quinta-feira, 26 de agosto de 2010

A GEOGRAFIA DA FOME

Recentemente, a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO) divulgou um relatório que indica a existência de 52 milhões de pessoas subnutridas, das quais, 7% das crianças menores de cinco anos sofrem de desnutrição crônica na América Latina e no Caribe. Por outro lado, o Brasil é um dos quatro países citados pela ONU como destaque na diminuição da fome. O relatório “caminhos para o Sucesso” aponta o progresso feito por 16 dos 79 países monitorados pela FAO, no qual o Brasil, a Armênia, Nigéria e o Vietnã são citados como exemplo de países que conseguirão realizar a meta de redução da fome em 50% até 2015. Segundo o relatório, tal sucesso é resultado da criação de um ambiente centrado na promoção do crescimento econômico e o bem-estar social, que permita realizar investimentos nos setores mais vulneráveis da sociedade, de modo a planejar um futuro sustentável. O programa Fome Zero é citado como um exemplo dessa iniciativa, destacando que em 1991 o Brasil tinha 15,8 milhões de pessoas subnutridas, 10% da população. Em 2007 o número caiu para 12 milhões, o equivalente a 6%. A FAO também afirma que o país teve a redução “mais impressionante” das taxas de crianças subnutridas entre os países em desenvolvimento, especialmente no Nordeste que, em apenas três anos, tirou seis milhões de famílias (cerca de 20 milhões de pessoas) da pobreza extrema com programas especiais de segurança alimentar, no sentido de mitigar a fome numa região que tem uns dos índices de natalidade mais altos do mundo. Qual é a explicação para esses índices tão elevados?
Vale à pena detalhar porque ocorre esse tipo de fenômeno. O livro “A geografia da fome” do médico brasileiro Josué de Castro (1908-1973), cita que os altos coeficientes de natalidade são resultado de um princípio da biologia – a “teleonomia” – que é a propriedade que têm todos os organismos vivos de desempenharem as suas funções num ritmo e dinâmica que favoreçam ao máximo a sobrevivência do indivíduo e, sobretudo, da espécie. Sempre que uma espécie está ameaçada de morte, aumenta sua capacidade reprodutiva a fim de neutralizar o risco de exterminação. Os altos índices de natalidade dos países muito pobres obedecem à mesma lei biológica: representam o esforço natural dos seres humanos para sobreviverem em áreas em que a mortalidade é extremadamente alta. Só dispondo de um excesso de pessoas – a maior parte para morrer e não para viver – estes grupos poderiam perdurar através do chamado ciclo antieconômico da sua evolução populacional. A natureza do mecanismo biossocial que correlaciona em sentido inverso os baixos níveis de vida com altos coeficientes de natalidade, está ligado ao nível deficiente de alimentação, principalmente a fome específica de proteínas de alto valor biológico, fome que determina uma fertilidade potencial mais elevada na mulher, com capacidade de reprodução mais intensa. A situação das economias mais desenvolvidas ocorre no sentido inverso, no qual suas estruturas econômicas especiais que favorecem um abastecimento alimentar adequado, faz com que baixem os coeficientes de mortalidade. Esse fenômeno pode ser observado nos países desenvolvidos, nos quais o agir “teleonomicamente” também provocam uma baixa nos índices de natalidade, como é o caso dos países de alto nível de desenvolvimento econômico. Nesse caso, a fome é resultado do progresso econômico defeituoso, que agrava e torna esse flagelo o principal motivo para a miséria: “a baixa produtividade por falta de energia criadora e do consumo ínfimo por falta de produtividade que venha criar uma razoável capacidade aquisitiva”. Este fosso econômico entre ricos e pobres, divide a humanidade em dois grupos que, segundo Josué de Castro é: “o grupo dos que não comem, constituído por dois terços da humanidade, e que habitam as áreas subdesenvolvidas do mundo, e o grupo dos que não dormem, que é o terço restante dos países ricos, e que não dormem, com receio da revolta dos que não comem”.
Victor Alberto Danich
Sociólogo

