quarta-feira, 25 de novembro de 2009

A PROFECIA MAIA

Neste fim de semana assisti ao filme 2012, no qual o Cristo Redentor se desmorona aos pedaços por causa do colapso do nosso sistema solar. Num primeiro momento pensei que era a vingança norte-americana por não serem escolhidos, apesar dos esforços de Obama, para sediar as Olimpíadas de 2016 em Chicago. No entanto, percebi que a coisa era mais séria. Eles estavam vivendo a mesma tragédia, com seus primeiros sinais no Parque Nacional de Yellowstone. Enfim, os norte-americanos são especialistas em criar catástrofes convincentes, tanto na ficção como na vida real. O interessante do filme é que há alguns fundamentos científicos que explicam a tragédia, relatados num estudo realizado pelo herói do filme, um cientista negro e amigo do presidente, também negro. Isso é tão fantástico que deixa o coração mole! Os estudos Hollywoodianos são magistrais para digerir suas dívidas históricas.
Para entender tal situação é necessário saber como a mecânica quântica pode afetar a origem e o destino do universo. A temperatura é simplesmente uma medida da energia média dos tipos de partículas que fazem parte da massa estelar. Sob temperaturas muito elevadas, estas partículas se movimentam de maneira acelerada, ao ponto de escaparem de qualquer atração mútua devido a forças nucleares ou eletromagnéticas. Desse modo, a grandes temperaturas, as partículas teriam tanta energia que, ao colidir entre elas, produziriam sua aniquilação. Não seria o caso dos neutrinos, citados no filme, que são partículas extremadamente leves que sobreviveram às colisões do início da expansão do universo. Como os neutrinos apresentam uma massa própria e conservam o calor dos primeiros estágios do universo, são considerados pelos cientistas como uma “matéria escura”, com atração gravitacional suficiente para deter a expansão do universo e provocar um novo colapso, tal qual a profecia dos Maias relata em seus mitos sobrenaturais.
Ainda bem que a platéia pouco se importa com esses determinantes científicos. O foco inconsciente está centrado naquilo que Freud chamava de “Instinto de Tanator”, que é a compulsão para a morte, além dos sucessivos mecanismos psicológicos de sobrevivência, como a melhor forma de superá-lo. Por outro lado, conscientemente, o público fica imaginando como faria para juntar um bilhão de Euros, de modo a pagar a passagem para a salvação, indicando claramente como a ética protestante e o espírito do capitalismo se tornam presentes no filme. Nada melhor para demonstrar, apesar do desenlace espirituoso, como o marxismo, do ponto de vista filosófico, ainda é válido, tanto hoje como no futuro. Seria muito desonesto se dissesse que não estava torcendo para que “o cientista herói” se salve e termine conquistando a filha do presidente. Uma bela mulher como melhor prêmio para um final feliz, tanto para ele como para os espectadores presentes no cinema.
Victor Alberto Danich - Sociólogo

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

APAGANDO A MEMÓRIA

Num país dominado pelos contrastes ideológicos entre norte e sul, no qual os críticos de plantão fazem apologia de alguns problemas sazonais, para depois tentar esconder, por incapacidade ou frustração, as conquistas recentes realizadas pelos governos latino-americanos, buscam suas justificativas em aparentes juízos de valor, muito distante daquilo que a realidade nos mostra. O Brasil, apesar dos problemas que nos acossam, resultado de longas experiências econômicas fracassadas, encontra-se atualmente num momento virtuoso. Nesse contexto, a exaltação dos opositores em focar suas críticas nos problemas de gestão, dos déficits institucionais, do populismo, da concentração de poder e da corrupção, em nenhum momento centram no eixo de suas campanhas a procura da igualdade social e a luta contra a pobreza. Não por acaso os setores mais pobres da população se converteram na base política do atual governo. Sinto-me em desvantagem por estar colocando isto numa crônica, que seguramente passará despercebida por aqueles que gostam de cultuar as “economias de resultado”, bem ao gosto dos ortodoxos da riqueza. No entanto, o mal-estar dos saudosos do fracassado modelo neoliberal, confinados num delirante esquecimento mental, sofrem em digerir a nova reestruturação do pensamento no sul do continente. O que envolve tal descoberta? Muito simples: O desenvolvimento econômico e a democracia só são possíveis através da inclusão social. Aquela premissa de crescimento para depois repartir o “bolo” é coisa do passado reacionário e conservador.
Para finalizar, apesar de alguns me chamarem de “gringo”, por causa do meu sotaque, vou falar do meu país, que é o Brasil, e que parece não ser a pátria de muitos que aqui nasceram. Dizem-nos que o presidente Lula está surfando nos frutos das matérias-primas vendidas no exterior, ou comandando a economia nas bases sólidas do seu antecessor. Nada em contra. Porém, tal consideração raia no simplismo. O Brasil superou a pior crise econômica de pós-guerra investindo fortemente no mercado interno, e o que é essencial, através de políticas públicas de inserção social. Coisa que o gigante americano nem sonhou em fazer, enforcando-se na sua própria armadilha. O governo brasileiro, nestes últimos anos, construiu uma imagem de país consolidado, não apenas por sua potencialidade produtiva, senão por seu destaque em teses de doutorado publicadas internacionalmente. Nunca se investiu tanto em Ciência e Tecnologia através de editais do CNPq e Finep como agora. O presidente Lula é nomeado o maior estadista do ano e seus programas sociais são admirados e copiados profusamente no mundo todo. O que mais queremos? Concordo com a argumentação da existência da criminalidade e outras desigualdades. Talvez a resposta a esse interrogante esteja em que um pobre brasileiro demora um ano em consumir o que um rico gasta em três dias. Não é o atual governo o culpado disso. É a nossa própria e longa história de pesadelos e mesquinharias.
Victor Alberto Danich - Sociólogo

