segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

EMIR SADER: 10 ANOS DE GOVERNOS PÓS-NEOLIBERAIS NO BRASIL

Em primeiro de janeiro de 2013, se cumprem 10 anos desde a posse do governo Lula, que teve continuidade na sua reeleição em 2006 e na eleição da Dilma em 2010. Dessa maneira se completa uma década de governos que buscam superar os modelos centrados no mercado, no Estado mínimo nas relações externas prioritariamente voltadas para os Estados Unidos e os países do centro do sistema.

Por Emir Sader*

São governos que, para superar a pesada herança econômica, social e política recebida, priorizam, ao contrário, um modelo de desenvolvimento intrinsecamente articulado com políticas sociais redistributivas, colocando a ênfase nos direitos sociais e não nos mecanismos de mercado. Buscam o resgate do Estado como indutor do crescimento econômico e garantia dos direitos sociais de todos. Colocam em prática políticas externas que dirigem seu centro para os processos de integração regional e os intercâmbios Sul-Sul e não para Tratados de Livres Comércio com os EUA.
Os resultados são evidentes. O Brasil, marcado por ser o país mais desigual do continente mais desigual do mundo, vive, pela primeira vez com a intensidade e extensão atuais, profundos processos de combate à pobreza, à miséria e à desigualdade, que já lograram transformar de maneira significativa a estrutura social do país, promovendo formas maciças de ascensão econômica e social, com acesso a direitos fundamentais, de dezenas de milhões de brasileiros.
Dotando o Estado brasileiro de capacidade de ação, estamos podendo reagir aos efeitos recessivos da mais forte crise econômica internacional das ultimas oito décadas, mantendo – mesmo se diminuído – o crescimento da economia e estendendo, mesmo em situações econômicas adversas, as políticas sociais redistributivas.
Por outro lado, políticas externas soberanas projetaram o Brasil como uma das lideranças emergentes em um mundo em crise de hegemonia, com iniciativas coletivas e solidárias, com propostas que apontam para um mundo multipolar, centrado em resoluções políticas pacíficas dos focos de conflitos e em formas de cooperação solidária para o desenvolvimento das regiões mais atrasadas.
No entanto, esses governos recebem uma pesada herança de um passado recente de enormes retrocessos de todo tipo. O Brasil – assim como a América Latina – passou pela crise da dívida, que encerrou o mais longo ciclo de crescimento econômico da nossa história, iniciado nos anos 1930 com a reação à crise de 1929. Sofreu os efeitos da ditadura militar, de mais de duas décadas, que quebrou a capacidade de resistência do movimento popular, preparando as condições para o outro fenômeno regressivo. Os governos neoliberais, de mais de uma década – de Collor a FHC – completaram esse processo regressivo do ponto de vista econômico, social e ideológico.
Assim, Lula não retoma o processo de desenvolvimento econômico e social onde ele havia sido estancado, mas recebe uma herança que inclui não apenas uma profunda e prolongada recessão, mas um Estado desarticulado, uma economia penetrada pelo capital estrangeiro, um mercado interno escancarado para o mercado internacional, uma sociedade fragmentada, com a maior parte dos trabalhadores sem contrato de trabalho.
O segredo do sucesso do governo Lula, seguido pelo de Dilma, está na ruptura em três aspectos essenciais do modelo neoliberal:
- a prioridade das políticas sociais e não do ajuste fiscal, mantido em funções dessas políticas
- a prioridade dos processos de integração regional e das alianças Sul-Sul e não de Tratado de Livre Comércio com os EUA
- a retomada do papel do Estado como indutor do crescimento econômico e garantia dos direitos sociais, deslocando a centralidade do mercado pregada e praticada pelo neoliberalismo.
Essas características constituem o eixo do modelo posneoliberal – comum a todos os governos progressistas latino-americanos -, que faz do continente um caso particular de única região do mundo que apresenta um conjunto de governos que pretendem superar o neoliberalismo e que desenvolvem projetos de integração regional autônomos em relação aos EUA.
Foi uma década essencial no Brasil, não apenas pelas transformações essenciais que o país sofreu, mas também porque ela reverteu tendências históricas, especialmente à desigualdade, que tinham feito do Brasil o país mais desigual do continente mais desigual do mundo.
A década merece uma reflexão profunda e sistemática, que parta da herança recebida, analise os avanços realizados e projete as perspectivas, os problemas e o futuro do Brasil nesta década. Um livro com textos de 21 dos melhores pensadores da esquerda, que está sendo organizado por mim, deve ser lançado num seminário geral por volta de abril e, a partir desse momento, fazer várias dezenas de lançamentos e debates por todo o ano.
O projeto pretende promover discussões estratégicas sobre o Brasil, elevando a reflexão sobre os problemas que enfrentamos e projetando o futuro da construção de uma alternativa ao neoliberalismo.

