sexta-feira, 17 de junho de 2011

OS FUNDOS ABUTRES

Quando criticamos a política econômica dos nossos governos, muitas vezes esquecemos que durante muito tempo estivemos sujeitos a um processo interminável de reestruturação macroeconômica, acesso restrito a créditos e dolorosos cortes de gastos públicos, com um impacto dramático para aquelas pessoas em situação de pobreza extrema. O fluxo perverso de recursos de América latina para os países ricos teve, durante a “década perdida” de 1980, uma média de U$S 500 por homem, mulher e criança do continente, resultado de ajustes estruturais insuficientes para o crescimento e para uma saída honrosa da situação de inadimplência aos quais seus países estavam submetidos.
Pressionados por protestos públicos, entre eles aquele realizado por 70 mil participantes da campanha do Jubileu 2000, na qual foi feito um círculo humano em torno do local onde estava sendo realizada a Cúpula do G8 em Birmingham, Reino Unido – forçando estes a incluir a questão da dívida na agenda da reunião – teve como resultado o lançamento de um programa de redução da dívida para os países pobres. Tanto é que, apesar dos credores continuarem tentando controlar os termos das negociações, muitos Estados conseguiram negociar melhores condições no trato da dívida. Esse foi o caso da Argentina, que jogou muito duro com o FMI e outros credores na crise de 2002, recuperando desse modo sua economia, que lhe permitiu crescer numa rapidez sem precedentes. Assim mesmo, os setores conservadores neoliberais trataram aquele país como caloteiro. Será mesmo verdade?
Resulta importante relatar alguns acontecimentos no trato do alívio da divida, já que este é frequentemente reduzido pelo valor que os países pobres já pagaram pelos empréstimos contraídos. Foi o caso do governo nigeriano em 2004, que originariamente tinha feito um empréstimo de U$S 17 bilhões, tinha pago U$S 18 e ainda devia U$S 34 bilhões. Em 2005 fez um acordo que cancelou significativamente sua dívida, mas que exigiu que o país pagasse um sinal de U$S 12 bilhões de dólares adicionais. Nesse tipo de tratativas surge o filhote pródigo do modelo neoliberal: os “fundos abutres”.
Em 1999, quando o Zâmbia, país africano, tentava negociar sua dívida com a Romênia, a empresa Donegal International, com sede no paraíso fiscal das Ilhas Virgens Britânicas, apareceu do nada e comprou a totalidade da dívida – avaliada com juros em U$S 30 milhões – por apenas U$S 3,3 milhões. Imediatamente, tal empresa processou o governo de Zâmbia no Reino Unido para receber a totalidade da dívida incluindo os juros, que chegava a cifra espantosa de U$S 55 milhões. Atualmente, ainda circulam no mundo mais de 60 ações desse tipo movidas por “fundos abutres” – que chegam a totalizar U$S 1,9 bilhão – contra países muito pobres e endividados. A governança global, por descaso ou incompetência, é cúmplice desse processo, que representa um sofrimento humano desnecessário, além de exacerbar as crises e aumentar a desigualdade social. Tamanha tragédia é resultado da proteção insana de bancos e instituições capitalistas, que impõem profundos sacrifícios a aqueles menos preparados para enfrentá-los e mais frágeis para continuarem vivendo dignamente.
Victor Alberto Danich
Sociólogo

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