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

NOS BAILES DA JUVENTUDE

Muitos devem pensar, quando escrevo crônicas políticas, que passei toda minha vida sendo um carrasco intelectual encerrado num quarto em penumbras, inventando teorias da conspiração. Nada disso, quando jovem me divertia loucamente. Por outro lado, falar da gente em primeira pessoa é muito mais fácil e mais ameno. Por isso vou fazer um parêntesis ideológico e contar uma pequena história do final dos conturbados anos 60. Éramos uns dez rapazes alegres que se preparavam para ir nos bailes da periferia a conquistar corações. Montávamos um velho Ford 1938, que chegava rugindo com seu motor V8, fazendo estardalhaço na entrada das pequenas cidades no meio dos pampas argentinos. Os salões eram imensos, repletos de cadeiras e mesas ao logo da pista de dança. As músicas de Roberto Carlos se misturavam ao som estridente dos Beatles e cumbias colombianas. As moças exaltadas eram vigiadas de perto pelas mães ciumentas, que auscultavam os candidatos à dança com olhares desconfiados. A expectativa que causava a chegada dos marmanjos da cidade grande era inusitada. As donas de casa desesperadas não conseguiam segurar às filhas na sua libido pouco dissimulada. A adrenalina do gostoso corria solta. Eram os tempos em que à juventude começava a cortar as amarras da repressão sexual. A gente sabia aproveitar muito bem o jogo amoroso, assumindo a pose daqueles que chegam para arrasar as desprevenidas donzelas. É claro que não era tão fácil. Formando um fechado grupo de ataque, a turma se posicionava frente às mesas para convidar as moças a dançar. O primeiro passo era tentar superar, com cara de inocente, as instransponíveis muralhas montadas pelas mamães. A premiação para tal esforço sobre-humano era o sorriso de aceitação e a liberação para bailar da graciosa menina. A partir daí, metade do combate estava ganho. A segunda etapa era ficar longe dos olhares maternos para aproveitar uma apertadinha, quem sabe um beijinho fugaz. Devolver a filha para a mesa era o passaporte para a próxima rodada. Não era mole não. A gente tinha que suar mesmo.
Às vezes, tudo dava errado. Nas pequenas cidades ultra-conservadoras, nossa presença estava vedada. A comissão de mães “guardiãs da virgindade” faziam de tudo para que suas filhas não olhassem para a gente. O delírio chegava ao ponto de colocar os “nativos locais” para dar porrada no grupo, se fosse necessário. Estrategicamente, descartávamos tal localidade da rota amorosa de conquista musical. Nosso triunfo chegava um pouco mais tarde, quando aquelas mulherzinhas “guardadas zelosamente” eram enviadas para estudar na cidade grande. Justíssimo na “boca do lobo”, nosso território exclusivo. Foi assim que a gente foi construindo com elas nossa sexualidade, obstinada, irreverente, musicalmente libidinosa, inesquecível.
Victor Alberto Danich
Sociólogo