* Emir Sader é sociólogo e cientista, mestre em filosofia política e doutor em ciência política pela Universidade de São Paulo (USP)



terça-feira, 14 de agosto de 2012

FALANDO SOBRE MUROS

Quando se escreve sobre economia política, a melhor maneira de organizar o tema é a contextualização histórica, como forma de prescrever a origem de qualquer fenômeno. Já que há pessoas que se preocupam com muros, vou acrescentar alguns dados importantes para enriquecer o assunto. Vamos começar pelo Muro de Berlin, que talvez seja o mais conhecido por causa de um mundo polarizado entre duas potências imperialistas inimigas durante o breve século 20. O muro citado tinha 155 km de extensão e em alguns pontos até 4,20 metros de altura, com torres de vigilância, bunkers e canais. Foram 5.075 pessoas que fugiram entre a construção e a queda do Muro de Berlin através de túneis e balões. Desse total, 223 pessoas morreram ao tentar atravessá-lo entre 1961 e 1989. Resulta conveniente relembrar a existência de outros muros pós-comunistas, com características similares. O muro que divide a Cisjordânia de Israel e aquele que impede a passagem de imigrantes mexicanos para os Estados Unidos são os mais emblemáticos. O primeiro, no oriente médio, tem 721 km, dos quais 20% está situado na antiga linha Verde, definida em 1948, e os 80% restantes encontra-se em terras palestinas, isolando cerca de 450.000 pessoas. O segundo, considerado uma muralha, tem 3m de altura e 1.000 km em terras que no século 19 pertenciam ao México, além dos 2.000 km que abrange os estados de Texas, Califórnia, Arizona e Novo México. Tudo isso pontilhado por postos policiais equipados com TV e sensores remotos, além de holofotes de radiação infravermelha que projetam intensas faixas de luz para espionar, no meio da escuridão, pessoas no território mexicano que transitam próximo à fronteira. Mais de 5,6 mil pessoas morreram tentando atravessar para o lado norte-americano. Circulação de mercadorias tem trânsito livre, seres humanos não. Pode-se observar que muros desse tipo não é apenas criação dos devoradores de criancinhas. Também devemos creditar o mérito ao capitalismo, deixando de lado outros tantos, para não criar mal-estar, que são os muros das Alphavilles da vida.
Por outro lado, como sou considerado o “Novo Homem de Marx” residente em Jaraguá do Sul, devo esclarecer aos meus leitores que o relato “curioso” sobre as empresas das duas Alemanhas na minha coluna da terça passada, tem como referência o semanário Francês conservador Le Monde Diplomatique, intitulado “Un formidable transfert de proprieté” (Rowell, Jay; abril de 1997). Se alguém estiver interessado em maiores informações sobre o caso, posso ampliar o tema futuramente.
Para finalizar, gostaria de dizer que Marx nunca teve nada a ver com muros. Ele era apenas um pensador que descobriu o fenômeno da composição orgânica do capital, nunca analisado pelas teorias clássicas de valor e lucro. Seguramente nem sequer sabia com se assenta um bloco para construir um muro. Posso afirmar que nisso há uma diferença notável entre Marx e eu, já que trabalhei como servente de pedreiro na construção da minha casa. Portanto, de muros eu entendo, principalmente na interação dialética entre o trabalho manual e intelectual. Outros, talvez por alguma deficiência, sejam incapazes de observar além dos “muros” da sua própria realidade, que lhes permita ultrapassar suas fronteiras maniqueístas.
Victor Alberto Danich
Sociólogo

