quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

O CAPITALISMO DO DESASTRE

A afirmativa mais apreciada na nossa sociedade é que o capitalismo nasce da liberdade, e que o livre mercado desregulado caminha de mão dada com a democracia. Por outro lado, também existe um reconhecimento histórico de que o colapso da União Soviética deveu-se, não apenas pelo fracasso de suas forças produtivas, senão também pelos crimes cometidos em nome do comunismo. Mas vale a pena perguntar-se: O que houve por trás da cruzada contemporânea na defesa da total liberdade dos mercados? Será que a história oficial da construção de um mercado global livre de qualquer tipo de controle, escondia um capitalismo fundamentalista, nascido de um parto brutal através da violência e a coerção corporativista?
O efeito dominó que provocou a crise de 2008, que começou como financeira nos labirintos de Wall Street e se espalhou de forma macroeconômica no mundo todo, terminou-se configurando como uma crise humanitária de grandes proporções. A população que passa fome chega a um bilhão de pessoas e aumenta a todo dia. O Banco Mundial sinaliza que 400 mil crianças a mais dos que morrem anualmente por causas relacionadas à pobreza, morrerão em 2010 devido à crise. Tamanha tragédia que elimina 23 mil empregos por dia nos Estados Unidos, e que se propaga no mundo de forma acelerada, não é resultado de uma catástrofe natural ou de uma conspiração comunista. Ela é culpa do mesmíssimo sistema capitalista, e tem endereço certo: a economia norte-americana assentada nas bolhas do “subprime”, dos famosos derivativos e outros produtos financeiros criados magicamente por estelionatários de colarinho branco. Ainda assim, muitos continuam pensando que tudo isso é uma força virtual que nada tem a ver com indivíduos de carne e osso. Soberbo engano. Vamos desvendar as condutas antiéticas dos altos executivos financeiros, suas práticas impunes de maximização dos ganhos em curto prazo, apenas com o intuito de satisfazer sua cobiça desenfreada. O caso do Lehman Brothers, empresa de 160 anos de existência, levada à falência pelo seu presidente Richard Fuld, que havia recebido durante os últimos cinco anos um total de 500 milhões de dólares, tinha como garantia uma cláusula contratual que, caso fosse demitido, a empresa deveria pagar-lhe 65 milhões de dólares. Em poucos dias, após a quebra do Lehman Brothers, ocorre à falência técnica da maior empresa seguradora dos Estados Unidos, a American International Group – AIG, que em março de 2009 pagara 168 milhões de dólares em bônus aos executivos da divisão que causara o formidável estrago com suas operações de alto risco.
Vamos continuar com a devassa corporativista? Enquanto o Bank of America adquiria o banco de investimentos Merryl Linch, para salvá-lo da falência, seu presidente, John Tayhn, sabendo da operação, antecipou o pagamento com dinheiro do Estado, de bônus de 4 bilhões de dólares a seus altos executivos. O estressado presidente consolou-se, em plena crise, reformando seu gabinete ao custo de 1,2 milhões de dólares. Enquanto o Brasil se defendia com unhas e dentes da contaminação da crise através de políticas público-privadas de reativação econômica, os presidentes das três grandes montadoras de automóveis norte-americanas iam pedir desesperados ajuda multimilionária ao governo – em seus jatinhos particulares – cujo custo era sessenta vezes maior ao de uma passagem aérea na classe econômica. Sabem por que o presidente norte-americano perdeu a maioria no congresso? Porque fala a verdade a um povo que vive da promessa de riqueza ilimitada. Em 2009, o presidente Obama denunciou as corporações com as seguintes palavras: “usam o dinheiro do contribuinte para pagar suas remunerações, comprar cortinas ou se esconder nos seus aviões particulares”. Nada disso parece ter causado efeito numa sociedade alienada. No restante do mundo, governos se desintegram pela incapacidade de resolver a crise. A sociedade global exige mudanças, organizando-se em novas formas de crítica social, ressuscitando, por sua vez, do longo sopor ao qual foi submetida.
Victor Alberto Danich
Sociólogo

