sexta-feira, 17 de junho de 2011

ACUMULAÇÃO PRIMITIVA DA DEMOCRACIA

Preocupado ainda com os resquícios autoritários que minam o inconsciente de muitos indivíduos, que aproveitam o surto inflacionário para alertar que precisamos de candidatos “preparados e não carismáticos” com qualidades centradas no “pulso firme e na reputação” e não em função de comportamentos “populistas” que resultem em crises como a apontada recentemente, gostaria de acentuar algumas considerações. Em primeiro lugar, a definição dos problemas originados pela inflação, sempre se configuram inicialmente como um processo de politização partidária, justamente por impactar aqueles setores da sociedade que mais sofrem com tal fenômeno. No entanto, os grupos que produzem o processo inflacionário, articulam o mesmo de tal forma que possam perpetuar seus interesses durante e depois dele, sem se preocuparem em construir um Brasil desenvolvido. De acordo com a avaliação clássica dos economistas, a inflação reduz o poder de compra da população e provoca um processo de inadimplência dos setores mais desprotegidos da sociedade. Se as pessoas pagam mais caro por alimentos, por outros produtos e pelos serviços, sobra menos dinheiro para pagar os empréstimos. Por outro lado, a expectativa de menor crescimento econômico leva à redução da renda e de postos de trabalho, o que também contribui para o crescimento da inadimplência. Tal situação termina sendo o caldo de cultivo para as manifestações de alguns setores de classe média usadas para desqualificar o consumo popular.
Os discursos enlatados em expressões do tipo “quando faço compras, pago a vista” – de modo a evitar – “os juros extorsivos embutidos no produto”, são muito comuns entre indivíduos que ocupam uma situação privilegiada na sociedade, que é a de ter acesso ao consumo sem os limites de um salário restritivo. A grande maioria do povo trabalhador, diga-se de passo, os colaboradores imediatos na construção da riqueza do país, em geral não tem condições de fazerem compras à vista. O único recurso é fazê-lo a prazo. Tal comportamento deve entrar no campo da racionalidade econômica ou naquele do “apelo ao consumo” que o próprio modelo capitalista embute na sua propaganda?
Não obstante, a situação relatada configura alguns dados interessantes. Consultorias que atuam na área econômica, afirmam que a inadimplência neste ano não será muito significativa, estimada em torno de 8%. Tal constatação revela a nova estratégia dos consumidores das classes mais próximas da base da pirâmide social, que está assentada numa visão melhor dos apelos ao consumismo desenfreado. Tal comportamento é resultado dos primeiros intentos na aquisição de bens durante a época de créditos fartos, que levou muitos trabalhadores a se endividarem além de sua capacidade de pagamento. Hoje, esses mesmos indivíduos, depois do imenso sacrifício realizado para entrar no mercado de consumo, podem avaliar o que fazer com o único patrimônio que possuem: seu salário. Não há nenhuma razão para culpá-los por isso. Ao contrário, devemos comemorar a entrada desses setores da sociedade a uma vida exposta apenas nas propagandas, tão aneladas durante décadas de privações, e hoje realizadas.
Ficar atentos a esses contratempos significa estar comprometidos com a mobilidade social dos mais humildes, que são os principais penalizados pelos surtos inflacionários. Deve ficar claro que esse não é o caso das classes médias de renda alta, que têm o privilégio de fazerem aplicações financeiras que dão cobertura sobre a inflação. Tal é a razão porque o Estado tem a obrigação de garantir os direitos mínimos à população, politizando a mesma para que possa ser artífice de suas próprias reivindicações, sem medo de que seus argumentos sejam desqualificados pelos chamados eleitores instruídos. Quando isso acontecer, os discursos preconceituosos daqueles que se sentem ameaçados nos seus privilégios classistas, serão substituídos pela conquista definitiva da verdadeira democracia, tantos anos em fase de acumulação nas entranhas do povo.
Victor Alberto Danich
Sociólogo

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