sexta-feira, 9 de julho de 2010

O MUNDO ASSOMBRADO PELA CORRUPÇÃO

As políticas neoliberais são resultado de um processo criminoso levado ao extremo por grupos e corporações globais, que, na sua voracidade ilimitada por lucros, terminou desencadeando a crise atual, não apenas econômica, senão também política e cultural. O conceito de modernidade envolve todas essas questões, principalmente para os intelectuais contemporâneos, que devem enfrentar o desafio de entender o atual processo civilizatório. O neoliberalismo afirmava que “os estados-nações converteram-se em unidades de operações artificiais, inviáveis numa economia global”, e, ao mesmo tempo, num ufanismo quase religioso, modelava uma sociedade pós-capitalista sem identidades nacionais, em função da obsolescência do Estado, de modo a vislumbrar um novo mundo utilitarista sem crenças coletivas baseado na economia de mercado. No entanto, tal visão terminou se transformando numa armadilha mortal. A civilização entrou no terceiro milênio descobrindo que o processo neoliberal tanto alardeado, que criminalizava o Estado e tentava impor as forças irresistíveis do mercado sobre a soberania política das nações, foi orquestrado por um processo de corrupção sem limites – estreito noivado entre os delinqüentes públicos e a globalização – que causaram uma violenta concentração de renda por parte de grupos privados não muito longe das organizações criminosas.
Quando falamos de corrupção, devemos entendê-la não como um ato isolado, e sim como um fato social predominante num determinado contexto socioeconômico. O corrupto não é apenas fruto de pequenas infidelidades. Ele é resultado, como diz Frei Beto: “de detalhes que se lhe acumulam na alma, como levar vantagem num negócio ou trair a confiança alheia. Não é o dinheiro que destrói sua moral. É a ganância, a arrogância, a convicção que é mais esperto que os demais”. Tal doença não é exclusiva do setor público, ela contamina o universo do setor privado e das instituições não governamentais. Por que então colocamos nossos olhos na coisa pública? Os meios de informação nos bombardeiam com banalidades e lugares comuns que nos sugerem que a corrupção na administração pública prospera porque as conseqüências de ser descoberto e punido são leves em relação às vantagens. No entanto, ninguém se interroga sobre a correlação entre níveis de corrupção e grau de superioridade dos salários privados em relação aos públicos, assim como favoritismo político, imprevisibilidade do sistema judiciário e outras coisas do gênero. Cabe perguntar-se se existe alguma relação conceitual entre um miserável que se corrompe por um pedaço de frango - por questões de sobrevivência - com aquele que faz parte do topo da pirâmide social, que conscientemente usa os mecanismos da corrupção para se enriquecer a custa da miséria dos outros. Como podemos explicar isso às crianças e aos acadêmicos nas universidades? Há possibilidade de ampliar a consciência cidadã a partir da constatação de que a economia caiu nas mãos de grandes grupos privados (globais ou locais) que se apropriaram de altíssimas taxas reais de benefícios como parte do processo de depredação geral dos tecidos produtivos, quitando ao Estado, nesse intervalo, sua capacidade de resposta social? Falar de corrupção apenas em termos morais e éticos não basta. Ela excede a simplificação do fenômeno. Porque o flagelo da corrupção não apenas atinge o comportamento político-econômico da sociedade, senão que se afunda na essência da decomposição cultural desta, que inclui o declínio de crenças coletivas igualitárias e solidárias, substituídas por diversas formas de amoralidade e egoísmo dissociador. Cultuar o “triunfador” em paralelo ao desprezo pelo “perdedor” é o que resta de uma trama complexa de um modelo que pauta seu sucesso na liquidação das normas e na invasão criminosa do tecido social. Que armas o expectador impotente pode usar contra uma força descomunal que ultrapassa seus sentimentos de justiça, principalmente quando a ilegalidade se transforma no terreno natural dos negócios?
Victor Alberto Danich
Sociólogo

