quinta-feira, 10 de junho de 2010

O CIRCUITO HELENA RUBINSTEIN

Quando escrevemos sobre fatos sociais, muitas vezes usamos o vasto recurso das alegorias. Alguns utilizam provérbios religiosos, outros, como no meu caso, a cosmetologia política para dar título a um artigo. Neste particular, o circuito mencionado está relacionado a aqueles que se movimentam nos parâmetros de intimidade nas relações privilegiadas com Nova York, Londres, Paris, Berlin e seus parceiros ideológicos. Fora desse contexto de sofisticação ocidentalizada, qualquer iniciativa que possa ser realizada entre países fora dessa órbita, sempre estará, segundo eles, condenada ao fracasso. É o caso da missão do presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva sobre o acordo tríplice entre Brasil, Turquia e Irã. Isso não acontece apenas porque não se acredita em tal acordo, senão pelos problemas que surgiriam se tivesse êxito a via negociada do conflito. Assim como a justificativa das “armas de destruição em massa” servira para iniciar a ocupação criminosa do Iraque, inclusive sem a autorização expressa das Nações Unidas, o fantasma da “bomba atômica” é o sinal para desencadear a derrocada do único país que oferece resistência ao poder colonial dos Estados Unidos no Oriente Médio. Qual é o interesse econômico nisso? O controle do Golfo Pérsico.
Dominar a totalidade da região, desde o golfo até o estreito de Ormuz, significa deixar livre o fluxo do óleo que abastece o ocidente sem qualquer tipo de interferência. Os argumentos dos poderosos para desfazer qualquer iniciativa de acordo são extremadamente frágeis, principalmente porque recentemente a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), com apoio dos Estados Unidos e seus aliados, propusera ao governo iraniano a troca de urânio levemente enriquecido por combustível nuclear processado fora do Irã, que deveria entregar aproximadamente 70% do seu urânio enriquecido a mais de 5%. Os termos dessa proposta são similares ao acordo selado pelo presidente brasileiro. A incapacidade das grandes potências em aceitar a intervenção de um líder popular com capacidade de negociação livre de condicionantes, assombra as estratégias geopolíticas, profundamente indutoras de gestos belicistas. A diplomacia adotada pelo governo brasileiro está pautada numa política internacional autônoma, na qual prevaleça o fortalecimento da integração entre todos os povos e governos, de modo a superar as categorias dogmáticas do passado.
Tal configuração nem sequer é levada em conta por Washington e seus associados europeus, já que a proposta do acordo, que será entregue a AIEA para aprovação, está configurada nos seguintes termos: o Irã entregará 1.200 kg de urânio levemente enriquecido a 3,5% à Turquia, onde ficariam resguardados sob vigilância iraniana e turca. Depois de um ano, o Irã receberia 120 kg de urânio enriquecido a 20%, de modo a abastecer o Reator de Pesquisa da Universidade de Teerã. No momento em que se iniciou a gestão diplomática do governo brasileiro, imediatamente foram emitidos todo tipo de mensagens negativas às vésperas da viagem do presidente Lula ao Irã. As ameaças veladas e o ceticismo imperavam nas críticas a iniciativa do Brasil. Não restavam dúvidas para esse desenlace auspiciado por um ataque frontal jornalístico. A mídia internacional encabeçada pela imprensa conservadora, com destaque para “The Economist” de Londres e “El País” de Espanha, terminaram criminalizando descaradamente um ato que se configura claramente como uma atuação autônoma no concerto internacional. Talvez estejamos presenciando pela primeira vez em muitos anos, o aparecimento de líderes com capacidade para extirpar de vez nosso complexo de colonizados, que atormentou durante tanto tempo a construção da nossa auto-estima, que transformou nossos países em meros expectadores das decisões globais, e que nos relegou a simples co-ajudantes de um mundo bipolar. Brasil está demonstrando através de sua vigorosa diplomacia, um caminho alternativo ao charme enganoso do circuito Helena Rubinstein.
Victor Alberto Danich
Sociólogo

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