EDUCAÇÃO E MOBILIDADE SOCIAL

Recentemente, o exame do Enem foi noticiado com grande estardalhaço por causa dos problemas ocasionados na confecção dos gabaritos. A gráfica contratada produziu 10 milhões de provas, na qual houve um lote de 20 mil que saíram com erros de impressão. Nesse caso, o governo, depois de identificar os participantes prejudicados, fará uma nova prova através do método TRI, que permite aplicar os testes em dias diferentes com o mesmo grau de dificuldade. Resulta evidente que isso tornou-se um contratempo, mas é uma medida que evitará maiores gastos na aplicação da prova, sem prejudicar aqueles que deverão entrar nas universidades conforme o calendário estipulado. Por outro lado, a atenção centrada nos problemas do Enem, deixou passar despercebida a importante notícia com referência ao aumento de estudantes de baixa renda nos cursos universitários. A pesquisa do Data Popular, que é um instituto especializado em mercado emergente no Brasil, divulga que, pela primeira vez na década, jovens de baixa renda são maioria nas universidades. Este novo contingente de jovens que representa 73% dos universitários, fazem parte da primeira geração de suas famílias a conquistar um diploma de nível superior.
A pesquisa revela que os estudantes da classe D, originários de famílias que ganham menos de três salários mínimos ultrapassaram os filhos dos setores mais privilegiados da pirâmide social. A mágica desse resultado encontra-se no Programa Universidade para Todos – ProUni, que já atendeu nestes últimos seis anos a 747 mil estudantes de baixa renda. No período de 2002 a 2009, todas as faculdades, tanto públicas como privadas, já contabilizaram o atendimento de 700 mil estudantes da classe D, numa média de 100 mil jovens por ano. Resulta interessante destacar que oito anos atrás esta classe ocupava apenas 5% da totalidade das vagas nas universidades. Na atualidade, pelo contrário, eles representam 15,3%, enquanto os da classe A diminuíram de 24,6% para 7,3% durante o ano de 2009.
O estudo mostra também que entre 2002 e 2009, o número de estudantes universitários no Brasil aumentou de 3,6 milhões para 5,8 milhões, que representa um avanço de 57% na totalidade desse universo educacional. Nesse contexto, as classes A e B detêm 26,3% das vagas nas universidades, enquanto os estudantes das classes C, D e E representam 73,7% desse total. Por outro lado, o acesso à universidade representa para esses jovens um investimento muito pesado, mas que oferece a possibilidade de mudar de vida e ascender socialmente. No entanto, existe uma contrapartida por parte de empresas que realizam parcerias com o Centro de Integração Empresa Escola – CIEE, oferecendo uma ampla rede de apoio através de programas de bolsas em faculdades privadas. Tal iniciativa inclui o governo na sua principal vitrine da política educacional, aquela que permite que estudantes carentes estudem em instituições de ensino superior privadas com bolsa integral ou parcial, usando como contrapartida a isenção de tributos. Para finalizar, e retornando ao caso do Enem, é preciso entender que, apesar de suas falhas circunstanciais, este processo, mais do que uma avaliação do ensino médio, representa um mecanismo institucional de estímulo ao estudo, além de constituir-se numa extensa política de inclusão social. É possível que aquelas pessoas que sempre estão prestes a ridicularizar ou desmerecer qualquer ação governamental, não percebam que por trás de falhas humanas, sempre há uma nova oportunidade para refazer as coisas de modo correto. Nada melhor do que as palavras do Prof. João Monlevade, consultor do Senado Federal, ao dizer que o “Enem representa a transição da loteria dos vestibulares para a realização do preceito constitucional: a educação superior é um direito de todos, segundo a capacidade de cada um, e serve ao mesmo tempo para aperfeiçoar seus mecanismos avaliativos, com o aproveitamento democrático de todos os talentos”
Victor Alberto Danich
Sociólogo