A INTEGRAÇÃO GENEROSA DA ALEMANHA

Pressionada pela derrota eleitoral do seu partido, o CDU democrata-cristão em seis eleições estaduais, a primeira ministra Angela Merkel anda falando numa agenda de crescimento. Isso envolveria – contrariando os defensores da austeridade fiscal – investimentos públicos para sair da armadilha do desemprego e reativar os processos produtivos. Quem diria. Depois de perder no maior Estado, a Renânia do Norte-Vestifália, sua terra natal, a ministra vive assustada em ser ultrapassada por uma coligação do Partido Verde com os socialistas e outras forças de esquerda. Por causa da cuidadosa propaganda dos círculos conservadores alemães, de que a unificação com o país oriental prejudicou a Alemanha Federal – em razão do seu esforço para subsidiar a transformação da ex-economia comunista – é bem possível que muitos  desconheçam os fatos que tiveram um resultado inesperado após a caída do Muro de Berlin.
A euforia despertada pela derrocada do comunismo e a sonhada unificação terminou por esconder uma crise muito mais profunda. Na verdade, foi Alemanha Oriental que “subsidiou” à Ocidental através de uma gigantesca transferência líquida de riqueza em benefício de empresas e grupos especulativos, por meio de um sistema de apropriação em larga escala. Um deles foi a “restituição” maciça de propriedades, em geral a cidadãos da parte ocidental. Dessa forma, perto da metade da população oriental perderam suas casas. Essas “restituições” e “privatizações” fizeram com que a maior parte do patrimônio imobiliário da ex-república passasse para mãos do ocidente, o que sustentou seu consumo e seus investimentos. Tudo isso foi acompanhado pelo desmantelamento do tecido produtivo da Alemanha Oriental. A Treuhand, organismo encarregado de administrar as empresas estatais dos territórios anexados, teve a sua disposição 30 mil empresas (quatro milhões e meio de assalariados), cuja liquidação, realizada de forma brutal em meio a negócios turvos, terminou beneficiando a grupos reduzidos do Oeste, deixando sem emprego mais de três milhões de pessoas. O que aparentou ser uma generosa e patriótica integração do Leste, na realidade foi uma imensa depredação em benefício das classes altas do Oeste. A estratégia montada sobre a base das privatizações e desmantelamentos industriais, além das transferências de propriedades, permitiu que empresas da Alemanha Federal se apoderassem dos mercados da Alemanha Oriental e de países abastecidos tradicionalmente por esta última. Por outro lado, a equiparação cambial entre as duas moedas, sob a aparência de generosidade, provocou um aumento brutal dos custos das empresas da parte oriental, empurrando-as para a falência. A derrocada industrial dos irmãos pobres e comunistas era combinada com medidas de sustentação do consumo da parte ocidental, subsidiado com impostos pagos por toda população alemã. O resultado foi uma concentração de renda maior em ambas as Alemanhas. A senhora Merkel conhece muito bem o desenlace, assim como também do seu futuro incerto. Portanto, o afrouxamento cauteloso nos dogmas financeiristas é resultado da pressão dos eleitores dos diversos países chamados a opinar, assim como dos cidadãos indignados que lotam as praças das capitais européias, atentos às armadilhas do capitalismo do desastre.
Victor Alberto Danich
Sociólogo

