quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

SEXUALIDADE, SOCIEDADE E FRUSTRAÇÃO

Toda a civilização, dizia Freud, repousa numa compulsão ao trabalho e numa renúncia as pulsões. O fato de uma pulsão não poder ser concretizada transforma-se numa frustração. A norma pela qual esta frustração ocorre chama-se proibição, produto de algum tipo de privação usada como forma de dominar os próprios desejos instintivos, que liberados, levam ao ser humano a quebrar as regras estabelecidas, condenando-o ao opróbrio. No “O futuro de Uma Ilusão”, de 1927, Freud destacou que as religiões prestaram grandes serviços à civilização, no sentido de introduzir elementos valiosos para a convivência humana. Proporcionaram mecanismos de unificação e solidariedade, além de princípios éticos orientadores para a vida de um indivíduo. Entretanto, principalmente as doutrinas ocidentais, também se ocuparam de introduzir o exercício da culpa em relação ao sexo.
Na sociedade vitoriana, impregnada de moral puritana e hipocrisia social, as mulheres “decentes” não tinham direito ao prazer sexual e faziam sexo apenas como um “dever” para com seus maridos. Assim, como naquela época, a maioria das restrições sexuais atuais é conseqüência da instituição e controle de grandes grupos, através da inoculação do sentimento de culpa. Sexo, impureza e pecado, foram colocados, através desse controle, no mesmo nível de comparação. A incorporação histórica dessas idéias terminou por se institucionalizar no inconsciente coletivo da sociedade, tornando-as sumamente difíceis de transformar.
O problema da “culpa” se agrava por causa da ignorância, da repressão, da distorção dos conceitos, que embora na atualidade não exista de forma declarada, se faz sentir de forma profunda dentro do psiquismo. Muitos homens e mulheres recorrem à instituição matrimonial, não apenas porque desejam estar juntos, senão também como “tábua de salvação” para garantir a autorização social das relações sexuais.
Numa sociedade pequena e conservadora, como aquela do filme “Nunca saberão quanto te amei”, estrelando Frank Sinatra e Shirley MacLaine, que conta à história de um escritor sumamente talentoso, que voltando da guerra da Coréia, e não conseguindo se encaixar nos rígidos esquemas de controle social da comunidade, é rejeitado pela professora “livre de qualquer suspeita” que, apesar de estar apaixonada por ele, não logra ultrapassar a pressão social e o preconceito dos habitantes da cidade.
Essa história parece muito distante, foi rodada em 1956. Hoje, nenhum homem perde a reputação se uma mulher o rejeita, e nenhuma mulher é condenada socialmente porque se entrega a um desregrado. Entretanto, os mecanismos de sedução e de manipulação, a idealização fantasiosa dos sentimentos alheios para entender suas ações e tirar partido deles, ainda existem. De uma maneira menos cruel e até mais escondido. Mas esse mecanismo pode ser reconhecido no mexerico confidencial. Fica-se aturdido quando se houve as mulheres falarem da vida particular de seus amigos e conhecidos circunstanciais. Destes, geralmente, os homens conhecem o comportamento profissional, enquanto que as mulheres sabem com detalhe, e de maneira surpreendente, os seus comportamentos mais íntimos. Sabem que fulano tem uma amante, como ele a conquistou, em que horário se encontram, o vestido, o carro e o local para onde estão se dirigindo. Mas a poderosa fantasia, preconceituosa e gratuita, é a descrição cheia de detalhes e artifícios, que surpreende por sua elaboração: uma pequena história das intenções dele, das manobras dela, do perigo do relacionamento, do desenlace e das frustrações. Existem mulheres com uma capacidade ilimitada de descrever, com precisão espantosa, a totalidade da vida amorosa de uma cidade.
Na realidade, as frondosas fantasias amorosas das mulheres, mostra-nos claramente que elas sempre estão em busca do homem eleito. Quando ele as ignora, descarregam sua frustração transformando-o num ser sem qualidades. Seus erros amorosos são desqualificados sem piedade, e a moral vitoriana, com seus fartos condicionantes eróticos, se reproduz inconscientemente na mistura explosiva entre desejo e reprovação, como a pequena história de Paul Watzlawick: “Uma mulher que mora à beira do rio foi à polícia dar queixa de uns moços que tomavam banhos pelados, diante de sua casa. O policial mandou os rapazes a tomarem banho mais adiante, rio acima, onde não há mais casas, e não defronte da casa da mulher. No dia seguinte, a senhora telefonou novamente: ela ainda conseguia ver os rapazes. O policial foi até lá novamente e mandou-os para mais longe. Dias depois, a mulher indignada, voltou a delegacia, queixando-se ao delegado: Da janela do sótão da casa ainda conseguia vê-los de binóculo”.

Victor Alberto Danich
Sociólogo

Nenhum comentário:

Postar um comentário