quinta-feira, 1 de julho de 2010

A ECONOMIA DO BEM-ESTAR SOCIAL

O economista indiano Amartya Kumar Sen, premiado em 1998 com o prêmio Nobel em Ciência Econômica por suas contribuições na área de economia do bem-estar social, sempre foi um estudioso dos problemas relativos às causas da fome, levando-o ao desenvolvimento de soluções práticas para prevenção e limitação dos efeitos de reais ou aparentes faltas de comida num mundo com superprodução de alimentos. Formado no Presidency College em Calcutá, e doutor pelo Trinity College, em Cambridge, seu trabalho pioneiro está focado na avaliação das medidas econômicas com relação aos seus efeitos no bem-estar da sociedade. Sua monografia intitulada "Escolha Coletiva e Bem Estar Social" (1970), que contempla assuntos como direitos individuais, o poder da maioria e dados sobre condições pontuais, transformou-se na base teórica para a criação de métodos para medir a pobreza, de modo a produzir informações úteis no aprimoramento das condições sociais das classes mais pobres. O interesse de Sen sobre os problemas da fome foi resultado de sua experiência em relação aos acontecimentos ocorridos em Bengala, em 1943, quando três milhões de pessoas morreram por causa da fome. Tamanha tragédia poderia ter sido evitada, dizia, já que existia na Índia um estoque de comida suficiente para atender as necessidades da população. O que Sen detectou nessa oportunidade? Que a distribuição de comida foi prejudicada por causa de um grupo específico de pessoas. Foi o caso dos trabalhadores rurais, que perderam seus empregos e, portanto, a sua capacidade de comprar comida. Em seu livro "A Pobreza e a Fome: uma Dissertação sobre o Direito à Propriedade e à Privação" (1981), Sen mostrou claramente que em muitos casos de fome, os estoques de comida não se reduziram de forma significativa, o que revelava vários fatores sociais e econômicos, como o declínio de salários, desemprego, subida dos preços dos alimentos e deficiência nos sistemas de distribuição, como a causa principal da fome de certos grupos da sociedade. Por exemplo, seu trabalho teórico sobre situações de desigualdade, demonstrou porque há menos mulheres do que homem em alguns países pobres, apesar de nascerem mais mulheres e a mortalidade infantil ser bem maior entre os meninos. A constatação de tal fenômeno é resultado da existência de melhores tratamentos de saúde e de oportunidades durante a infância para aos meninos destes países, o que faz com que se reproduzam tais desigualdades.
O trabalho de Sen influenciou organizações internacionais e governos para uma atenção redobrada perante as crises de alimentação. Tais situações levaram aos setores tomadores de decisão a assumirem iniciativas mais amplas, não apenas no alívio imediato do sofrimento, senão também na utilização de políticas públicas para substituir e resguardar a renda perdida da classe pobre, mantendo estáveis os preços dos alimentos. A democracia funcional, para Sen, passa pelas liberdades políticas, longe das ideologias conservadoras centradas apenas na eficiência econômica, de modo a permitir que os líderes governamentais sejam sensíveis com as demandas da sociedade. Desse modo, Amartya Sen, argumenta que para que o crescimento econômico seja atingido, as reformas sociais, como melhoria na educação e saúde pública, devem preceder às reformas econômicas. Por sua contribuição na área da economia do bem-estar social, a Academia Real de Ciências da Suécia reconheceu a importância do trabalho de Sen, no sentido de que, pela primeira vez na história do pensamento econômico, foi instaurada uma “dimensão ética à discussão dos problemas econômicos vitais”. Nesse sentido, o comitê do Nobel remodelou a tradição de outorgar o prêmio apenas a aqueles que convergem na arquitetura fundamentalista da economia de mercado, quebrando desse modo sua vertente conservadora, e reconhecendo, de certa forma, que as fundações sociais da economia devem ser a principal fonte para a construção de uma sociedade menos desigual.
Victor Alberto Danich
Sociólogo