terça-feira, 16 de novembro de 2010

CONVITE PARA UM CAFEZINHO

A crítica da presidente eleita Dilma Rousseff à política monetária do Banco Central dos Estados Unidos, que quer injetar 600 bilhões de dólares no mercado, de modo a desvalorizar a moeda como forma de beneficiar as exportações, está assentada na convicção de que a esperteza dos países ricos deve ser combatida com vigor. O posicionamento do Brasil com referência a atitudes similares tem, na história recente, algumas circunstâncias que merecem ser relatadas. O interesse dos EUA em implantar a Área de Livre Comércio das Américas (ALCA), que pretendia induzir aos países de América do Sul a suprimir todas suas barreiras aduaneiras, foi abortado pelo fracasso das políticas econômicas neoliberais criadas por Washington que, entre outras artimanhas, preservava para si as barreiras não tarifárias. Além do acesso aos mercados da região, o interesse era a obtenção de superávits comerciais para compensar a perda de competitividade dos seus produtos de exportação. A crise da Argentina em 2001 reforçou a consciência do governo brasileiro em não cair nessa armadilha comercial. Por outro lado, preocupado com a reaproximação da Argentina com o Brasil, um alto funcionário do Departamento de Estado norteamericano tentou desmanchar tal parceria estratégica, instigando a disputa entre ambos países. O então presidente Fernando Henrique Cardoso declarou nessa oportunidade: “Não é possível deixar a Argentina em crise sem dar a ela condições de sobrevivência. A Argentina foi aplaudida e fez tudo o que o FMI pediu. Agora vai ser punida?”
Nesse contexto, a atitude inescrupulosa de uma revista “conhecida” que se debruça na publicação de factóides circenses que deixam exaltadas as classes médias, omitindo ao mesmo tempo tudo aquilo que permitiria à nossa sociedade discutir com sobriedade o destino de um Brasil consensual, divide a mesma em disputas inúteis. Pouco se divulga sobre o seminário “Desafios, Oportunidades e Riscos da Globalização à Ordem”, que aconteceu em 2001, promovido pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), no qual o ex-presidente Cardoso diz o seguinte na abertura do mesmo: “é mais fácil ideológica e politicamente, negociar acordos comerciais com a Comunidade Econômica Europeia do que com os Estados Unidos”. Tal discurso reconheceu claramente, que as negociações com a União Europeia representavam menos riscos para a soberania do Brasil do que as realizadas para a formação do ALCA, pautadas apenas para atender os interesses das nações mais ricas. Durante a abertura oficial da Assembléia do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) em 2002, o então presidente Cardoso exigiu mudanças nos critérios técnicos do FMI para atender aos países em desenvolvimento, criticando as manobras contáveis destinadas a reduzir as possibilidades de crescimento destes. E acrescentou com aspereza nessa oportunidade: “Quando vamos discutir isto, o FMI nos trata como se fôssemos analfabetos”.
Os leitores sabem da minha admiração pelo presidente Lula, mas poucos sabem o respeito que tenho pelo sociólogo Fernando Henrique Cardoso. Respeito que é resultado do seu discurso na Assembléia Francesa em 2001, depois do 11 de setembro: “A barbárie não é somente a covardia do terrorismo, mas também a intolerância ou a imposição de políticas unilaterais em escala planetária”. Pode até ser sido retórica, mas a sua mensagem guardava, na sua essência, o desconforto da descoberta que as “relações carnais” com os poderosos deve ser eliminada do vocabulário econômico. Tal discurso foi o epitáfio definitivo da Área de Livre Comércio das Américas. O destino dos países do sul começou com essa mudança de atitude conceitual. A partir daí foram assentadas as bases para consolidar o futuro do Brasil como nação independente, mas com seus olhos colocados solidariamente nos nossos vizinhos. Quando o presidente Lula finalizar seu mandato, seria fantástico se aceitasse o cafezinho oferecido pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Tal bebida deveria ser a aliança simbólica que os torne amigos novamente.
Victor Alberto Danich
Sociólogo

