quinta-feira, 2 de outubro de 2008

APENAS SEIS NÚMEROS

Deixando de lado as implicações filosóficas que a religião defendeu durante tanto tempo, baseadas no texto que, de acordo com a Bíblia: “Deus fixou a Terra em suas fundações para não se mover nunca mais”, podemos dizer que há uma ponta de tolerância na aceitação do Big Bang como modelo explicativo da origem do universo. Nessa maratona científica, divulgada gradualmente, o modelo descreve como tal universo nasceu de uma sopa primordial extremadamente quente e densa, evoluindo para um imenso conjunto de galáxias, estrelas, planetas e formas de vida que hoje existem. Mais perturbador ainda é saber, de acordo com o astrônomo Martin Rees, que a estrutura do universo depende de apenas seis parâmetros físicos, entre eles a força da gravidade. Não é mera ficção, os cientistas podem medir com exatidão o valor de cada um desses parâmetros, contidos nos seis números mencionados. Sabendo disso, como o universo seria se tais valores fossem diferentes?
Esses valores numéricos estão relacionados a forças que unem os prótons e os nêutrons no núcleo do átomo. Uma pequena diferença nesse agrupamento e seria impossível fundir hidrogênio em deutério e, por tanto, o universo estaria composto só de hidrogênio, o que não permitiria qualquer chance de vida. Tal configuração de extrema sensibilidade mostra-nos que a mais ínfima alteração em qualquer desses cinco valores restantes, teria afetado de maneira violenta a evolução do universo, o que o tornaria estéril e sujeito a autodestruição física. Nesse caso, os seis números parecem ter características especiais de modo a permitir a existência de vida, desafiando o acaso. Mas, será apenas isso? Será o indício da existência de um Deus? Ou nosso universo faz parte de um multiverso com um conjunto próprio de seis números? Tal multiverso consistiria em infinitos universos diversos, entre eles, alguns com a capacidade de conter vida, outros não. Quem sabe.
O estado físico chamado de singularidade nos sinaliza uma pista. O modelo do Big Bang não deu origem apenas à matéria e à radiação, senão também ao espaço e ao tempo. Perguntar o que havia antes disso não faz qualquer sentido. E se tiver alguém sugerindo tal indagação, é bom lembrá-lo das palavras de santo Agostinho, escritas lá pelos 400dC: “Antes de criar o Céu e a Terra, Deus criou o Inferno, para colocar nele pessoas como você, que fazem essa pergunta”.
Victor Alberto Danich
Sociólogo

A VOLTA DE MISTER LINK

Juro que tentei me policiar para não escrever crônicas geopolíticas. Desculpem-me, não consegui resistir, ao menos desta vez. Ao ler que a reativação da IV Frota dos Estados Unidos coincide com as descobertas das riquezas do pré-sal, me leva a pensar que nossos amigos agem em conformidade com as empresas petrolíferas que estão de olho no nosso litoral. O medo destes mercadores sem pátria reside em que a Petrobrás monopolize a província petrolífera do pré-sal, transformando-se numa poderosa estatal. A Petrobrás faz 30 anos que está pesquisando toda a área com grandes dificuldades geológicas porque a camada de sal mascarava os levantamentos sísmicos. Com as novas tecnologias, a empresa pôde identificar com mais precisão o local adequado para a sondagem pioneira. Perfurou o primeiro poço com o custo de US$ 260 milhões, com altos riscos, e achou o petróleo que seus técnicos esperavam. Fez isto tudo sozinha. Por que entregar para os outros em função do atual marco regulatório que fere nossa soberania? Se no mundo todo, onde existe produção em águas profundas, os royalties foram abolidos sob os argumentos de alto risco e elevado investimento, por que então as multinacionais do petróleo e a Agência Internacional de Energia (AIE) criticam os projetos de mudança na lei do petróleo, alertando o país da necessidade de investimentos estrangeiros para explorar o pré-sal? A questão principal é a propriedade do petróleo e a participação na produção. Nesse caso, a participação da União deveria passar de 40 para 84%, ou 90,4% se a produção fosse feita pela Petrobrás, de modo a garantir essa riqueza da ordem de US$ 20 trilhões de dólares para o seu verdadeiro dono, o povo brasileiro. A propósito, a mídia conservadora esconde uma história nebulosa. Em 1954, a Petrobrás, recém criada, contratou o americano Walter Link para chefiar o departamento de pesquisa da estatal. Mister Link tinha uma frondosa folha de serviços como descobridor de petróleo. Tal visitante ilustre ficaria famoso em 1960 quando foi divulgado o relatório de pesquisa do território nacional. O “relatório Link” como foi conhecido, continha uma avaliação pessimista sobre a existência de petróleo no país, principalmente em nossas bacias sedimentares. Paradoxalmente, em 1963, depois de Mister Link deixar o país, pesquisadores soviéticos concluíram que o Brasil poderia ser auto-suficiente, e até exportar petróleo num futuro próximo. Quem sabe Mister Link esteja mandando de volta agentes disfarçados das grandes empresas, de modo a mapear novamente de forma errada nosso território, no melhor estilo mercantilista.
Victor Alberto Danich
Sociólogo