EMPRESÁRIOS SOCIAIS

A crise mundial deixou ao descoberto a ineficácia dos mercados financeiros convencionais, incapazes de atender às necessidades de comunidades em situação de pobreza, cuja única saída é contrair empréstimos ou poupar para reduzir a vulnerabilidade dos choques econômicos. Ter acesso ao crédito é decisivo para qualquer empresa, independente do seu tamanho, de modo a sobreviver num mercado de flutuações inesperadas. Pior ainda quando se trata da obtenção de empréstimos por parte de pessoas em situação de pobreza, já que os bancos se recusam a atendê-las, exigindo garantias ou depósitos onerosos. Durante as décadas de 1980 e 1990, a exclusão financeira foi exacerbada através dos programas de ajuste idealizados pelo FMI e seus parceiros locais, fechando ou privatizando bancos estatais e de desenvolvimento, que cumpriam a função de subsidiar empréstimos para agricultores e outros setores mais vulneráveis da sociedade.
Entretanto, sem muito alarde desde o inicio da década de 1990, algumas organizações fora do circuito financeiro global, caracterizadas por não ter fins lucrativos, começaram a ocupar um espaço importante no atendimento a pessoas em situação de pobreza. O caso mais conhecido é o Banco Grameen de Bangladesh, fundado pelo Prêmio Nobel da Paz em 2006, Muhammad Yunus. O sistema de microfinanciamento idealizado por este “empresário social” teve, em pouco tempo, um crescimento surpreendente no atendimento a mutuários. De 13,5 milhões em 1997, aumentou para 113,3 milhões em 2004, sendo que dois terços do total desses indivíduos sobreviviam com menos de um dólar por dia. O interessante desse modelo solidário de microcrédito, é que em cada cinco clientes, quatro são mulheres, principalmente donas de casa e idosas, que se unem em grupos para obter empréstimos de forma coletiva. O Banco Grameen realiza empréstimos em torno de U$S 100 por grupo, apesar de que também disponibiliza dinheiro para mendigos urbanos, sem juros, até U$S 9, de modo a permitir que estes se tornem vendedores de rua. Parece impossível, mas as taxas de inadimplência são extremadamente baixas – o Banco afirma que mais de 98% dos empréstimos que adjudica são quitados – fazendo com que o microcrédito se torne auto-sustentável e lucrativo.
Tais mercados situados na base da pirâmide, terminaram atraindo grandes bancos comerciais que descobriram novas opções de investimento no setor de microcrédito, realizando parcerias com as organizações existentes, de modo a facilitar o acesso ao crédito e poupança a mulheres em situação de pobreza. Dessa configuração surgiu o primeiro banco multinacional de microcrédito, o Procredit, fundado em 1996, e apoiado financeiramente pela Sociedade Financeira Internacional – IFC, ligada ao Banco Mundial. Talvez essas novas formas de olhar o futuro econômico da sociedade, permita remodelar um mundo que passa fome e penúria. O sucesso dos programas de microcrédito revela como procedimentos solidários, organizados para preservar a segurança humana, podem ser materializados através da cidadania ativa. Mais do que isso, as formas empresariais socialmente responsáveis, configuradas através de organizações comunitárias e empresas sociais, podem constituir novas formas de parcerias econômicas, onde o lucro por si só não seja o foco principal de tais iniciativas. A rápida ampliação e a diversidade de programas de microcréditos, já estabeleceram novos padrões de comportamento econômico, que permitiram que milhões de indivíduos em situação de pobreza diminuíssem os riscos da exclusão financeira. Parece difícil falar sobre formas hipotéticas de reconstruir o planeta sobre alternativas mais justas, principalmente com medidas que contradizem o modo de operação do próprio sistema, pautado apenas em relações econômicas, nas quais a maximização do lucro é o foco principal. No entanto, tais alternativas devem ser redescobertas como o eixo condutor para aquelas que já existem na prática, não como perdas, e sim como investimento, conceito cada vez mais adotado por algumas instituições e pelo próprio Estado.
Victor Alberto Danich
Sociólogo