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

ENTRE DEUSES E RELIGIÕES

A campanha deflagrada para o segundo turno se esvazia numa disputa inútil sobre fatos secundários com referência ao debate que importa. Encontrou-se uma brecha no campo das crenças para esconder as propostas que realmente interessam à população brasileira. Não há nada de novo nisso. Já aconteceu nas disputas passadas. A incitação ao pânico que pode provocar qualquer tipo de mudança, mesmo conceitual, termina eliminando o confronto de ideias que permitam traçar metas claras para o futuro do Brasil. Mais uma vez são veiculados aqueles discursos que falam de tabus e religiosidade, como se isso fosse a resolver o futuro econômico do país. Na berlinda desses condicionantes, continuam sendo usados os desgastados “clichês” de que primeiro tem que construir o bolo para depois reparti-lo. Quando de repente surge uma nova proposta de desenvolvimento com inclusão social, os concentradores do “bolo eterno” esgrimem o fantasma do socialismo, como se isso fosse uma alternativa diabólica, sujeita a ser destruída pela mão de Deus e outras formas de arranjos sobrenaturais.
O que se esconde nesse discurso próximo da inquisição religiosa da idade média? Apenas uma nova forma de combater e jogar no esquecimento as conquistas recentes do povo brasileiro. Nada melhor do que criminalizar as comparações entre dois modelos de gestão econômica postos em prática nestes últimos dezesseis anos. No caso concreto de gestão à frente da complexidade monumental de um país como o nosso, não existem nem “pastores nem rebanhos” apenas decisões acertadas ou não, que ocorrem no campo da vida e da economia real. Para entender tal processo, os leitores devem deixar de lado os “factóides” inundados de preconceitos, e focar sua atenção no que realmente aconteceu de melhor no Brasil nestes últimos anos. Apesar dos problemas que ainda castigam nossa sociedade, muito longe de serem resolvidos em curto prazo, vamos centrar-nos nas conclusões “das experiências e ações dos governos anteriores” avaliando a seguinte argumentação: Houve, na transição entre um governo e outro, dois modelos econômicos que entraram na pauta das alternativas para a construção de uma nova sociedade. Por um lado, era a continuidade indefinida do modelo imposto pelo Fundo Monetário Internacional na região, assentado em políticas profundamente recessivas, a um custo social insuportável e sem perspectivas de crescimento, e, por outro, a opção pela reconstrução do Estado como indutor de desenvolvimento por meio de políticas público-privadas, com forte inclusão social através de programas distributivos inseridos no tecido produtivo. Claro que essa modalidade não é invenção do atual governo. Entretanto, sua reestruturação através do Fome Zero e do Bolsa Família, ganharam uma nova configuração, porque são inerentes a uma política econômica com foco na transferência de renda de forma ampla. A qualidade destes programas encontra-se na sua própria natureza, livres do cerceamento dos ajustes monetários do modelo neoliberal. Atravessar uma crise mundial de forma inédita e criar 14 milhões de empregos com carteira assinada, elevando a padrões de classe média 70 milhões de brasileiros e tirando da pobreza absoluta outros tantos, espalhando a dádiva de luz e da casa própria para grande parcela da população, incorporando-os ao consumo de bens tantas vezes negados, é suficiente para discordar de que isso signifique uma degradação das instituições no Brasil. Ao contrário, se o povo humilde, consciente dessas mudanças, credita essas conquistas à intervenção divina, não está equivocado. Ao final, o placebo religioso está centrado na bondade do profeta Jesus Cristo e sua opção pelos pobres. Devem estranhar que diga tal coisa, já que muitos me conhecem como cético. Mas isso significa acrescentar um ideal nobre para os que lutam por um projeto humanístico, muito cercano aos fundamentos do cristianismo, infinitamente diferente daqueles que se mascaram de religiosidade e são incapazes de qualquer iniciativa solidária para com a pobreza anônima.
Victor Alberto Danich
Sociólogo