HOMENS QUE FALAM DE HOMENS

Quando os homens se encontram no boteco para tomar cerveja e cultuar a boa vida, quase sempre a conversa deriva para algum comentário sobre mulheres. Não existe nada de estranho nisso, já que serve como estímulo para derrotar a tendência por parte da sociedade em restringir a vida sexual dos indivíduos. Então, falar sobre mulheres faz bem a libido, principalmente porque o trabalho de civilização tornou-se cada vez mais um assunto masculino. Por que digo isso? Porque o homem não dispõe de quantidades ilimitadas de energia psíquica, e, para compensar-se, forçosamente deve realizar suas tarefas efetuando uma distribuição conveniente de sua sexualidade. Aquilo que emprega para finalidades culturais ou de trabalho, em grande parte o extrai das mulheres e da vida sexual. Sua constante associação com outros homens e a dependência de seus relacionamentos com eles o alienam, e o que é pior, terminam prejudicando seu próprio comportamento sexual. A forma inconsciente de expressar tal mal-estar pode ser encontrada no conteúdo das piadas que ocorrem no universo masculino. Tal brincadeira de forte conotação libidinosa, a maioria das vezes está centrada no desempenho sexual do sujeito, ou em qualquer outro tipo de atributos que possam ser medidos como garantia de sua masculinidade. Para o indivíduo sexualmente maduro, a escolha de seu objeto está direcionada ao sexo oposto isento de proscrição, restringido por certas limitações, apresentadas sob a forma da legitimidade monogâmica. O que ocorre nesse caso, quando a configuração social está delimitada por esses condicionantes?
As limitações sexuais de alguns homens, tanto biológicas como culturais, os faz pensarem de que existe um único tipo de vida sexual para todos. Medem o desempenho dos outros a partir de sua própria experiência particular, sem levar em consideração as dessemelhanças. Não conseguem resistir em fazer burla ou desmerecer aqueles que conquistaram a mulher que faz parte de seus sonhos eróticos, e que por sua própria obviedade, não podem ser concretizados. Nesse caso, lhes resulta impossível que exista alguma qualidade no outro, usando como alternativa as eternas frases de desconcerto que fazem parte do jargão machista: Por que ele e eu não? Será que paga todas suas contas? Com certeza está se aproveitando dele, ou, muito pior: que será que viu nele?
Lembro-me da história do presidente americano Bill Clinton e seu caso com a estagiária Mônica. Sexo em lugares incomuns é muito mais corriqueiro do que imaginamos. Entretanto, o escândalo foi lançado, com escárnio na mídia, pelos políticos republicanos. Estes são os mais conservadores e menos, vamos dizer, sensuais nas suas aparições públicas. Não por acaso a maioria deles estão casados com mulheres insignificantes e feias. É possível que essa constatação sirva para explicar porque alguns homens tenham a capacidade de conquistar as mulheres mais desejadas.
Victor Alberto Danich – Sociólogo

PROPRIEDADE DE JESUS

Andando de carro e conversando com minha filha de coisas triviais, ela, de repente, me sinaliza o carro da frente para observar no pára-brisa traseiro um adesivo com a seguinte frase: “Propriedade de Jesus”. Ambos ficamos atônitos. Como misturar o conceito de propriedade privada com o nome daquele que lutava contra ela? Confesso que não sou muito religioso. Digo muito, porque numa época da minha vida praticava um culto por imposição familiar. Tudo aquilo que a gente sabe: crenças, mitos, dogmas, além de todo tipo de parafernálias sobrenaturais que somos incapazes de questionar cientificamente. Entretanto, como pesquisador na área da sociologia, sempre estive interessado por questões religiosas, principalmente pela influência delas no âmbito da sociedade.
Pelo que conheço da vida de Jesus, ele nasceu numa estrebaria de Belém, na periferia do império romano. Terminou sendo criado numa outra aldeia, na casa de um carpinteiro e, quando adulto, chegou a afirmar que não tinha onde recostar a cabeça. Quando completou trinta anos tornou-se um pregador itinerante, viajando pelo país com seus doze discípulos. Foi, então, falsamente acusado de instigador, por falar de solidariedade e amor ao próximo, que não era exatamente o que as religiões da época exercitavam, já que seus deuses eram vingativos e brutais. Tornou-se tão perigoso que seus amigos o abandonaram. Depois de ser torturado sem piedade, foi crucificado entre dois ladrões, como castigo para aqueles que ousam contradizer os dogmas vigentes. Quando morreu, aos trinta e três anos, foi sepultado em um túmulo emprestado. O predicador Jesus Cristo foi pobre, mas sua pobreza foi algo que ele assumiu voluntariamente, numa expressão concreta de sua identificação com a humanidade. A sociedade de consumo nos condiciona a justificar nossas posses tornando cúmplice aquele que pregava contra as mesmas. Parece uma contradição, mais existem igrejas que anunciam, através da “teologia da prosperidade”, um conforto material ilimitado, como reconhecimento ao poder divino de uma figura que representa exatamente o contrário. Não é necessário omitir que eu não sou nenhum franciscano. Gosto de conforto como qualquer pessoa que trabalha duro para conseguir viver decentemente. Mas dizer que minha conquista material deve-se a Jesus? Por favor, isso é uma ofensa ao nome dele.
Nesse instante, minha filha me interrompe nos meus arroubos filosóficos, e com a vitalidade do senso comum, me faz a seguinte colocação: Pai, talvez o dono do carro se chame Jesus. Puxa vida. Sem querer, minha filha me deu uma ideia esplêndida. Como meu carro é da GM, e a empresa nos Estados Unidos foi comprada pelo governo, vou colocar um adesivo no pára-brisa traseiro que diga: “MARCA ESTATIZADA”.
Victor Alberto Danich – Sociólogo