ACONTECIMENTOS RECENTES

Os acontecimentos destas últimas semanas deixaram exasperados os corações daqueles que estão de plantonistas esperando notícias chocantes. E realmente aconteceu mesmo. O episódio que envolveu Lula, Maluf, Erundina e o candidato Fernando Haddad ganhou um amplo destaque na mídia, bem ao gosto do pasquim Veja, que não perdeu um segundo para exaltar com magnificência negativa tal aliança bizarra. A desistência de Luiza Erundina cumpriu um papel pedagógico nessa composição, e pode-se dizer que merece a admiração de todos os eleitores brasileiros por sua coerência ideológica. Desculpe-me Lula, mas apertar a mão de um inimigo histórico é demais para meu elaborado pragmatismo. Mesmo assim, como sociólogo, eu entendo o que deve significar ser finalmente reconhecido como figura emblemática. Pena que isso seja usado pelo eterno “estelionatário político” para se reinventar a custa do prestígio do ex-presidente. Será que valeu a pena perder a dignidade política por um minuto e meio a mais de propaganda eleitoral? Com isto, meus amigos da oposição ao governo vão ficar felizes comigo. Vamos curtir vários chopes abraçados. No entanto, já que a Veja evita destacar com manchetes os fatos correlatos, vou tentar ampliar o panorama dessa corrida pelo poder. Durante as negociações, as hostes malufistas resistiram ao assédio do PSDB, comandados por Serra-Alckmin, que oferecia cargos no governo paulista, e se inclinaram pela aliança com o PT, em troca de assento no governo federal. Por outro lado, devemos lembrar que o Partido Progressista faz parte da base aliada do governo, o que justificaria essa aliança em São Paulo. Pode?
A mídia pode. Pode surrupiar algumas coisas importantes com o que segue. A revista Veja, que foi a principal denunciante do ex-ministro dos Esportes Orlando Silva, com a matéria intitulada “Ministro recebia dinheiro na garagem”, da edição de 13 de outubro de 2011, assinada por Rodrigo Rangel, teve a assistência esmerada do editor chefe do semanário em Brasília, Policarpo Junior, na construção do texto citado. Justamente os mesmos jornalistas detectados pelas escutas telefônicas como participantes dos esquemas do bicheiro Carlinhos Cachoeira. É bom recordar a reportagem, caros leitores. Ambos deram seis páginas para o suspeito e acusador da Polícia Militar João Dias e apenas oito linhas para a defesa de Orlando Silva. Estimado assinante, vou dar a notícia que a revista omite descaradamente. No dia 12 de junho de 2012, a Comissão de Ética, por absoluta falta de provas, arquivou o processo contra o ex-ministro. O caso era baseado na denuncia de João Dias, que acusou Orlando de ter recebido dinheiro ilegal de ONGs. Naquela época, no Congresso, o ex-senador Demóstenes Torres era o maior detrator de Orlando Silva. Que ironia.
Victor Alberto Danich
Sociólogo

MUDANÇA DE ÉPOCA

Tudo começou com a caída do Muro de Berlim e a posterior implosão do bloco soviético. Naquele momento, a maioria dos países latinoamericanos davam os primeiros passos no caminho da recuperação democrática, num percurso em que o ciclo neoliberal se acentuava como alternativa econômica. Tal contexto criou a oportunidade para a chegada ao poder, poucos anos depois, de uma nova esquerda. O que parece uma incongruência possui uma explicação muito simples: desaparecido o risco de que os governos sul-americanos caíssem nas redes de Moscou na sua estratégia planetária, fez com que os Estados Unidos deixasse de se preocupar com seu tradicional fundo de quintal, embarcando em guerras longínquas. Desse modo, abriu-se um vácuo de influência em Sul-América – possibilitando um espaço de autonomia inédito – que permitiu um giro à esquerda que, num outro momento, de plena Guerra Fria, Washington teria desarticulado por meio de golpes de Estado, ação contumaz que todos conhecemos.
No entanto, ocorreu uma transformação fundamental, num giro histórico profundo que se manifestou num clima de mudança de época, que revela o desmoronamento de regímenes supostamente exitosos, além de uma sensação de angustia e perplexidade que levou às sociedades latino-americanas a explorarem novas alternativas políticas. A evidência é abrumadora.
Se em Sul-América vivessem cem pessoas, oitenta estariam sob governos de esquerda. Se Sul-América tivesse cem quilômetros quadrados de superfície, oitenta e um pertenceriam a países governados pela esquerda. Se o produto bruto sul-americano fosse de cem dólares, noventa seriam manejados por ministros de economia de esquerda. Mais ainda, se em Sul-América houvesse cem militares, sessenta e cinco teriam como comandante em chefe presidentes de esquerda. Se se produzissem cem barris de petróleo, noventa estariam controlados por governos de esquerda. O novo tempo político que vive a região, que alguns qualificam de giro á esquerda, e outros como um processo pós-neoliberal, não é resultado de um acidente histórico transitório limitado á alguns países, com é o caso da Revolução Cubana em 1959, o triunfo de Salvador Allende em 1970 ou a vitória Sandinista em 1979. A situação é diferente. Em pouco tempo, quase toda Sul-América deixou para trás a etapa neoliberal e escolheu líderes e partidos políticos que propunham um caminho distinto. Tudo gira, apesar dos problemas titânicos, sobre a construção de um novo modelo de desenvolvimento econômico, no qual a luta contra a pobreza e a desigualdade deveria se o parâmetro com o qual fosse medido o sucesso ou fracasso dos governos da nova esquerda. Mesmo assim, seus rasgos essenciais são assumidos como uma corrente política que prioriza, ante de tudo, a luta pela igualdade social – sobretudo em relação ao Estado e sua intervenção na economia – perante uma direita que concebe as hierarquias sociais como naturais e até positivas, sempre centradas apenas no mérito do esforço individual. De qualquer forma, trata-se de uma esquerda distinta, flexível, pragmática e reformista, que procura avançar lentamente na construção de sociedades mais justas. Nisso reside grande parte do seu paradoxo encantador, que mobiliza multidões carentes rumo a um futuro mais humano.
Victor Alberto Danich
Sociólogo

