quinta-feira, 10 de junho de 2010

ANTECEDENTES PERIGOSOS

Alguns meios de comunicação de grande circulação mediática têm a característica de construir factóides apavorantes, singularmente cativantes para alguns setores da sociedade, que se assustam de tudo aquilo que possa alterar suas concepções bipolares da realidade. Nada melhor do que a visão conservadora para despertar tamanha assimetria. Estes comunicadores, que simulam uma intelectualidade fajuta, desmereceram desde o princípio o tratado realizado entre o Brasil, Turquia e Irã, como se fosse uma iniciativa fracassada por parte do nosso país, ridicularizando até o extremo as ações da nossa diplomacia. Tanto é assim, que usaram como argumento a desconfiança dos Estados Unidos e seus poderosos aliados de plantão, que na semana passada aprovaram sanções mais rígidas contra o Irã. Nada foi dito sobre o armamento nuclear de Paquistão, Índia e Israel, fazendo com que o corporativismo submisso prevalecesse. O embaixador Celso Amorin resumiu brilhantemente a ação unilateral destes parceiros nucleares, com a seguinte frase: “Estão preocupados em desarmar os desarmados sem desarmar os armados”.
A liberdade de imprensa funciona quando os fatos são tratados amplamente, e não apenas através de uma visão filtrada por condicionantes culturais e ideológicos. A incapacidade destes meios de usar o recurso da contextualização histórica, ou pior, por serem reféns de um público cativo que os alimentam economicamente, preferem esconder a existência de fatos constrangedores nas relações entre Brasil e os Estados Unidos, que explicariam melhor porque nosso país não concorda com as sanções contra Irã. Talvez o relato de um grave episódio sirva como ponto de reflexão para entender a atitude atual da diplomacia brasileira. O então presidente George W. Bush, por ocasião dos atentados do 11 de setembro, no discurso do Estado da União, em janeiro de 2002, delineou as diretrizes de sua política exterior, dizendo o seguinte: “Os estados que gostam e são aliados dos terroristas, linha central do eixo do mal, se armam para ameaçar a paz do mundo”. A afirmação de que esses países estavam buscando fabricar armas químicas, biológicas e nucleares, foi à justificativa para seu programa de guerra permanente e ilimitada. Apesar de que o Iraque, o Irã e a Coréia do Norte não tivessem qualquer envolvimento nos atentados terroristas do 11 de setembro, Bush acusou-os assim mesmo, de modo a eliminar dos organismos multilaterais qualquer um que se opusesse a sua política belicosa. Foi o que aconteceu com o embaixador brasileiro José Maurício Bustani, que era, naquela época, diretor-geral da Organização para a proibição de Armas Químicas (OPAQ), e cuja permanência no cargo significava um obstáculo aos preparativos da guerra contra o Iraque. Bustani, que resistia a qualquer tipo de pressão que viesse a afetar as decisões do organismo, principalmente quando se negava a isentar os Estados Unidos da inspeção estabelecida pela Convenção para a proibição de Armas Químicas (CPAQ), teve como resultado a solicitação do seu afastamento por parte do governo norteamericano. Nessa ocasião, Bustani tentou convencer o Iraque de submeter-se ao controle de uma equipe de inspetores da OPAQ, incluindo a parceria com a Comissão de Monitoramento das Nações Unidas (UNMOVIC), controlada pelos Estados Unidos. Entretanto, o governo Bush não aceitou tais entendimentos, já que isso possibilitava a inspeção in loco do suposto arsenal de armas químicas, que o Iraque insistia em ter eliminado por completo. Como podemos observar, não existe muita diferença entre o governo Obama e do seu antecessor, principalmente no que se refere à política externa. Lograr uma solução pacífica para a destruição das supostas armas biológicas, acabaria de vez com a pretensão de continuar a guerra contra Iraque. Apesar dos esforços do Itamaraty em seu favor, Bustani foi destituído, e as armas de destruição de massa, que serviram como justificativa para invadir o Iraque, jamais foram encontradas.
Victor Alberto Danich
Sociólogo

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