COMBATE A POBREZA

A notícia divulgada de que o Brasil lidera, pelo segundo ano consecutivo, o ranking que mede o progresso de países em desenvolvimento na luta contra a pobreza que, segundo o relatório da ONG ActionAid, é das políticas sociais adotadas pelo governo federal para reduzir a fome no país, entre elas os programas como o Bolsa Família e o Fome Zero, gostaria de acrescentar mais algumas considerações. Em primeiro lugar, não por acaso o Brasil é citado como um exemplo nesse tipo de iniciativas, centradas em políticas públicas de inclusão social. O sucesso destes programas está assentado em ações que envolvem 11 ministérios, destinados a ampliar o acesso à alimentação, o fortalecimento da agricultura familiar e, como medida inclusiva fundamental, a incorporação de processos de geração de renda e aumento das atividades produtivas na economia.
Muitos leitores dirão que ainda assim ocorrem gritantes distorções sociais, insistindo em que tais programas não passam de simples assistencialismo, porém sem questionar as imensas desigualdades históricas existentes entre os pequenos e grandes produtores de alimentos. Entretanto, a inserção social reforçada com políticas públicas a partir do Fome Zero, faz com que as famílias mais carentes, ao receberem os benefícios, possam ter acesso à alimentação e água, gerando ao mesmo tempo um impacto na economia local, já que nas regiões mais distantes, o dinheiro do programa representa até 70% da arrecadação anual do município. Como se pode observar, tais programas de transferência de renda não se encontram desvinculados das outras atividades econômicas que criam condições para o crescimento do país. O fato de que 22 milhões de famílias brasileiras pretendem até dezembro de este ano reformar ou construir uma casa, já é suficiente para atestar o funcionamento destas políticas governamentais.
As classes de menor renda beneficiadas pelos programas sociais, com destaque para aquelas que praticam o consumo “formiga” na aquisição de bens, mas que injetam dinheiro no mercado através do aumento da renda familiar e da maior oferta de crédito, faz com que as atividades produtivas cresçam vertiginosamente. Tanto é assim, que tal consumo no setor de construção, por exemplo, elevou a receita do setor para R$ 21,4 bilhões, correspondente a um crescimento da indústria de 20,3% durante o primeiro semestre de 2010 em relação aos períodos anteriores. Mais importante ainda, essa receita deve fechar o ano com alta de 15%. Por outro lado, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulga na sua última pesquisa que o potencial de consumo das classes que possuem renda média familiar de R$ 2.950,00 a R$ 5.350,00 respectivamente, encontra-se neste ano no patamar de R$ 970 bilhões, 30% a mais do que em 2009. Tal processo de mobilidade social injeta na economia um potencial de consumo de R$ 2,2 trilhões, que corresponde a uma expansão de 22% em relação aos anos anteriores. Para finalizar. Qual é o papel do intelectual vigilante com ações dessa natureza? A disposição de debater a abrangência de políticas públicas de inserção social, principalmente aquelas direcionadas aos setores mais carentes da sociedade, deve servir para conscientizar aos espectadores passivos da necessidade de um olhar sobre a pobreza no Brasil.
Essa perspectiva remete ao reconhecimento da grande desigualdade na distribuição de renda ainda existente no país, assim como a descoberta conceitual de que tal situação faz com que uma grande parcela da população esteja submetida a condições mínimas de dignidade e cidadania. Toda iniciativa direcionada para construir ações focalizadas nas famílias mais pobres deve ser entendida como um ato de solidariedade humana, e não como um desperdício econômico baseado apenas em juízos de valor marcados pelo preconceito de classe, tão perverso quanto o modelo neoliberal que vigorou absoluto nestes últimos quarenta anos.
Victor Alberto Danich
Sociólogo