segunda-feira, 9 de julho de 2012

LULA, A VOZ DO BRASIL

O título deste artigo são palavras de Frei Betto, ignoradas pela mídia de pasquim, que peca pela incapacidade de usar o recurso da contextualização histórica para explicar os fatos sociais na forma como realmente acontecem. A liberdade de imprensa só funciona quando se livra das amarras do sectarismo conservador que a alimenta economicamente. No entanto, essa mesquinharia é ultrapassada por acontecimentos muito difíceis de serem filtrados, porque circulam em tempo real ao redor do mundo. Apenas os desinformados não sabem disso. E mesmo sabendo, as próprias frustrações ideológicas, politicas ou de classe, não lhes permitem fazer essa leitura. O que se segue é do intelectual britânico Anthony Giddens, diretor da London School of Economics and Political Science (LSE), que recepcionou o então presidente Lula com as seguintes palavras: “O senhor ganhou a chance de mudar o mundo”, na oportunidade em que fez o discurso de abertura dessa instituição. Os mais avisados devem-se lembrar da ocasião em que Lula foi o 16º agraciado com o título de doutor honoris causa pelo Instituto de Estudos Políticos de Paris em 140 anos de história que, entre outras particularidades, é uma honraria concedida pela primeira vez a uma personalidade latinoamericana. Não apenas isso, a consagração máxima que um presidente do Brasil e do mundo já teve, veio com o prêmio de Estadista Global, nada menos que no Fórum Econômico Mundial, em Davos (Suíça), como primeira edição da homenagem, criada para marcar o aniversário de 40 anos desse evento. Seu fundador, Klaus Schwab, disse na oportunidade que “O presidente do Brasil tem demonstrado verdadeiro compromisso com todas as áreas da sociedade" – e arrematou – “O presidente Lula é um exemplo a ser seguido pelas lideranças globais, pelo seu compromisso em continuar de mãos dadas com o objetivo de integrar crescimento econômico e justiça social”.
No entanto, além do compromisso retórico dessas homenagens, o fato real se reflete na sua atuação efetiva como uma liderança que assentou as bases para um Brasil mais solidário, cuidando de não ultrapassar os condicionantes de um modo de produção capitalista, mas optando pelo desenvolvimento em função de políticas públicas de inclusão social. O silêncio por parte de um setor da sociedade em reconhecer o destaque universal de um brasileiro nordestino, esconde de forma disfarçada o pior que existe do preconceito social e de classe. Apesar disso, não há nada melhor do que saber que a grande maioria da população brasileira reconhece nele o líder político que venceu o medo através da esperança. Não apenas pela função que Lula exerceu como presidente do Brasil, senão como aquele ser humano que, numa trajetória de “político orgânico” segundo as palavras de Paulo Freire, ajudou a modelar os rumos da política brasileira por meio das lutas populares pela cidadania plena. Esse homem que nasceu brindado pelo dom da oratória, converteu-se no grande protagonista deste século, do Brasil e do mundo, no qual a luta contra a desigualdade e a pobreza tornou-se a prioridade máxima de sua agenda política, apesar dos inimigos da civilização pintados de democratas.

