos de esquerda. Se Sul-América tivesse cem quilômetros quadrados de superfície, oitenta e um pertenceriam a países governados pela esquerda. Se o produto bruto sul-americano fosse de cem dólares, noventa seriam manejados por ministros de economia de esquerda. Mais ainda, se em Sul-América houvesse cem militares, sessenta e cinco teriam como comandante em chefe presidentes de esquerda. Se se produzissem cem barris de petróleo, noventa estariam controlados por governos de esquerda. O novo tempo político que vive a região, que alguns qualificam de giro á esquerda, e outros como um processo pós-neoliberal, não é resultado de um acidente histórico transitório limitado á alguns países, com é o caso da Revolução Cubana em 1959, o triunfo de Salvador Allende em 1970 ou a vitória Sandinista em 1979. A situação é diferente. Em pouco tempo, quase toda Sul-América deixou para trás a etapa neoliberal e escolheu líderes e partidos políticos que propunham um caminho distinto. Tudo gira, apesar dos problemas titânicos, sobre a construção de um novo modelo de desenvolvimento econômico, no qual a luta contra a pobreza e a desigualdade deveria se o parâmetro com o qual fosse medido o sucesso ou fracasso dos governos da nova esquerda. Mesmo assim, seus rasgos essenciais são assumidos como uma corrente política que prioriza, ante de tudo, a luta pela igualdade social – sobretudo em relação ao Estado e sua intervenção na economia – perante uma direita que concebe as hierarquias sociais como naturais e até positivas, sempre centradas apenas no mérito do esforço individual. De qualquer forma, trata-se de uma esquerda distinta, flexível, pragmática e reformista, que procura avançar lentamente na construção de sociedades mais justas. Nisso reside grande parte do seu paradoxo encantador, que mobiliza multidões carentes rumo a um futuro mais humano.
Victor Alberto Danich
Sociólogo

2 comentários:

  1. Infelizmente seus exemplos se limitam a povos que, por seu baixo nível cultural, são de um lado vulneráveis á lábia de voluntaristas ignorantes e incompetentes, além de demagogos. Culpando o 'Império' e fazendo uma grande farra com o erário público conseguem uma época em que a massa se esbalda com a esmola, mas um dia a conta chega...
    É claro que para esses povos, exemplos como os dos Tigres Asiáticos, Autrália, e por que não, Alemanha e Japão, destruídos pela guerra, não são considerados - são povos que alcançaram o desenvolvimento com muito trabalho e boa educação, dentro do capitalismo...
    Mas o modelo para os novos luminares é Cuba!!!
    Bom proveito!

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  2. Prezado José Luiz,
    Na verdade, o modelo não é Cuba, que é um país no qual não existe a propriedade privada dos meios de produção. Os países governados por uma nova esquerda democrática, que convive com um modelo de produção capitalista em todos eles, nada mais é do que a implantação de uma política econômica desenvolvimentista preconizada pelo CEPAL (lembre-se de Raúl Presbich e Celso Furtado), centrada no pleno emprego e no consumo interno, além de políticas públicas de inserção social.
    Por outro lado, o famoso milagre alemão e japonês tem a mão dos imensos capitais investidos pelos EEUU nos respectivos países para impedir o avanço dos comunistas. América Latina sempre foi condenada a receber as migalhas, como eternos produtores de matérias primas. No lugar de desemercer o esforço dos nossos governos para escapar de dependência orgânica, deveriamos lutar para defender a liberdade de construir nosso próprio destino.
    Atenciosamente,

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