OS PALPITEIROS

O presidente Lula resumiu de maneira genial os acontecimentos recentes na economia mundial. Com sua capacidade didática invejável analisou a crise de maneira cáustica e direta, ao dizer que via com tristeza a quebra de bancos americanos importantes que, incontinentes, passaram a vida dando palpites sobre o Brasil, medindo o “risco país” de forma aleatória e aconselhando os investidores a duvidar das políticas do governo. Confesso que me sinto gratificado com o discurso do presidente, já que confirmou um fato de natureza econômica abordado em meus artigos, questionando o modelo neoliberal, muito a contragosto dos defensores da globalização econômica.
Mas para isso é necessário entender que a volatilização das ilusões que estimularam as fantasias de tal globalização, centrada na prosperidade ilimitada dos Estados Unidos, terminou por mostrar a verdadeira cara de um modelo em que todos os agentes econômicos dependem do mercado, nos quais os requisitos da competição e a maximização do lucro são colocados como regras fundamentais da vida e do progresso. Essa configuração se reproduz em crises econômicas cíclicas, que afetam o grosso do trabalho da sociedade, violentando a geração das riquezas produtivas através da livre circulação do capital especulativo no mundo. Ou pior, transformando o sistema financeiro, como afirmou nosso presidente “num cassino no qual os especuladores perderam na roleta” sem se preocupar pelo alto preço que a sociedade paga por tal irresponsabilidade. Felizmente, o Brasil tem uma blindagem de 207 bilhões de dólares que serve como mecanismo para amenizar uma possível crise local. É bom lembrar que isso é resultado da capacidade do governo de ter zerado quase que totalmente a dívida externa, antecipando desse modo qualquer ataque especulativo. Tal medida foi posta em prática sem recorrer às privatizações, sem sacrificar o emprego e a renda do trabalhador e, fundamentalmente, sem hipotecar o crescimento econômico do país que, diga-se de passagem, foi feito na mais ampla e exitosa política keynesiana que qualquer nação latino-americana tenha realizado até o presente.
Moral da história? Mais uma vez o Brasil dá exemplos de sucesso para o mundo capitalista. Nos melhores moldes do planejamento estatal, o chefe do Comitê de Bancos do Congresso dos Estados Unidos quer criar uma versão moderna de uma instituição da era da depressão dos anos 30. Quem poderia imaginar! Na catedral do laissez-faire: Wall Street e Washington, chegou-se a considerar a hipótese de uma estatização dos bancos em dificuldades. Existe tanta confusão na terra do Tio Sam, que talvez haja necessidade de convocar o presidente Lula para dar uma assessoria de graça aos consultores do norte “desenvolvido”.
Victor Alberto Danich - Sociólogo

O FEITIÇO LIBERAL SE ESVAZIA PERANTE A CRISE

O conceito neoliberal de que o Estado deve ser mínimo e o mercado absoluto, se desvanece perante a crise atual dos Estados Unidos, donos de tal discurso. Recordam? “Faça o que eu digo e não faça o que eu faço” Por que tal comentário? Os EUA são os maiores devedores do planeta, com déficits gigantescos em seu orçamento público e sua balança comercial, enquanto dependem do financiamento do resto do mundo para se manter de pé.
Para entender a crise no mercado imobiliário norte-americano, devemos fazer um pouco de história. Durante 2002, por causa da redução da taxa de juros, houve um crescimento do mercado imobiliário através da venda de casas a juros baixíssimos e uma gigantesca especulação financeira ao redor dele. Esgotado o potencial de venda de novas casas para consumidores com condições de pagamento, as financeiras estenderam para os que não podiam pagar. As pessoas eram convencidas a fazerem negócio, porque depois da compra, com o aumento do preço das casas, resultado da procura cada vez maior, refaziam a hipoteca com um preço mais alto e ganhavam dinheiro. Por outro lado, os bancos transformavam essas dívidas em títulos do mercado financeiro que se negociavam no mundo todo.
Vocês se lembram? Assim funcionam as “pirâmides” que os picaretas fazem em qualquer lugar. São aquelas que se ampliam, na qual as pessoas ganham dinheiro até que param de crescer. Os últimos a entrar na história são os que perdem tudo. Conseqüências? Quando não havia mais a quem vender, estourou a crise. Os bancos que patrocinaram tal carnaval financeiro sofreram perdas brutais, além das corretoras e famosas empresas de consultoria, chamadas pelo presidente Lula de “palpiteiros”. A revista Veja, defensora inconfessável do modelo neoliberal, cita o governo Bush como a tropa de choque que está tentando evitar a crise, no melhor estilo intervencionista, escondendo que a mesma é resultado da própria ideologia liberal, resumida nas palavras de um de seus intérpretes, Ronald Reagan, que dizia: "o governo não é a solução, mas sim o problema". Se o presidente hollywoodiano estivesse vivo, diria: “Esqueçam o que falei”.
Victor Alberto Danich
Sociólogo