Prof. Victor Alberto Danich

O SOCIALISMO COMO EXPERIÊNCIA COGNITIVA

Falar de socialismo na atualidade não é apenas uma mera retórica academicista e sim a revelação pública de uma prática realizada por meio de ferramentas sociais aplicadas e incorporada pelo próprio capitalismo de pós-guerra. A social-democracia é o exemplo mais claro dessa conceituação. O paroxismo da Guerra Fria dos anos 50 escondeu para o público menos atento as mudanças da economia política que aconteceram no ocidente durante o breve século vinte. Desde as lutas contra o colonialismo até as ideias reformadoras que mudaram a cara do liberalismo econômico do Laissez-faire, que defendia como versão mais pura de capitalismo, aquela no qual o mercado devia funcionar livremente, sem qualquer interferência, principalmente do Estado. Tal conceituação mostrou-se errônea na deflagração da crise de 1929, que se repete de forma similar na atualidade, porém com intensidade muito maior. Basta relembrar que na década de 30, o economista inglês John Maynard Keynes, demonstrou que o mito do mercado auto-ajustado tinha perdido seu sentido ideológico perante a crise, e provou que a interferência do governo na economia através da tributação, dos empréstimos e gastos, poderia salvar o capitalismo das crises cíclicas e do ataque das doutrinas comunistas. A publicação da “Teoria Geral do Emprego, dos juros e da Moeda” mostrou sua eficácia, tanto que foi o modelo adotado no ocidente pela social-democracia através do Estado do Bem-Estar. Curiosamente, Keynes, o salvador do capitalismo, era acusado de comunista.
No entanto, a prosperidade mundial de pós-guerra terminou por esconder a verdadeira origem desse processo. A Escola de Chicago, revigorada pelo Consenso de Washington, voltou a impor nos anos 80 o modelo econômico liberal fantasiado de cara nova. Os gestores desse processo, chamado de “destruição criadora”, Margaret Thatcher e Ronald Reagan, conseguiram transformar os Estados em espectadores falidos, em soberanias apenas nominais, incapazes de sustentar o consumo social, facilitando a desregulamentação, liberalização, flexibilidade, alivio de cargas tributárias e facilitação das transações no mercado financeiro imobiliário e trabalhista, abandonando grande parcela dos trabalhadores à sua própria sorte, condenados sem qualquer sensibilidade a um perverso processo de exclusão social.
Nessa mágica financeira, a única tarefa permitida ao Estado era a realização de um “orçamento equilibrado” deixando ao “ímpeto explorador das corporações” a tarefa da inexorável disseminação das regras do livre mercado. O resultado dessa aventura pode ser observado claramente na atualidade, no seu fracasso retumbante em grande parte do planeta. Por que então os detentores do poder são incapazes de mudar essa situação? Simplesmente porque são os beneficiários diretos desse modelo. As grandes fortunas acumuladas durante estes últimos 30 anos de vigência de uma economia neoliberal, centradas na especulação financeira, muito distante do trabalho produtivo, apenas funcionaram como concentradoras de renda para uma aristocracia globalizada composta de no mais de 360 indivíduos, possuidores de 42% do PIB mundial em suas mãos. Tal acúmulo corresponde a 2,3 bilhões de seres humanos que vivem abaixo de uma linha infernal de pobreza. Imagino que não é esse o capitalismo que queremos. Ou sim?
Um empresário da nossa cidade, pelo qual curto um grande apreço, disse-me no final de uma palestra se o que eu pretendia era que os ricos entregassem seu patrimônio para os pobres. No entanto, eu nunca cogitei coisas dessa natureza. A única maneira de diminuir a desigualdade social é através de políticas públicas de distribuição de renda. Quem é capaz de realizar essa tarefa é o Estado, soberano e democrático. Foi o que tentou fazer o melhor presidente que os Estados Unidos de Norte-América já tiveram – Franklin Delano Roosevelt – durante a crise de 1929. É bom recordar que as elites conservadoras daquele país acusavam-no de ter ligações com os socialistas. A Europa e a Ásia se saíram melhor na aplicação dessas políticas durante o período de crescimento dos anos seguintes à guerra, bem antes de serem atacadas pelo cassino globalizado da década de 90. São justamente essas políticas públicas vigorosas de inserção social que fazem com que o Brasil possa se blindar contra a crise. Não existe nada de sobrenatural nessa afirmação, apenas a reconversão de um modelo monetarista para um novo paradigma desenvolvimentista com distribuição de renda, defendido na atualidade pelo economista Delfim Neto, que, por sinal, para quem não sabe, um grande estimulador da política econômica do nosso país, nos moldes do pensamento de Raúl Prebisch e Celso Furtado.