A MÁSCARA DO PRECONCEITO

Demorei uma hora para ler o livro “Nunca antes na história deste país”, do humorista Marcelo Tas. Não vou perder tempo em analisar os comentários ao longo do texto, apenas vou fazer referência à sua última afirmação, que diz o seguinte: “Tem razão o presidente. A crise não atravessou o Atlântico. Veio a pé mesmo, devagarinho, pelo Canal do Panamá. Demorou um pouco, mais chegou!” Logo continua como se fosse o presidente Lula falando: “Cumpanheiro leitor (escrevendo errado de propósito), não vou parar de falar tão cedo. Continue o livro anotando minhas próximas frases aqui. Obrigado!”. Eu acho que o senhor Tas deveria parar por aí, e repensar se quer ser humorista ou economista político. Sua desfaçatez preconceituosa se vislumbra já na introdução, quando afirma que o presidente fala sobre assuntos dos quais não tem o menor conhecimento. Parece que tal humorista se especializa em fazer piadas ofensivas, de modo a esconder sua frustração em não ser protagonista dos destinos do Brasil. Para isso vou desconstruir a afirmativa final do livro apenas com dados reais, de forma a evitar juízos de valor que comprometeriam uma análise ponderada do que aconteceu no país durante a crise que se avizinhava em 2007. As medidas econômicas adotadas pelo governo em 2008-2009, contrariamente ao que aconteceu durante as crises de 1980 e 1990, foram medidas monetárias e fiscais anticíclicas. O objetivo foi evitar que a crise contaminasse o sistema financeiro do país, além de recuperar o padrão de atividade econômica o mais rápido possível, premissa integralizada em todos os discursos oficiais do presidente Lula, principalmente quando colocou todo seu prestígio político em jogo, ao dizer claramente que os trabalhadores e os empresários deveriam esquecer-se da crise mundial e produzir para que a atividade econômica da sociedade não parasse. As ações do Banco Central reduzindo os depósitos compulsórios, de modo a expandir a liquidez, permitiram injetar 3,3% do PIB no mercado bancário, evitando assim o contágio da crise internacional. Já em 2009, a União concedeu empréstimos ao BNDES que permitiu repassar linhas de crédito de curto prazo ao setor produtivo. Além dessas ações na política monetária, o governo implementou um conjunto de desonerações tributárias para estimular as vendas e o consumo. A redução do IPI, bens de consumo duráveis, materiais de construção, bens de capital e alimentos, foram as medidas mais eficientes para evitar a crise que atravessou o “Canal de Panamá”, e que, conforme o presidente Lula disse, chegou como uma “marolinha”. A ignorância de Marcelo Tas revela-se nesta constatação. Qual é a razão de perder o tempo em citar o livro deste humorista?
Vou esboçar algumas considerações. Em primeiro lugar, não é possível que um comunicador, usando seu poder mediático, tente descaracterizar a capacidade de um indivíduo mediante a burla preconceituosa e infame. Nesse caso está ofendendo a maioria da população do país, que é justamente a que constrói a riqueza do Brasil. Exacerbar de forma despiadada os erros de sintaxes do presidente não acrescenta nada ao inconsciente coletivo. Só satisfaz aqueles que se divertem incentivando as lutas de classes, quando na realidade deveriam ser os responsáveis por diminuí-las. Em segundo, a editora Panda Books deveria ter vergonha em publicar um livro impresso em papel da melhor qualidade, direcionado apenas para uma pequena parcela da sociedade, composta de um público cativo adicto a um tipo de piadas que criminalizam indivíduos que não fazem parte de suas preferências ideológicas. Realmente, o Brasil é bem maior do que a “imaginação” de Marcelo Tas, que usa sua linguagem televisiva para deformar a realidade, fragmentando-a com a desinformação. Sugiro que o leitor, que leu o livro, possa avaliar o país que está construindo seu futuro através da mobilidade social, e complete com suas impressões o espaço deixado ao “sabor do tempo e de seu próprio juízo”, do qual o autor é incapaz de finalizar.
Victor Alberto Danich
Sociólogo