quarta-feira, 20 de agosto de 2008

UNIVERSOS PARALELOS

Os filósofos da antiguidade suspeitavam da magnitude cósmica. Tanto, que naquela época já se conjeturava sobre sua própria finitude. Em 56 a.C., o filósofo Lucrécio argumentava que se o universo fosse finito, alguma coisa existiria além dele. Nesse caso, o que isso quer dizer? A definição encontra-se no próprio conceito de universo. Se ele significa tudo, esse tudo também deve estar além das fronteiras. Foi Albert Einstein que lançou uma nova idéia sobre a finitude do universo. A proposta da teoria da relatividade geral, de que o universo poderia ser finito mas sem limites, deixou muitas pessoas desconcertadas. Um Universo finito curvado num espaço tridimensional, com uma superfície em forma de bola, no qual circulam objetos ou seres em diferentes direções sem encontrar nunca uma fronteira, é uma idéia abrumadora.
Entretanto, as evidências deixadas pelo calor da explosão primordial ou big-bang, nos sugere a existência de um Universo sem limites em constante expansão. Nessa magnitude cósmica sem fronteiras, é possível que ocorram possibilidades infinitas de fatos além da nossa imaginação. Uma delas seria, a milhões de anos luz, a possibilidade da existência de infinidades de universos paralelos, cópia fiel do nosso ou totalmente diferentes.
A descoberta de que um vasto número de ondas indica a existência simultânea de diferentes estados para as partículas, poderia ser a prova de que há um número ilimitado de universos paralelos ao nosso. A física atual sustentada na teoria quântica, mostra-nos que o universo conhecido é apenas uma parte de um multiverso com características próprias de energia e matéria. Alguns cosmólogos consideram os diferentes universos paralelos como um fenômeno totalmente isolado de nós, já que parecem ter uma dinâmica própria e uma distância exorbitante. Em contrapartida, a teoria quântica argumenta que esses universos estão muito mais próximos do que imaginamos, já que criam efeitos de “interferência” através de ondas no universo do qual fazemos parte. Tal vez o aparecimento de espíritos ou seres sobrenaturais, que tanto nos assombram, sejam apenas nossas réplicas, as quais vivem nos múltiplos universos paralelos, e que, de uma forma ou outra, tentam entrar em contato conosco através de ondas de interferência produzidas pelo “fóton solitário”. Essa forma elegante de dizer que não há nada além do que forças físico-químicas que alteram nossa existência, provavelmente sejam as provas irrefutáveis da origem das espécies, que permita definitivamente escolher o futuro possível da humanidade, livre de deuses e demônios.
Victor Alberto Danich
Sociólogo
Publicado no Jornal O Correio do Povo, p.10 (20/08/2008)

