quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

EM NOME DE UM DEUS

A história da humanidade torna evidente que o ser humano precisa da existência de um deus como objeto de devoção, expressado na sabedoria superior que dirige o curso das coisas. Curso esse atribuído a seres divinos que também o criaram, ou melhor, a um ser divino no qual, em nossa civilização ocidental, todos os deuses da antigüidade foram condensados. Entretanto, a relatividade cultural sempre frustrou a idéia de um deus genérico que conseguisse nivelar os defeitos e os males da civilização, “excetuando”, é claro, o eurocentrismo religioso elaborado pela civilização branca e cristã, que acreditava ter chegado ao “conhecimento do Deus único e verdadeiro”.
A extrema diversidade das sociedades humanas raramente se apresentou aos homens como um fato e,sim, como um desvio de idéias aberrantes que precisavam ser modificadas, expulsando da cultura para a natureza todos os que não faziam parte do projeto cultural do ocidente cristão e “civilizado”. Entre os critérios utilizados pelos europeus a partir do século 14 para julgar se os índios mereciam estatuto humano, figuravam os tipos de crenças, o comportamento alimentar, aparência física e a forma de linguagem. Assim, não acreditando em Deus, não tendo alma, não tendo acesso à linguagem, os selvagens foram colocados na degradante categoria de “bestas pecadoras”.
Quando Hernan Cortez chegou a Tenochtitlán, a fabulosa capital asteca de 300 mil habitantes, ficou horrorizado com os sacrifícios humanos realizados pelos nativos em oferenda aos deuses. Porém, não se preocupou em dizer que tinha chegado à América “para servir a Deus e a sua Majestade e também por haver riquezas”. Os conquistadores espanhóis liam para os nativos, sem intérprete e na frente de um escrivão público, um longo “requerimento” em que eram exortados a converter-se à fé católica, sob pena de serem condenados à escravidão ou à morte, como simples justificativa para a febre que provocava, nas hostes da conquista, o deslumbramento dos tesouros do novo mundo.
A cobiça e o terror despertado pelos conquistadores provocaram um dos maiores genocídios da história da humanidade, no qual uma população pré-colombiana de 90 milhões foi, em apenas um século e meio, reduzida para 3,5 milhões de habitantes, dizimada pela exploração, pelas doenças até então desconhecidas e pelos espantosos tormentos a que era submetida. No século 17, como corolário de semelhante infâmia, o padre Gregório Garcia sustentava que os índios eram de “ascendência judaica”, porque, como os judeus, “eram preguiçosos, não acreditavam nos milagres de Jesus Cristo e não eram gratos aos espanhóis por todo o bem que lhes fizeram”. Não é de estranhar que o padre Bartolomeu de las Casas, fervoroso defensor dos índios, comentasse que eles “preferiam ir ao inferno a se encontrar com os cristãos”.
Podemos observar que em toda a história da conquista do novo mundo, o uso de um deus “europeu” não serviu como projeto de evangelização, porque nunca foi respeitado o conceito de alteridade cultural. Esse conceito deveria ser focado mais na inumanidade dos conquistadores do que na humanidade dos conquistados, como maneira de questionar a visão que o ocidente cristão sempre teve da própria humanidade – a de se negar a reconhecer a existência da pluralidade cultural como eixo articulador das diferentes sociedades. Parece passado, mas a destruição de culturas milenares ainda pode ser vista nos rostos tristes e desfigurados dos descendentes de povos que um dia tiveram o orgulho de possuir suas próprias civilizações e seus próprios deuses.

Prof. Victor Alberto Danich



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