quinta-feira, 10 de junho de 2010

ANTECEDENTES PERIGOSOS

Alguns meios de comunicação de grande circulação mediática têm a característica de construir factóides apavorantes, singularmente cativantes para alguns setores da sociedade, que se assustam de tudo aquilo que possa alterar suas concepções bipolares da realidade. Nada melhor do que a visão conservadora para despertar tamanha assimetria. Estes comunicadores, que simulam uma intelectualidade fajuta, desmereceram desde o princípio o tratado realizado entre o Brasil, Turquia e Irã, como se fosse uma iniciativa fracassada por parte do nosso país, ridicularizando até o extremo as ações da nossa diplomacia. Tanto é assim, que usaram como argumento a desconfiança dos Estados Unidos e seus poderosos aliados de plantão, que na semana passada aprovaram sanções mais rígidas contra o Irã. Nada foi dito sobre o armamento nuclear de Paquistão, Índia e Israel, fazendo com que o corporativismo submisso prevalecesse. O embaixador Celso Amorin resumiu brilhantemente a ação unilateral destes parceiros nucleares, com a seguinte frase: “Estão preocupados em desarmar os desarmados sem desarmar os armados”.
A liberdade de imprensa funciona quando os fatos são tratados amplamente, e não apenas através de uma visão filtrada por condicionantes culturais e ideológicos. A incapacidade destes meios de usar o recurso da contextualização histórica, ou pior, por serem reféns de um público cativo que os alimentam economicamente, preferem esconder a existência de fatos constrangedores nas relações entre Brasil e os Estados Unidos, que explicariam melhor porque nosso país não concorda com as sanções contra Irã. Talvez o relato de um grave episódio sirva como ponto de reflexão para entender a atitude atual da diplomacia brasileira. O então presidente George W. Bush, por ocasião dos atentados do 11 de setembro, no discurso do Estado da União, em janeiro de 2002, delineou as diretrizes de sua política exterior, dizendo o seguinte: “Os estados que gostam e são aliados dos terroristas, linha central do eixo do mal, se armam para ameaçar a paz do mundo”. A afirmação de que esses países estavam buscando fabricar armas químicas, biológicas e nucleares, foi à justificativa para seu programa de guerra permanente e ilimitada. Apesar de que o Iraque, o Irã e a Coréia do Norte não tivessem qualquer envolvimento nos atentados terroristas do 11 de setembro, Bush acusou-os assim mesmo, de modo a eliminar dos organismos multilaterais qualquer um que se opusesse a sua política belicosa. Foi o que aconteceu com o embaixador brasileiro José Maurício Bustani, que era, naquela época, diretor-geral da Organização para a proibição de Armas Químicas (OPAQ), e cuja permanência no cargo significava um obstáculo aos preparativos da guerra contra o Iraque. Bustani, que resistia a qualquer tipo de pressão que viesse a afetar as decisões do organismo, principalmente quando se negava a isentar os Estados Unidos da inspeção estabelecida pela Convenção para a proibição de Armas Químicas (CPAQ), teve como resultado a solicitação do seu afastamento por parte do governo norteamericano. Nessa ocasião, Bustani tentou convencer o Iraque de submeter-se ao controle de uma equipe de inspetores da OPAQ, incluindo a parceria com a Comissão de Monitoramento das Nações Unidas (UNMOVIC), controlada pelos Estados Unidos. Entretanto, o governo Bush não aceitou tais entendimentos, já que isso possibilitava a inspeção in loco do suposto arsenal de armas químicas, que o Iraque insistia em ter eliminado por completo. Como podemos observar, não existe muita diferença entre o governo Obama e do seu antecessor, principalmente no que se refere à política externa. Lograr uma solução pacífica para a destruição das supostas armas biológicas, acabaria de vez com a pretensão de continuar a guerra contra Iraque. Apesar dos esforços do Itamaraty em seu favor, Bustani foi destituído, e as armas de destruição de massa, que serviram como justificativa para invadir o Iraque, jamais foram encontradas.
Victor Alberto Danich
Sociólogo