quinta-feira, 3 de julho de 2008

SECUESTRADO POR UM OVNI

O OVNI do Bairro Três Rios do Norte esteve por lá para despistar as pessoas. Na verdade, outro mais discreto, num ato maquinal, me abduziu enquanto estava dormindo. Acordei rodeado de homenzinhos verdes que me diziam que era um animal premiado, já que me escolheram para fazer alguns testes biológicos. Puxa vida, só faltava essa. Durante o percurso interestelar à velocidade da luz, fui me acalmando. Ao final, poderia considerar-me um cara de sorte. Conferir corporalmente a Teoria da Relatividade é um privilégio que ninguém teve até agora, se continuasse vivo para contar.
De tanto esperar que falassem comigo, parti para o combate verbal – a melhor arma é o ataque, pensei – Que vocês acham que são? Os donos do universo? Vocês pensam que podem tirar da cama as pessoas desse modo, sem avisar? Aquele que parecia mais velho falou no idioma de origem e depois traduziu para mim: Se não calar a boca, te acerto.
Caramba, o sujeito acabou com meus argumentos de forma conclusiva.
Sempre imaginei que os alienígenas eram mais condescendentes com os Homo Sapiens. Terminei descobrindo que há atitudes que são comuns a todos os seres, independente de sistemas ou galáxias. Parece que existe um inconsciente coletivo universal. A prova disso foi quando apareceu uma fêmea planetária. Se não fosse pela cor verde, diria que era a Gisele Bündchen. A bela se aproximou e falou sem hesitação: Não serve!
Isso acabou com minha fantasia erótica de ser seduzido por uma extraterrestre. Em fim, minhas alternativas, a essa altura (e a essa distância) eram tremendamente escassas. Fiquei quieto tentando consertar meu ego destroçado. Com o tempo pude verificar que nossos amigos são gente boa. Como eles desistiram de me entregar para a madame, nossa conversa fluiu descontraída.
Um deles fez questão de me apresentar os filhos. De longe, é claro. E me explicou as razões, que tentarei detalhar sem perder a auto-estima. Parece que no universo infinito não existe muito divertimento. O único lugar para visitar e dar risada de coisas inexplicáveis é a Terra. Somos o Zoológico das Galáxias. Às vezes, nossos visitantes se escandalizam, outras se compadecem, mas nunca se aproximam. Tal constatação me levou a pensar no meu destino incerto. Por que comigo, então? Tremendo engano. A gostosa estava escolhendo um bichinho de estimação, e desistiu vencida pelo risco. Isso podia significar o retorno a meu habitat. E foi o que aconteceu.
Aquele que parecia mais velho começou a discursar no idioma deles. Depois de algum tempo, voltou-se para mim e emitiu uma sentença categórica: Vamos te levar de volta.
Que alegria! Retorno ao Zoológico. Pode ser um planeta de loucos, mas é meu planeta. Nele ainda tenho a liberdade de escolha. Posso ser bom ou mau. Posso ser solidário ou insensível. Posso me irritar com as injustiças e lutar para acabar com elas. Ganho com isso o direito de renunciar a ser cobaia de outros mundos, tornando-me mais humano para sempre.
Victor Alberto Danich
Sociólogo

AS INCERTEZAS DA VIDA

Sempre me ensinaram, desde criança, que deveria respeitar os mais velhos. Agora que sou velho tenho que respeitar, por convencimento, os mais jovens. Tal comentário não é um jogo de palavras. É uma frase que faz com que sempre esteja policiando nossas máscaras, de modo a preservar a dignidade da pessoa, na liberdade. Na medida em que o tempo vai passando, ele vai se modelando de diversas formas (até circular, como diria o escritor Borges) e nos faz pensar que essa história de “pobres velinhos” é uma mentira disfarçada. A construção cultural de que a senilidade torna as pessoas frágeis e desconcertadas, é uma farsa secular. Se a gente foi ruim de jovem, podem ter certeza, com a velhice isso vai aumentando proporcionalmente. O esconde-esconde das ações e dos maus pensamentos sempre vem acompanhado da fachada de “pobrezinho o vovozinho”.
Claro! Não se espantem. Nada nesta vida é uma constante linear. Não existe bem de um lado e mal do outro. Tal maniqueísmo é próprio das invenções politicamente corretas, aceitas como verdadeiras. Isso acalma a sociedade. Se houver uma recaída senil, é apenas um desvio. As monstruosidades cometidas por velhos são dissimuladas nos porões do esquecimento social.
Mas vejam, as estatísticas mostram que por cada jovem mal encarado, existe um velho muito pior. A história da humanidade nos revela isso. Insanos enrugados, tarados senis, destruidores insensíveis, assassinos cruéis, seqüestradores infames, escritores malfadados, militares diabólicos, políticos corruptos, estupradores de crianças, religiosos pedófilos, expertos que se fazem passar por loucos e muitos outros. A lista é interminável. Os jovens devem viver apavorados. Sinto uma profunda compaixão por eles.
Nessa trágica enumeração, o que há de similaridade? Todos são velhos, não tem muito tempo de vida. Anelam a juventude que perderam. Vingam-se destruindo o mundo e sua beleza. Não suportam a exuberância juvenil, desautorizando-a com a artimanha de que a experiência é resultado dos anos. É por isso que nós, velhos, devemos aprender com os jovens. Eles, todos os dias, nos ensinam alguma coisa nova. O amor juvenil, o desapego às convenções, os sonhos ilimitados e as vivências da própria vida. Não temos direito de isentar-nos da contemporaneidade de nossos atos. Devemos sim, responder por eles do que nos desonerar da responsabilidade sobre os mesmos. Nossa tarefa é descobrir nesse percurso quais são os erros cometidos. Quem sabe um dia a gente possa compartilhar a vida sem as incertezas da longevidade, com os velhos refazendo os caminhos para que os jovens os transitem sem medo do futuro.
Victor Alberto Danich