O SIGNIFICADO DE LIDERANÇA

Seguramente o leitor encontrará nesse significado, do ponto de vista formal, um mecanismo de sustentação social reconhecido por sua obviedade, já que um líder é um indivíduo que dirige o grupo transmitindo ideias e valores para o mesmo. Mas o conceito de liderança excede essa formatação, no momento em que a mesma se transforma num compromisso público com a história. Nesse caso, um líder que se destaca por sua inteligência, por seu poder de comunicação e por suas atitudes, direcionadas à construção da igualdade, solapando as velhas estruturas de autoridade e hierarquia, respondendo aos anseios populares sem reverências, é um indivíduo que deve ser reconhecido como tal. Quando o líder nos indica o caminho para viver conforme nossa consciência, além da capacidade de atestar que a realidade da liberdade humana pode combater as supostas inevitabilidades da história, é que podemos dizer que essa escolha marca o caminho de um novo estilo e qualidade de seus seguidores. Tal conceituação sobre liderança está destinada a fazer algumas considerações sobre o nosso atual mandatário. Se por um lado, o pragmatismo leva-me a ultrapassar o caráter partidário, apoiando candidatos de partidos diferentes através do voto útil, por outro, sou um admirador incondicional do presidente Lula. E vou dizer por que.
Muita gente prefere ignorar que o brasileiro Luis Inácio da Silva, nascido pobre e humilde em Caetés, no interior de Pernambuco, em 1945, hoje presidente do Brasil, destaca-se como um dos indivíduos mais influentes de todas as personalidades globais. Na lista publicada pela revista Time, além de mencionar seu nome, o situa proeminente junto a homens de negócios, cientistas e artistas mundialmente conhecidos. A trajetória de Lula e suas deficiências de formação transformaram-se num símbolo contra toda forma de exclusão social, mas que ainda deixa transparecer nas opiniões de alguns setores elitizados, o pouco esforço em disfarçar o preconceito social e de classe. O silêncio desse segmento da sociedade perante o destaque mundial de um brasileiro mestiço, nordestino, de origem pobre e grande déficit de educação formal, os torna cúmplices de uma das piores qualidades do ser humano: o culto à inveja descabida. Muitos ex-presidentes sonharam em alcançar tal reconhecimento. Entretanto, apenas o presidente Lula, em toda a história das relações internacionais do Brasil, teve a honra de ser declarado o “Estadista do Ano”, com ênfase numa “personalidade original, de profundo caráter social e desprovido de complexos neocoloniais”.
Mais isso não é suficiente. Nosso presidente continua sendo ridicularizado por indivíduos que carecem de qualquer tipo de consciência ética, porque se mascaram nos bastidores da internet. Assim mesmo, muitos podem não gostar das minhas ideias. Posso escrever coisas que geram mal-estar. Mas não me escondo. Entro no campo de batalha de frente contra meus desafetos, mas nunca parto para humilhar-los ou desmerecê-los publicamente.
Da mesma forma, o presidente Lula deve ser respeitado. Não só pelo cargo que ocupa, e sim como um ser humano que, numa trajetória de lutas populares pela democracia, ajudou a modelar os rumos da política brasileira. As Nações Unidas, ao escolher o Bolsa Família como símbolo mundial de resgate dos desfavorecidos, coroa o fim do seu mandato.
Vou mais longe ainda. Admirar o presidente Lula não é fazer “culto à personalidade”, e sim reconhecer nele uma liderança que propicia a construção de um Brasil mais solidário, assentando as bases para o desenvolvimento com inclusão social. Essa conceituação encontra-se distante de imaginar nosso presidente como um líder infalível, porque a submissão total se degrada num mero ato religioso. Ela apenas significa o tributo que grande parte da população brasileira faz a uma pessoa que, por seu mérito político, ocupa o lugar que sempre foi restrito a uma determinada classe social, e sai dele fortalecido com a mais original das conquistas: vencer o medo através da esperança.
Victor Alberto Danich
Sociólogo