DESIGUALDADE E POBREZA

As pessoas não gostam muito de discutir os problemas da pobreza, principalmente aqueles que se encontram longe dela. Ler qualquer informação que tire o indivíduo de seu espaço de conforto, significa reavaliar a realidade com uma visão até então despercebida. Nesse caso, o cientista social tem a ingrata tarefa de descobri-la e transformá-la numa discussão política. O Brasil, apesar de ser um dos países mais abastados do planeta, situa-se entre as nações mais desiguais do mundo. De acordo com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), em 2003 a desigualdade de renda medida pelo índice GINI superava apenas países com Serra Leoa, Lesoto, Suazilândia e Namíbia. No entanto, o Banco Mundial indica a economia brasileira entre as dez mais ricas do mundo, com um Produto Interno Bruto (PIB) de U$S 1,7 trilhão, bem próximo da Itália em termos de paridade de poder de compra. Isso significa que, com uma população de 192 milhões, o PIB per capita corresponde a U$S 9.000. Tais dados são importantes para comparar com o nível de concentração de renda existente no país, que se revelam nos seguintes números: 2 milhões de pessoas, que correspondem a 1% da população, concentram 13% do total das rendas domiciliares. Tal percentual aproxima-se ao distribuído entre os 50% mais pobres, que equivale a cerca de 80 milhões de brasileiros. Vamos fazer um parêntesis para esclarecimentos. Algumas pessoas sentem-se incomodadas por estes dados reveladores, porque presumem que estão sendo questionadas na aquisição do seu patrimônio particular. Nada disso. O que está sendo colocado em discussão é a existência de um modelo econômico que precisa ser remodelado, no qual cada indivíduo usufrua da riqueza conforme sua capacidade, mas que permita aos menos favorecidos viver dentro de parâmetros sociais dignos. Qual é o fundamento para tal argumentação? Segundo os dados divulgados pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), 30.3% da população, que corresponde a 54 milhões de pessoas consideradas pobres, há, entre elas, 20 milhões extremadamente pobres, que abarca 11,5 % dessa totalidade. Por outro lado, raiando a omissão, não é possível continuar afirmando que essa parcela da população é a única culpável pela sua pobreza, e sim discutir seriamente se a causa dela é resultado de uma injusta distribuição de renda. Só basta fazer uma comparação com a média apresentada pelos países que tem uma renda per capita semelhante à brasileira, e que, apesar disso, seus percentuais de pobreza são menores do que 10%, mostrando-se três vezes inferiores ao observado no Brasil.
Apesar de que as distâncias entre ricos e pobres são mais visíveis nas cidades, nas quais vive quase 80% da população brasileira, a desigualdade também pode ser verificada no campo, no qual convivem, por um lado, imensos latifúndios e grandes empresas rurais, que monopolizam quase totalmente as áreas agrícolas do país, e, por outro, milhões de pequenos proprietários e de trabalhadores rurais vivendo em dramáticas condições de vida. O índice GINI fundiário mostra que a porcentagem da área total ocupada pelos 10% dos maiores imóveis chega a 78% do total da área rural do país. Apesar desse quadro assustador, o país está realizando um esforço continuado para melhorar a situação de pobreza extrema, e, fundamentalmente, a desigualdade de renda. De acordo com os dados do IPEA (2007), o nível de desigualdade na distribuição dos rendimentos do trabalho, é o menor dos últimos 30 anos. Conforme o coeficiente de GINI, entre 2001 e 2006 a desigualdade caiu mais de 6% no período, que mostra que houve um aumento efetivo de renda para os 70% mais pobres, enquanto os 10% mais ricos perderam rendimentos nessa seqüência. Já em 2004, com a efetiva atuação do Estado e a retomada do crescimento, a pobreza extrema foi reduzida em 4,9 pontos percentuais, e a pobreza 2,7 em direção a 2010. Desse modo, o Brasil caminha para a democracia e o desenvolvimento, apesar daqueles que não acreditam nisso.
Victor Alberto Danich
Sociólogo