O desconhecimento dos processos econômicos ao longo da história é causado pela divulgação de dados fragmentados, que impossibilitam questionar a natureza dos próprios modelos vigentes. O obscurantismo ideológico termina confundindo as pessoas que não tem acesso a pesquisas sérias, aquelas que circulam nos meios acadêmicos ou especializados, encarregados de monitorar a circulação do capital financeiro no mundo e suas aplicações, que não são necessariamente no setor produtivo. Desse modo, os indivíduos que apenas acessam a dados dimensionados de forma confusa e burlesca, não percebem que estes mascaram a verdadeira natureza do capitalismo financeiro. A divulgação de “clichês” contextualizados numa parafernália economicista acaba reforçando o próprio sistema, que se apresenta como o único modelo a ser seguido. Por não atacar a fundo o problema principal, que é a concentração da riqueza de maneira monstruosa por uma elite transnacional invisível, longe de qualquer suspeita daqueles que constroem a riqueza deste mundo, as informações se esvaziam do seu conteúdo crítico. Essa é a razão porque alguns indivíduos sentem-se atingidos no cerne de sua própria trajetória empresarial, imaginando que com a construção deste discurso tenta-se criminalizar-los. Nada mais distante. Só basta ler com maior atenção os economistas premiados com o Nobel em 2001 e 2008 respectivamente, Joseph Stiglitz e Paul Krugman, para perceber o eixo de suas críticas ao modelo neoliberal, que os configura como defensores de um capitalismo produtivo, aquele que investe seus recursos no atendimento do consumo social. Qualquer modo de produção que crie bens e serviços direcionados a atender as necessidades da sociedade, fomentando o virtuosismo do trabalho na consolidação da renda e do emprego, de modo a contribuir com a inserção daqueles que ajudam a construir o patrimônio de uma empresa e de uma nação, sempre será bem-vindo.
No entanto, a ação política, além da gestão burocrática e econômica deve, antes de tudo, cumprir um papel conscientizador, já que não existe para os homens e mulheres atuais, outra determinação mais importante do que aquela que surge desta premissa, porque a historicidade do ser humano sempre foi a reprodução de etapas superiores de sua própria humanidade. Tal melhoria como máxima exteriorização de “um comportamento ético”, deve ser, por outro lado, uma atividade direcionada para o exterior. A superação do “ethos” só existe no marco do desenvolvimento das relações externas entre os indivíduos. A atividade transformadora direcionada para o “exterior” é o campo da política, porque o problema do poder totaliza a questão vital da realização humana de cada sociedade. Quando isso não acontece, castra-se essa realização, porque não existe nela a criatividade que transcenda o interesse individual; a criação se direciona a competição com os outros, se expressa na individuação em detrimento do coletivo, no lugar da individuação como enriquecimento do social. A resolução entre as duas formas da consciência: a implícita na prática, que é coletiva e, a outra, superficialmente explícita, expressa uma conjunção de esforços a partir de uma atitude não crítica, que entra em contradição com a primeira porque toda prática significa a ruptura da situação, enquanto a segunda é a legitimação daquilo que não se discute. A resolução dessa contradição resulta numa consciência crítica, uma compreensão da realidade de classe, do indivíduo e das condições dele como sujeito. Surge daí uma prática diferente, porque a atividade transformadora é direcionada a mudar o sistema de poder que legitima essa realidade opressiva. A compreensão crítica viabiliza uma consciência de identificação e ideologia, já que a imaginação precisa da “hegemonia popular” como única forma de universalizar a liberdade humana. Esta é uma concepção do mundo superior e coerente, consolidada na comprovação de que as lutas pela hegemonia, em diversos momentos históricos, sempre teve como resultado um processo de libertação do ser humano. Por isso, apesar de ser identificado como folclórico, continuo acreditando no socialismo.
Prof. Victor Alberto Danich
Sociólogo