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

O DECÁLOGO DO TERROR

Mais uma vez as assustadas hostes conservadoras recorrem ao fantasma do socialismo para apavorar os leitores. Numa mágica ideológica tiram da gaveta o decálogo do comunista Lênin, publicado em 1913, de modo a aterrorizar os potenciais eleitores nas próximas eleições. Só indivíduos formatados no maniqueísmo da guerra fria podem ainda acreditar no retrocesso da volta ao passado. Não se deixe enganar caro leitor. Apenas preste atenção ao meu relato, por sinal, muito mais cercano da gente do que aquele decálogo ultrapassado pela história.
As pessoas que viveram a experiência das ditaduras militares dos anos setenta devem recordar, especialmente nos países do MERCOSUL, a implantação de regimes de terror por parte de governos de extrema direita. Lembrem-se de dois exilados ilustres que tiveram que fugir do Brasil naquela época, Fernando Henrique Cardoso e José Serra, entre outros.
O Plano de extermínio maciço de opositores aos regimes militares daquele período, atribuído a uma organização de extrema direita chamada “Operação Condor” entre 1974 a 1997, ajudou a restaurar a hegemonia estadunidense mediante um regime de terror nunca antes visto em América Latina. A primeira reunião da “Operação Condor” aconteceu entre novembro e dezembro de 1975, através de um encontro informal na casa do general Contreras, agente da Agência de Inteligência Chilena – DINA, no qual estavam presentes os chefes da Inteligência Militar de Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, de modo a organizar uma operação destinada a realizar um trabalho multilateral dos agentes responsáveis de vigiar, encarcerar, torturar e repatriar opositores aos diferentes regimes que vigoravam na época.
A “Operação Condor” usou, segundo documentos desclassificados pelo Pentágono e publicados pela Revista Cover Action (1996), os serviços de funcionários da CIA como do FBI ligados diretamente ao Departamento de Estado Americano, entre os quais estava o agente Michael Townley, que teve participação no assassinato do general chileno Carlos Prats em Buenos Aires em 1974 e do ex-embaixador Orlando Letelier e sua secretária em Washington em 1976. A Divisão de Serviços Técnicos da CIA cedeu equipamentos elétricos de tortura aos militares brasileiros e paraguaios, capacitando-os sobre como deveria ser graduada a intensidade da voltagem para não exceder a capacidade de resistência humana, a qual eram submetidas às pessoas torturadas. Argentinos e chilenos, que cursaram a tristemente célebre Escola das Américas, com sede no Panamá, já eram experientes nessas atividades. Nos corredores sinistros das ditaduras militares que tanto envergonharam nossas terras latino-americanas, ouvem-se ainda os gritos desgarrados de milhares de seres anônimos dos quais foram tiradas até as últimas gotas de dignidade humana. Grande parte dessa história de horror foi descoberta por casualidade. Em 1992, o juiz paraguaio José Agustín Fernandez que estava investigando a morte de um professor, que tinha sido torturado nas dependências da Secional Política da Polícia de Investigações de Assunção, encontrou todos os documentos originais da “Operação Condor” misturados aos arquivos locais, numa quantidade tão volumosa que foi necessário o uso de vários veículos para transportá-los a um lugar apropriado para a pesquisa jurídica. Mais ainda, a Escola das Américas (SOA) inicialmente estabelecida no Panamá em 1946 e logo transferida para Fort Benning, em Columbus, Geórgia, treinou mais de 60 mil soldados latino-americanos em matérias tais como técnicas anti-subversivas, tiro, mecanismos de extorsão, tortura física e psicológica, inteligência militar e técnicas de interrogação, contra-insurgência, defesa interna e operações antidrogas. Essa “Escola de Assassinos” supera amplamente o decálogo leninista divulgado às fartas, usado sorrateiramente como intento para iniciar uma “caça as bruxas” de modo a criminalizar o pensamento progressista, e fazer acreditar, ao mesmo tempo, que temos comunistas dormindo embaixo da nossa cama.
Victor Alberto Danich
Sociólogo